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direitos indígenas
2007-08-29
Porto Alegre (RS) - O genocídio que ocorre de maneira contínua e silenciosa no Mato Grosso do Sul contra o povo Kaiowá é uma realidade denunciada constantemente por lideranças indígenas, por representantes de movimentos de defesa dos direitos humanos, por militantes populares, por indigenistas que atuam naquela região. De maneira recorrente, os meios de comunicação apresentam a cruel situação vivida pelas comunidades Kaiowá, noticiando assassinatos, mortes por desnutrição, suicídios, agressões de toda ordem. Como é possível pensarmos que, em tempos atuais, um povo seja confinado e condenado à morte pela mais absoluta omissão do Estado e pela falta de iniciativas políticas que assegurem suas terras, na forma como esse direito está explicitado na legislação brasileira?

A população Kaiowá é superior a 30 mil pessoas que, na grande maioria, vivem confinadas em pequenas reservas ou acampadas às margens das estradas e imediações de grandes fazendas de gado, soja e/ou de cana. E o mais grave ocorre na reserva de Dourados, com pouco mais de três mil hectares, onde vive uma população superior a 13 mil habitantes, uma realidade inconcebível que se assemelha aos campos de concentração.

Nesta reserva eles estão submetidos a uma violência sistemática, cotidiana, que afeta as relações sociais e os direitos mais elementares da vida humana. São inúmeros assassinatos, espancamentos, alcoolismo, tráfico de drogas, desnutrição, impossibilidade de sustentabilidade e a fome, a mais cruel das violências. As famílias indígenas sobrevivem nesta área em condições subumanas, sem terra, sem assistência adequada e diferenciada, sem proteção do Estado e consequentemente sem perspectivas de futuro.

As terras indígenas, que deveriam ser demarcadas a fim de assegurar condições para a sobrevivência física e cultural deste povo, são objeto de negociação do governo federal com as oligarquias locais e regionais. A conseqüência disso é o desrespeito à Constituição Federal, aos acordos e tratados internacionais - tais como a Convenção 169 da OIT, à Declaração Universal dos Direitos Humanos e à legislação indigenista que determinam que as terras dos povos indígenas sejam asseguradas para possibilitar a dignidade da pessoa, a vivência de suas culturas, costumes, tradições e estilos de vida. Mas, as prioridades assumidas pelos governos federal e estadual, privilegiando grandes investimentos, grandes lucros, grandes empresas, fazem com que os povos indígenas sejam tratados como indigentes em seus próprios territórios e, em função disso, sejam vistos como marginais, bêbados, violentos, preguiçosos e despossuídos de direitos. A omissão do poder público e a recusa em assegurar os direitos dos Kaiowá é justificada em velhos argumentos desenvolvimentistas, utilizados largamente pela mídia e por autoridades, que os identifica como entraves ao progresso.

Diante do descumprimento das determinações legais e da ausência do Estado na defesa e proteção da vida cabe a afirmativa de que o poder público não é apenas omisso, mas promove a morte do povo Kaiowá, sendo partícipe desse lento e doloroso processo de exclusão e de genocídio. Nada justifica a submissão de um povo a condições de servidão e de violência como a que vem ocorrendo no estado do Mato Grosso do Sul. As terras indígenas foram griladas e ocupadas pelo latifúndio onde hoje se desenvolvem atividades de agropecuária e plantação da cana. O gado destina-se à exportação ou serve para alimentar os grandes frigoríficos, em programas de fortalecimento da agroindústria. Nas fazendas de gado, os homens indígenas trabalham como peões na limpeza das pastagens e recebem pelo trabalho uma quantia irrisória, que mal dá para ajudar a família que passa fome. A cana serve como alimento às grandes usinas de álcool, hoje também inserida em programas do governo federal para o “desenvolvimento” de combustível para exportação. Nos canaviais a mão de obra é quase exclusivamente indígena, uma força de trabalho barata, explorada, submetida a um regime de semi-escravidão, sem carteira de trabalho, sem alimentação adequada, sem alojamentos dignos e tendo que atingir metas exorbitantes, tal como o corte de 12 toneladas de cana por dia, a fim e assegurar os recursos minguados da jornada de trabalho. Esse quadro de injustiça tem sido denunciado por organizações de defesa dos Direitos Humanos, como situação que atinge não apenas os trabalhadores no Mato Grosso do Sul, mas em todo o Brasil.

Os Kaiowá, que tiveram seus territórios loteados e entregues ao latifúndio são obrigados a trabalhar para outros, dentro daquelas terras que constituem parte de seu espaço de ocupação tradicional. O governo federal deveria demarcar, proteger, garantir estas terras, assegurando uma assistência diferenciada, capaz de colaborar para a promoção da vida, bem como destinando programas de autosustentabilidade para que os Kaiowá possam vislumbrar alternativas e projetos viáveis de futuro.

Todavia, o que se assiste é ao total descaso do Estado brasileiro, o que se presencia é a violência e a escravidão como formas de relacionamento com esta população. As comunidades e lideranças que se revoltam e questionam esta realidade são perseguidas e assassinadas pela pistolagem contratada pelos fazendeiros, sob o olhar negligente do poder público. Levantamento do Cimi mostra que, do total de 41 assassinatos de indígenas ocorridos até agosto de 2007 em todo o país, 26 aconteceram no Mato Grosso do Sul, ou 63% dos casos. Dezenas de lideranças indígenas foram presas ou estão com a decretação de prisão anunciada porque lutam pela defesa de seus direitos.

O confinamento em pequenas reservas ou em acampamentos de beira de estrada leva a dura realidade da fome, que trás como conseqüência a dependência de cestas básicas. A mortalidade infantil é cinco vezes superior à média nacional, ou seja, de cada mil nascidos vivos 50 morrem de fome ou sofrem por causa da falta de comida e terão uma infância vulnerável às doenças e até mesmo à morte prematura.  O confinamento gera ainda a quebra das redes de solidariedade entre as famílias e impede o funcionamento das formas tradicionais de controle desta sociedade. Por que se registram crescentes índices de agressões praticadas internamente nestas reservas? Certamente porque, submetidos a mais absoluta falta de condições de vida e privados das possibilidades de manutenção e de reprodução de suas práticas culturais tradicionais, este povo lança seu grito de dor, uma agonia interminável manifestada em agressões brutais, praticadas de maneira recorrente. A situação de violência não será resolvida com a instalação de aparatos repressivos, de policiamento ostensivo ou com a militarização, tal como se propõem em periferias de grandes centros urbanos.

A grave situação a que estão submetidas as famílias Kaiowá só poderá ser solucionada se as condições concretas de vida forem alteradas, com a demarcação das terras, de maneira condizente com a cultura deste povo e assegurando-lhes ações específicas e eficazes de assistência em saúde, em projetos de sustentabilidade e de recuperação de áreas ambientais degradadas. Ou seja, um conjunto de medidas governamentais que nada mais são que a plena realização dos direitos assegurados a todos os povos indígenas na Constituição Federal e em dezenas de outras leis e declarações internacionais ratificadas pelo Estado Brasileiro.

(Por Roberto Antonio Liebgott*, Conselho Indigenista Missionário, 27/08/2007)
*Vice-Presidente do Cimi

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