Recomendação da Anvisa e da Funasa, que inclui extinção até de poços da Cidade dos Meninos, não foi aplicada Há mais de cinco anos o Ministério da Saúde protela em tomar uma decisão em relação ao drama dos moradores da Cidade dos Meninos, em Duque de Caxias (RJ), área contaminada com mais de 40 toneladas de pó-de-broca. Um parecer técnico emitido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), dia 16 de janeiro de 2002, pedindo seis providências urgentes — entre as quais a remoção imediata dos moradores — caiu no esquecimento.
O fim do uso do terreno para atividades agropecuárias, o fechamento de todos os poços artesianos, a criação de uma barreira física que inviabilize o fluxo de pessoas sem o consentimento das autoridades, o monitoramento das condições de saúde da população e a finalização do diagnóstico da contaminação ambiental foram outras providências solicitadas e não adotadas.
“Deve-se proceder, com a maior brevidade possível, a retirada de toda a população residente na área denominada Cidade dos Meninos”, reitera o relatório. E enfatiza que o uso do terreno para atividades agropecuárias comerciais ou de subsistência deveria ser interrompido imediatamente.
Não é o que acontece. Segundo o ecologista José Miguel da Silva, o Miguel do Pó, um dos fundadores da Associação de Moradores da Cidade dos Meninos, a cada dia cresce o número de criadores de animais. O Ministério da Saúde reconhece que o local já abriga mais de 3 mil cabeças de gado. Criações de porcos, galinhas e cabras também são comuns.
ALIMENTOSMesmo sabendo da proibição, o aposentado José Wander do Prado, 57 anos, morador da Cidade dos Meninos há quase 40 anos, diz que continua se alimentando de verduras, frutas e legumes do seu quintal, como o aipim, que ele mesmo colhe. “O exame revelou que eu estava contaminado, mas nunca senti nada e continuo comendo de tudo”, explica ele, se referindo ao exame de sangue coletado dos moradores pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2004.
Após decisão judicial, os diagnósticos foram entregues, mas sem nenhuma explicação sobre o grau de contaminação de cada um.
ANIMAIS SACRIFICADOSCenas de animais pastando até mesmo na área contaminada são freqüentes. O Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde de Caxias informaram que os animais deverão ser sacrificados devido à alta concentração de pesticidas, como o hexaclorociclohexano (HCH), no tecido adiposo (gordura). Mas a decisão está longe de acontecer.
“Primeiro temos de acabar com as especulações sobre o que vai acontecer. Decidimos que ninguém poderá fazer nenhum tipo de exame na população sem que se saiba o porquê”, explica o secretário de Saúde de Duque de Caxias, Oscar Berro. Ele integra grupo de trabalho junto com o Ministério da Saúde que estuda a proposta de descontaminação da área e construção de novas casas para os moradores.
Muitas dúvidas sobre a saúdeCarlos Magno dos Santos, 19 anos, o Maguinho, morador da Cidade dos Meninos, cria porcos, galinhas e uma cabra no seu quintal. Ele sabe do risco de contaminação que corre ao se alimentar dos animais, mas revela que a atividade é importante na alimentação da família.
“Trabalho como esmerilhador, e o salário que ganho é pouco. Crio os animais para ajudar na alimentação da minha família”, explica ele, que é casado, tem uma filha e ajuda no sustento da mãe, que tem bronquite.
Maguinho disse que foi submetido a exame de sangue pela Fundação Oswaldo Cruz, mas que nunca recebeu o resultado nem qualquer explicação médica sobre os sintomas que uma pessoa contaminada pelo pó-de-broca pode apresentar. “Gostaríamos que os médicos nos informassem o que temos. Vivemos na incerteza, sem saber o que temos no nosso corpo”, disse ele.
(Por Marcos Galvão,
O Dia Online, 28/08/2007)