Caso é retrato do conflito entre grupos indígenas e o Ibama, na região; em 1982, quando a reserva foi criada, comunidades tradicionais ficaram desalojadas
Recentemente, agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do Instituto Chico Mendes multaram Getúlio Freitas e seu filho, indígenas miquelém, por pescar na área da Reserva Biológica de Guaporé, em Rondônia. Moradores de Porto Murtinho, eles estavam caçando e pescando no Rio São Miguel, afluente do Rio Guaporé, dentro de uma zona tradicional dos moradores da região.
Freitas e mais dois vizinhos são acusados da pesca clandestina de peixe, e de terem matado uma capivara. Com eles os agentes apreenderam uma canoa, um motor, uma espingarda e outros materiais de pesca, além de aplicarem multa de 10 mil reais.
O que poderia ser só mais uma operação padrão dos institutos de proteção ambiental, demonstra uma briga há muito travada entre o Ibama e as comunidades tradicionais locais. Em 1982, quando foi criada a Reserva Biológica do Guaporé, que compreende a margem esquerda do Rio São Miguel, as populações indígenas e quilombolas tiveram de sair, sendo realocadas para a outra margem do rio, em Porto Murtinho.
A mudança foi conturbada, como conta Maria Petronila Neto, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de Guarajá-Mirim. Ela diz que a única comunidade que permaneceu no local foi a de Santo Antônio, que resistiu mesmo sem poder retirar da terra recursos para subsistência.
Em 1988, depois de a Constituição garantir o direito do acesso indígena a terras tradicionalmente ocupadas por eles, os miquelém se organizaram. Em 2000, em assembléia, passaram a reivindicar suas terras originais. "Hoje, eles são proibidos de caçar e pescar em uma reserva que era tradicionalmente de seu povo, sua tradição", comenta Maria Petronila. Ela salienta que, nas poucas vezes que os indígenas da região pescam, essa prática é considerada ilegal.
Outro problema é a pastagem. Há um campo com pastagem natural, da própria comunidade indígena em que o gado, criado sem cerca, muitas vezes atravessa o rio e chega até a área da reserva. Uma vez nessa margem, eles não podem ser retirados e o dono do boi é multado. "No ano passado, eles decidiram construir uma cerca de bambu para resolver esse problema", comenta Maria.
RegulamentaçãoOs miquelém e seus vizinhos puruborá contam atualmente com atendimento da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e com uma escola indígena. Além disso, entraram com um pedido na Funai para reconhecimento da área como reserva indígena.
Segundo Maria Petronila, uma antropóloga recentemente esteve no local para um pré-estudo. "Antes disso, os miquelenos foram dados como extintos pela Funai, até que se organizaram e foram reconhecidos pelo órgão", expõe.
(Por Eduardo Paschoal,
Amazonia.org.br, 24/08/2007)