Marc van Roosmalen é um primatologista de renome internacional cuja pesquisa na Amazônia levou à descoberta de cinco espécies de macacos e de um novo gênero de primata. Mas devido precisamente a este trabalho, Van Roosmalen foi recentemente preso e sentenciado a quase 16 anos em Manaus, Brasil.
No início de agosto, seus advogados conseguiram que ele apelasse em liberdade da condenação por suposta biopirataria. Mas cientistas daqui e do exterior estão ultrajados, descrevendo o caso como o exemplo mais clamoroso de leis e políticas governamentais que dizem ser xenófobas e que cada vez mais dificultam a pesquisa científica.
"A pesquisa precisa ser estimulada, não criminalizada", disse Enio Candotti, um físico que nos últimos quatro anos foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a principal entidade científica do país. "Em vez disso, temos uma situação na qual burocratas com excesso de zelo consideram qualquer um culpado a menos que possa provar sua inocência".
Em uma conferência de biólogos realizada no México no mês passado, 287 cientistas de 30 países assinaram uma petição dizendo que a prisão de Van Roosmalen indicava "uma tendência de repressão governamental aos cientistas no Brasil".
O tratamento dado a eles, eles alertaram, é indevidamente duro e "já desencoraja a pesquisa biológica no Brasil, tanto por cientistas brasileiros quanto por potenciais doadores internacionais".
Autoridades do governo brasileiro disseram não ter nada contra cientistas e que apenas estão protegendo o patrimônio genético e natural do país; elas também se recusaram a conversar sobre o caso de Van Roosmalen.
O temor da biopirataria, definida vagamente como qualquer aquisição ou transporte não autorizado de material genético ou flora e fauna viva, são profundos e antigos no Brasil. Há quase um século, por exemplo, o boom da borracha na Amazônia sofreu um colapso depois que sir Henry Wickham, um botânico e explorador britânico, contrabandeou sementes de seringueiras para fora do Brasil, as enviando para colônias no Ceilão e Malaia (atualmente Sri Lanka e Malásia), que rapidamente dominaram o mercado internacional.
Nos anos 70, a companhia farmacêutica Squibb usou veneno de jararaca para o desenvolvimento do captopril, usado no tratamento de hipertensão e insuficiência cardíaca, sem pagamento dos royalties que os brasileiros consideram devidos. Mais recentemente, tribos indígenas brasileiras se queixaram de que amostras de seu sangue, obtidas sob circunstâncias consideradas não éticas, estão sendo usadas em pesquisa genética ao redor do mundo.
Nos últimos anos o Brasil aprovou uma legislação para coibir tais práticas. O sentimento nacionalista favorece as leis, mas os cientistas se queixam de que elas vão longe demais, são vagas demais, conferem poder demais para autoridades sem nenhum conhecimento científico e criaram a suposição de que todo pesquisador está envolvido em biopirataria.
"Nós queremos proteger o meio ambiente e o conhecimento tradicional, mas a legislação é restritiva demais, dando origem a abusos e falta de bom senso", disse Candotti. "O resultado é paranóia e um desastre para a ciência. Há talebans no governo que dizem estar defendendo o interesse nacional, mas eles acabam o enfraquecendo e prejudicando."
Para a realização de pesquisa de campo no Brasil, pode ser necessária a autorização de até cinco órgãos governamentais. Apesar da lei exigir uma resposta em até 90 dias, os cientistas dizem que a aprovação pode demorar até dois anos porque os órgãos carecem de verbas e pessoal, particularmente funcionários com conhecimento do método científico.
Isto leva a uma situação na qual muitos pesquisadores prosseguem com seu trabalho supondo que no final será aprovado. Candotti estima que até metade da pesquisa de campo realizada no Brasil pode estar tecnicamente irregular, mas a prisão de Van Roosmalen, que a revista "Time" elegeu como um de seus "Heróis do Planeta" em 2000 devido ao seu trabalho na Amazônia, fez com que muitos pesquisadores fizessem uma pausa e reavaliassem sua situação.
"Se eles podem prendê-lo por acusações inventadas, eles podem pegar qualquer um de nós", disse um cientista baseado em Manaus, que falou sob a condição de anonimato por temer que futuros projetos de pesquisa sejam rejeitados. "Todos dobram as regras, porque elas são onerosas demais a ponto de impossibilitar que qualquer trabalho seja feito caso você as siga à risca".
Alguns cientistas estrangeiros também disseram que devido aos temores de biopirataria aqui, eles não podem mais considerar o Brasil como um parceiro confiável de pesquisa. Como exemplos, eles citaram casos em que amostras de material de pesquisa originalmente obtido no Brasil e posteriormente levado para o exterior foram apreendidas pelas autoridades do governo e até mesmo incineradas quando enviadas de volta ao Brasil por empréstimo para os cientistas daqui.
Os estrangeiros não são os único que se queixam. Os cientistas brasileiros também relatam problemas para a aprovação de propostas de pesquisa e dizem estar enfrentando limitações não razoáveis ao seu trabalho e confisco de material.
Em um caso recente, um pesquisador do Instituto Butantã em São Paulo queria estudar uma espécie de borboleta amazônica, de interesse farmacêutico potencial porque sua larva secreta uma substância tóxica que causa insensibilidade, paralisia e pode contribuir para a artrite. A autorização demorou meses e, quando finalmente chegou, era para apenas um dia - em fevereiro, semanas após as larvas terem concluído sua metamorfose.
Em outro caso, um pesquisador foi investigado após ter enviado por correio slides de tecido de verme para um colega na Alemanha em vez de enviar os dados genéticos por e-mail. De forma semelhante, um ornitólogo autorizado a manter aves raras em cativeiro foi detido por não ter a permissão de levar as aves de uma instalação de pesquisa na Amazônia para outra, e o pedido de um pesquisador para transportar uma colônia de formigas foi negada, supostamente devido ao estresse que causaria aos insetos.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o principal órgão do governo que lida com pesquisa científica no Brasil, se recusou a disponibilizar algum representante para entrevistas sobre o caso Van Roosmalen ou sobre as queixas de outros cientistas. A secretaria de imprensa do órgão sugeriu inicialmente uma entrevista com o diretor, Marco Antonio Zago, mas voltou atrás após ver a lista de perguntas, preferindo emitir uma declaração por escrito em seu nome.
"Não há base para acreditar que o governo brasileiro tentaria intimidar a comunidade científica, seja na Amazônia ou em qualquer outra região do país", disse a declaração. O governo federal está apenas "adotando medidas para proteger a soberania e biodiversidade do país com base nas leis promulgadas pelo Congresso".
No Conselho de Defesa Nacional, outro órgão que nos últimos anos está envolvido na aprovação de alguns pedidos de pesquisa em conseqüência das mudanças na lei, uma funcionária, Renata Furtado, reconheceu que há problemas, mas disse que os próprios cientistas são os principais culpados. Eles freqüentemente não fornecem informação suficientemente detalhada sobre os pedidos de pesquisa, ela disse, eles "não se comprometem", resistem à supervisão e querem trabalhar em áreas de fronteira sensíveis.
"Nós estamos tentando tornar o processo mais democrático, mais aberto ao diálogo, convidando todas as partes interessadas, incluindo as forças armadas e os grupos indígenas, e quando isto acontece, naturalmente você tem pessoas a favor e contra" a proposta, ela disse. "A pesquisa científica legalizada feita por estrangeiros no Brasil está indo muito bem, obrigado, mas precisamos abrir este processo ainda mais para que verdadeiros pesquisadores sejam encorajados a vir, não apenas mochileiros".
Os advogados de Van Roosmalen, um cidadão brasileiro naturalizado que nasceu na Holanda, disseram que ele é em grande parte vítima do sentimento xenófobo associado aos temores de biopirataria. Eles notaram que ele foi julgado como estrangeiro, teve inicialmente negado o habeas-corpus e o direito de apelação do veredicto contra ele, recebeu pena quase máxima apesar de ser réu primário e foi enviado para um presídio barra pesada.
"Este julgamento foi conduzido de forma altamente irregular e por acusações inventadas", disse Miguel Barrella, um dos advogados de Van Roosmalen. "Eles não puderam provar as acusações de biopirataria, então maquinaram uma série de acusações espúrias, como manter macacos sem autorização em sua casa, onde ele tem um centro de reabilitação de primatas".
Edmilson da Costa Barreiros, o procurador federal em Manaus que relatou o caso contra Van Roosmalen, não respondeu aos pedidos de comentário. Mas um artigo no "A Crítica", o principal jornal local, o citou como tendo pedido para que o cientista fosse transformado em um "exemplo para que outros vejam que não podem fazer o que bem entendem em uma instituição pública".
Ao longo dos anos Van Roosmalen entrou várias vezes em choque com as autoridades brasileiras, incluindo com seus superiores no Instituto Nacional de Pesquisa Amazônica (INPA), em Manaus, que é financiado pelo governo. Ele já foi detido durante uma viagem de barco por transporte de macacos sem permissão, e quando enviou excremento do animal para o exterior para análise em um laboratório, ele também se viu com problemas com a lei. No final, ele foi demitido do INPA, onde colegas cientistas disseram que o reconhecimento que ele recebeu da revista "Time" provocou ressentimento entre os administradores burocráticos.
Para levantar dinheiro para a continuidade de sua pesquisa, ele fez uma oferta em seu site de batizar as espécies de macacos que descobriu em homenagem aos seus doadores, que incluem o príncipe Bernhard da Holanda. Esta é uma prática comum desde que Linnaeus criou o sistema moderno de classificação biológica no século 18 e reis e duques financiavam as expedições em troca de imortalidade taxonômica. Mas as autoridades brasileiras consideraram isto ilegal, o que serviu de base para uma das acusações de "apropriação indébita" pela qual Van Roosmalen foi condenado.
Mesmo os mais ardorosos defensores de Van Roosmalen disseram que ele freqüentemente é teimoso, birrento e nada deferente à autoridade. Mas Wim Veen, um ex-condiscípulo que é um dos fundadores do Ajude Marc van Roosmalen, um fundo e comitê de defesa criado na Holanda, disse que tais falhas não são importantes diante das questões maiores em jogo.
"Se há alguém no Brasil que defende a Amazônia, é Marc", disse Veen, "o que torna particularmente cínico vê-lo transformado em vítima de uma legislação criada não para ele, mas para aqueles que querem extrair as riquezas da floresta tropical para benefício material próprio".
(Por Larry Rohter,
The New York Times / UOL, 28/08/2007)