Sessenta organizações ambientais, indígenas, sociais e sindicais da Colômbia realizam uma campanha para que o acesso à água potável seja incorporado como um direito fundamental na Constituição do país. Os promotores da iniciativa já cumpriram o primeiro requisito legal, que consistiu na coleta de aproximadamente 135 mil assinaturas, cinco por mil do total dos eleitores aptos a votar, mas agora enfrentam um desafio maior. Após o organismo estatal de Registro Nacional do Estado Civil certificar a validade das assinaturas, as entidades não-governamentais deverão conseguir o apoio de 1,5 milhão de cidadãos. Nesse caso, o Congresso aprovará um projeto de reforma constitucional e convocará um referendo nacional para que o povo adote ou rejeite a proposta.
Como parte da iniciativa foi feita uma travessia pelo rio Magdalena, que terminou sexta-feira no porto de Girardot, 133 quilômetros a sudoeste de Bogotá, na província central de Cundinamarca. Ironicamente, a campanha para garantir o acesso a água acontece em um país que ocupa o segundo lugar quanto à disponibilidade de recursos hídricos na América Latina e o sétimo no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Nesta nação de 42 milhões de habitantes, cerca de 12 milhões carece de água potável e quatro milhões têm dificuldades para obtê-la, mesmo em condições de insalubridade, segundo dados da estatal Defensoria do Povo.
O governamental Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (Ideam) prevê, por sua vez, que 69% da população pode sofrer escassez de água em 2025. As entidades que promovem a reforma constitucional indicam que a privatização do serviço de fornecimento de água, autorizada por lei em 1993, como uma das causas do problema. “De 349 empresas existentes no país, 141 são privadas e 24 de economia mista”, segundo dados da organização não-governamental Censat-Água Viva. Um de seus pesquisadores, Danilo Urrea, disse à IPS que “a privatização aumentou de maneira considerável o custo do serviço, e a concessão a operadores privados também gerou escândalos e corrupção”.
À privatização das empresas soma-se a intenção de estabelecer uma cobrança de pedágio para a navegação no rio Grande de la Magdalena, no trecho de acesso ao porto da caribenha Barranquilla,onde chega após percorrer 1.540 quilômetros. O rio nasce no Maciço Colombiano no extremo sudeste do país, atravessa 18 das 22 províncias e 700 localidades ribeirinhas. Na década de 70, o Magdalena fornecia cerca de 70 mil toneladas de pescado por ano. Nos anos 80 esse total caiu para 40 mil, diminuindo novamente para 20 mil na década de 90, e atualmente não passa das oito mil toneladas.
Este problema também figura da agenda dos promotores da campanha. “Não se pode acabar com as empresas oficiais argumentando que o Estado é corrupto. É preciso conseguir a recuperação e transformação do manejo de água em benefício da população em geral”, disse Urrea. A primeira jornada de coleta de assinaturas em apoio à reforma constitucional aconteceu em 1º de maio, durante a celebração do Dia dos Trabalhadores, em diferentes cidades do país. Durante os dois meses seguintes foram realizadas diversas ações, movidas principalmente pelos jovens.
Este mês, durante o Primeiro Fórum pela Água e pela Vida no Caribe, realizado em Barranquilla, teve início a travessia do Magdalena que concluiu sexta-feira em Girardot. Este porto é um ponto nevrálgico, pois o rio Grande de la Magdalena recebe nessa cidade um dos afluentes mais contaminados do país, o Bogotá, que nasce na província de Boyacá. Nele são despejados resíduos químicos provenientes em boa parte da indústria do coutro e da floricultura.
Esta primeira etapa da campanha terminará com uma “avaliação positiva”, disse Urrea. “Se não conseguirmos a convocação do referendo, conseguimos realizar um trabalho de sensibilização das comunidades ribeirinhas, parte de nosso grande objetivo. E, naturalmente, continuaremos nos empenhando”, acrescentou. O ministro de Meio Ambiente, Desenvolvimento e Habitação Territorial, Juan Lozano, afirmou em um debate na televisão que dará prioridade à conservação do Maciço Colombiano e à recuperação dos recursos hídricos. ‘Está em nossa perspectiva manter o serviço público, tanto quanto a preservação do meio ambiente”, garantiu Lozano.
(Por Helda Martinez,
IPS, 27/08/2007)