Quem acompanhou as discussões da Lei do Petróleo, que regulamenta a quebra do monopólio da Petrobrás, lembra como foi feroz a resistência do PT a sua aprovação, em agosto de 1997. Dez anos depois, o governo do mesmo PT quer mudar a lei para reforçar o monopólio que passou para a União. Está pronto o anteprojeto que amplia as competências da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), estendendo seu poder de regulação e fiscalização à produção, comercialização, armazenagem e transporte do etanol.
O projeto contém tantos exageros que pode causar graves prejuízos para a atividade sucroalcooleira e para o País. Em documento que entregaram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante sua recente viagem ao México e à América Central, empresários advertem que, se o projeto for aprovado, a primeira conseqüência será a fuga imediata dos investidores estrangeiros que já aplicaram US$ 17 bilhões no setor.
Os autores do projeto basearam-se no artigo 177 da Constituição, ao propor a extensão para o etanol do regime jurídico do petróleo. Esse artigo, porém, é explícito ao limitar o monopólio da União na pesquisa, lavra, refinação, importação e exportação, e no transporte marítimo e por dutos do petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos. Não faz referência a biocombustíveis. A Lei do Petróleo (Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997), por sua vez, regulamenta esse artigo da Constituição, razão pela qual não se justifica a extensão de seus dispositivos às atividades ligadas ao etanol.
A Lei do Petróleo se aplica a uma atividade que passou a ser monopólio da União. Mas não pode haver monopólio num mercado em que atuam mais de 300 usinas. O que há e deve continuar a haver é um regime de concorrência, que não pode ser submetido ao controle do monopólio da União como ocorre com a produção e refino do petróleo. Nada justifica a sujeição do mercado de etanol a uma lei intervencionista, como a do Petróleo.
A ampliação das atribuições da ANP - que passaria a fiscalizar também as atividades de produção, importação, exportação, transporte, transferência, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda, comercialização, avaliação de conformidade e certificação dos biocombustíveis -, de sua parte, submeteria as empresas a um controle estrito da agência reguladora. Além do excessivo poder conferido à ANP, o projeto aumenta as dificuldades burocráticas para as empresas que atuam na produção de álcool, sujeitas a regulamentações de governos estaduais e municipais, como outras atividades econômicas.
Ao atribuir ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) competência para propor “a suspensão temporária, total ou parcial, de autorizações para exportação de álcool etílico”, o projeto torna mais difícil a conquista de mercados externos para o produto brasileiro, na qual se baseia o plano do governo de transformar o Brasil num grande centro de produção e exportação de etanol. Além disso, no mercado de commodities, como no de etanol, é o sistema de preços que regula a oferta e a procura.
Há, ainda, no projeto do governo um dispositivo intrigante. Ele acrescenta na definição de “transporte” dada pela Lei do Petróleo a expressão “biocombustíveis”. Desse modo, se aplica ao etanol o artigo da lei segundo o qual constitui monopólio da União seu “transporte, por meio de conduto”. Esse transporte, diz outro artigo da Lei, é regulado e fiscalizado pela União e pode ser feito, por concessão ou autorização, por empresa brasileira. Mais adiante, a mesma lei diz que cabe à ANP autorizar a construção de instalações e a utilização desse transporte. Ocorre que a empresa autorizada é a Petrobrás, que assim deteria o controle sobre todo o transporte de etanol por duto, o que lhe daria enorme poder sobre o setor sucroalcooleiro.
Os produtores de etanol reconhecem que a indústria do álcool precisa de um marco regulatório estável, inclusive com definição de padrões de qualidade e medidas que dêem segurança ao consumidor. Regras claras e duradouras ajudam a criar um ambiente ainda mais favorável para a entrada de grandes investimentos externos. Mas isso não pode ser feito equiparando o etanol ao petróleo e subordinando o setor aos interesses da Petrobrás.
(O Estado de S.Paulo, 27/08/2007)