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recursos costeiros br
2007-08-27

Há quase um ano, o governo federal cobra, sem sucesso, a suspensão de obras de imóveis milionários muito próximos do mar em São Sebastião, litoral norte - chamados no mercado de “pé na areia”. A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) também proibiu a prefeitura de continuar aprovando empreendimentos com base num estudo dos anos 70, sem validade legal, que recuou a chamada linha de maré em 20 metros. É com base nessa linha que se calcula o limite da faixa de marinha, de propriedade exclusiva da União, onde são proibidas edificações.

Com o recuo, imóveis podem ficar mais próximos do mar, avançando sobre a areia. Além de irregular, a medida vai na contramão da tendência do aumento do nível dos oceanos, reflexo do aquecimento global. O Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, por exemplo, usa como base dados internacionais segundo os quais o nível do mar avançou, em média, 41 centímetros em cem anos. A prefeitura tem ignorado as determinações da SPU, feitas em outubro.

“O que está acontecendo em Juqueí pode se espalhar para todo o litoral paulista”, diz a ambientalista Regina de Paiva Ramos, primeira-secretária da Associação Comunitária Amigos do Juqueí (Samju). Integrantes da Samju e de associações de praias de São Sebastião têm monitorado informalmente novas construções à beira-mar. Fotografaram os efeitos de uma ressaca ocorrida no fim de julho em várias praias. As imagens de muros e decks destruídos pelas ondas, que evidenciariam construções muito próximas do mar, farão parte de um estudo a ser encaminhado à Promotoria de Habitação e Urbanismo da cidade.

O ofício da SPU menciona diretamente a construção de um condomínio com quatro casas na Praia de Juqueí, considerado irregular com base nas duas referências usadas atualmente - a linha da maré e a faixa de vegetação que margeia as praias.

Segundo a secretaria, o dono da área, Airton Armando Di Santoro, cometeu outra irregularidade. Praticamente duplicou seu terreno, acrescentando 1.070 metros quadrados aos 1.020 m² originais, sem comprovação de posse. Para isso, usou outros documentos sem validade legal - mapas da própria SPU que não foram homologados porque tinham erros.

Apesar disso, as obras do condomínio estão em fase de acabamento. Ele será lançado em outubro e o preço inicial de cada casa - adquirida diretamente com o construtor - está avaliado em R$ 2,4 milhões.

Os imóveis à beira-mar nas Praias de Juqueí e da Baleia, também em São Sebastião, são os mais caros do litoral norte. O m² construído vale de R$ 7 mil a R$ 8 mil. Em Santos, o m² de imóveis à beira-mar vale R$ 2 mil.

Uma das questões que prejudicam a fiscalização no litoral do País é o fato de a linha da maré ter sido traçada nos tempos do Império - está em vigor desde 1831. Ela foi definida pela média entre as marés alta e baixa da época. Numa faixa de 33 metros contada a partir dessa linha são proibidas edificações.

No ofício enviado ao prefeito Juan Pons Garcia (PPS), o gerente substituto da SPU na Baixada Santista, Esmeraldo Tarquinio Neto, afirma que não existe uma linha da maré homologada especificamente para São Sebastião. “A demarcação é presumida de acordo com a linha de 1831.”

Como não existe um estudo atualizado sobre o nível médio das marés nos dias de hoje, os órgãos de fiscalização costumam aceitar construções à beira-mar até o limite do jundu - vegetação rasteira das áreas litorâneas. “Sem a referência do SPU, os engenheiros acabam usando o jundu para demarcar a faixa de marinha”, diz o professor Afrânio Rubens de Mesquita, do Instituto Oceanográfico. Quando se leva em conta o critério da vegetação, o condomínio de Juqueí tem um avanço irregular de 18 metros.

Não bastassem as normas federais, a Lei Orgânica de São Sebastião tem um capítulo proibindo qualquer nova edificação particular nas praias e costões rochosos. A lei prevê apenas uma brecha: o proprietário que comprovar a posse do terreno pode avançar 13 metros dentro da faixa de marinha para construir piscinas ou quiosques, desde que não erga muros ou estruturas como churrasqueiras. Nesse aspecto, Di Santoro cometeu duas irregularidades. Não comprovou a posse de parte do terreno e ergueu muros na face do condomínio voltada para a praia.

No ofício, Tarquinio Neto ressalta que a suspensão da aprovação de empreendimentos serve para “resguardar o interesse da União e do patrimônio público, que jamais ficará subordinado a interesses particulares incertos”. A Samju acionou o promotor de Habitação local, Bruno de Azevedo. “Constatamos que o imóvel invadia a faixa exclusiva da União e enviamos o processo para o Ministério Público Federal (MPF), que tem a competência para tratar do assunto”, disse. O MPF limitou-se a informar que está investigando o caso.

(Por Alexssander Soares, O Estado de S.Paulo, 26/08/2007)


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