Na última quarta, a aposentada Cecília Martinez, 66, repetiu mais uma vez uma atitude que vem praticando desde 2000. Plantou uma árvore. Até semana passada, ela calcula ter repetido o gesto por 1.900 vezes. Mas suas mudas não estão no quintal, elas foram plantadas sem deixar calos ou sujeira de terra nas mãos. Bastou um rápido clique no mouse.
"Levanto cedo, vou para o computador, planto as árvores e fico com a consciência mais leve", conta Cecília. "Não entendo muito sobre aquecimento global. Mas acompanho o tema e sei que sou parte do problema. A gente sente culpa, e comecei a fazer isso para aliviar um pouco a consciência."
A aposentada é uma das principais jardineiras eletrônicas de um site ligado ao projeto SOS Mata Atlântica, em que internautas podem plantar árvores bancadas por empresas. Ações simples como essa são cada vez mais comuns e se transformaram em uma maneira rápida e prática de aliviar a culpa ecológica.
São "atos de contrição eletrônica", na definição do psicanalista Jorge Forbes, 56. Ele lembra que, há 30 anos, as pessoas iam à igreja, falavam o que tinham cometido, rezavam e comungavam até voltar a pecar. "Essas são as mesmas pessoas que hoje deletam o pecado pelo plantio de árvores na internet. Limpo minha semana perversa com uma boa ação. É uma tremenda descarga de responsabilidade", diz Forbes.
Ninguém duvida que o aquecimento global seja um problema. Provoca derretimento de geleiras, elevação do nível dos mares, inundações e muita, muita culpa. Culpa por atividades cotidianas, como andar de carro, que polui e destrói a camada de ozônio, e até tomar um banho longo, que põe em risco um recurso finito.
Para Eda Tassara, 68, coordenadora do Laboratório de Psicologia Sócio-Ambiental e Intervenção da USP, o debate, em vez se transformar numa discussão sobre a mudança de hábito dos consumidores, foi canalizado para as catástrofes. Portanto, é natural que as pessoas se sintam culpadas e impotentes. E reajam com respostas imediatas, como clicar num site ecológico.
Festa sem carbono
O casal de arquitetos Renato Barandier, 27, e Izabella Lentino, 30, preferiu ir além da mesa do computador. No final de outubro, eles vão fazer de seu casamento, em Niterói (RJ), um evento "carbon free" -para usar um termo tão em voga.
"Quando pensamos nos caminhões trazendo vinho do Sul, nos convidados vindos da Alemanha e de Brasília, achamos que tínhamos de fazer alguma coisa para compensar o impacto", diz Renato.
Para minimizar o estrago ambiental provocado pela união, eles irão plantar árvores. Quantas, o casal ainda não sabe. Eles contrataram a empresa Carbono Neutro para fazer a conta. Plantio e acompanhamento do crescimento das plantas também serão de responsabilidade da empresa.
"Só queremos que as pessoas saibam que pequenas ações também têm impactos simples de serem compensados sem esforços", explica Renato.
Assim como o casal, tem muita personalidade divulgando a causa verde. O ator Leonardo diCaprio produziu um documentário sobre a crise ambiental, assim como Al Gore, o garoto-propaganda da causa. Foi exatamente a visita de Gore ao Brasil quem incentivou a estréia ecológica do taxista João Batista Santos, 43. "Só se falava em aquecimento global, essas coisas. Me senti responsável por parte do problema. Não quero parar de dirigir. Como vou fazer a minha parte?"
João encontrou uma maneira. Ele decidiu tentar neutralizar as emissões de carbono de seu táxi. O motorista conta que levou um susto quando descobriu que joga nos ares de São Paulo 93 kg de CO2 diariamente -a mesma quantia liberada por um carro a gasolina, de São Paulo a Ribeirão Preto (314 km de SP). Para compensar, o taxista precisa plantar uma árvore a cada sete dias.
De olho no feito, o taxista pede a contribuição dos passageiros. "Faço uma sugestão de doação. Uma corrida de 15 minutos gera 3 kg de CO2. Com muda e manutenção a R$ 40, o passageiro pode contribuir com R$ 0,16 para o plantio", explica.
Alívio demorado
Se a compensação de carbono é difundida entre países, empresas e pessoas que querem fazer algo pelo meio ambiente, seus benefícios ainda não são um consenso.
"Não acontece na hora. As árvores podem levar 37 anos para crescer e consumir o gás. Atitude verde mesmo é não emitir", defende o diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, Helio Mattar.
Segundo pesquisa da Akatu, 37% das pessoas estão dispostas a pagar mais caro por produtos ecológicos e sociais. Mas Helio critica a simples troca. "Só substituir é um risco. Não basta que o produto seja verde ou social. O produto verde também precisa de energia, transporte, água. Por mais verde que seja, dificilmente não deixará impacto no meio ambiente. É preciso reduzir o consumo."
A mudança de hábito também é defendida pelo coordenador do projeto ESPM Social, Ismael Rocha, 48. "Quando você compra um produto desses, é como se livrasse da responsabilidade. É terceirizar a responsabilidade que você deveria ter." Há diferentes maneiras de passar a bola do compromisso para frente. Ir a um evento que planta árvores não representa uma ação significativa. "Os desavisados acham lindo. O que importa é o que eles fazem em casa depois", critica Ismael.
Eda Tassara, da USP, diz que um passo importante na construção de uma consciência ecológica se dá pela educação. "A mobilização em torno da causa deve levar as pessoas a discutirem e buscarem soluções. O problema é que muita gente age movida pelo politicamente correto. Essas ações, como plantar árvore pela internet, funcionam apenas como um corretivo."
(Por Adriana Küchker, Folha de S.Paulo, 26/08/2007)