Artigo - Limites ao controle da publicidade na paisagem urbana
publicidade ao ar livre
2007-08-27
Discutir a poluição visual causada pela publicidade e propaganda veiculada pela paisagem urbana, (mídia exterior), por envolver a percepção de pessoas e o tratamento de lugares diversos, por si só, já exige uma diferenciação no tratamento da questão, devendo incluir a subjetividade dos indivíduos e as especificidades dos lugares. Desta forma, qualquer lei generalista, na sua decisão, já parte de um grande equívoco, principalmente quando os seus objetivos reais não estão devidamente explicitados.
Entre estes objetivos costumam estar incluídos no discurso:
- recuperação da arquitetura escondida;
- a valorização de marcos urbanos;
- a melhoria na absorção de mensagens;
- a diminuição de acidentes de trânsito;
- a diminuição do stress urbano.
Porém, uma análise mais acurada pode visualizar a presença de outros, não explícitos, cuja estratégia para alcançá-los utiliza-se de ações de maior efeito popular.
No que se refere à capacidade dos indivíduos de absorverem as mensagens contidas nas diversas imagens veiculadas, ou dos índices de stress causados pelo excesso de estímulos, embora possa haver limites, estes tendem a ser muito variados além de difíceis de serem devidamente mensurados. Questões de subjetividade vêem-se ampliadas, inclusive, pelas diferenças de idade, momento de vida, motivação e interesse na absorção dessas informações ou das mensagens veiculadas. Ou seja, a ida a determinados lugares, movidos por interesses, de trabalho, lazer, compras, turismo, com tempo ou seu tempo, em velocidades variadas (a pé, automóvel, metro, trem etc), implica em diferentes percepções e leituras da paisagem urbana. Assim, o excesso de mensagens pode passar totalmente despercebido sendo, muitas vezes, absorvido como um todo de informações, sem o interesse na identificação de suas partes.
No caso específico das mensagens transmitidas pela mídia exterior três tipos de intenção podem ser destacados para auxiliar nesta reflexão:
- a divulgação da marca;
- a identificação do estabelecimento;
- o reforço do lugar.
A divulgação da marca, mais centrada nos outdoors, acontece fora do seu estabelecimento de origem e busca alta visibilidade por parte da população através da sua divulgação no espaço público. Tem como finalidade reforçar o uso de um tipo de produto e fixar a marca e, portanto, está mais associada ao setor de produção de bens e serviços, divulgando: produtos alimentares, bebidas, serviços de comunicação; dentre vários outros. Pode ainda divulgar estabelecimentos comerciais como grandes supermercados, shopping centers, lojas de departamentos, estabelecimentos bancários, promoções de shows, e, servir, ainda, para divulgar e promover realizações do poder público ou de cidades a visitar.
A identificação do estabelecimento, por sua vez, principalmente aqueles em que a população se desloca com a intenção da compra (compra de destinação), o uso de placas e elementos de identificação são fundamentais, principalmente se o deslocamento é feito em velocidades maiores, ou necessita, por exemplo, de estacionamento em vias de grande fluxo. Entre estes estabelecimentos podemos citar: as farmácias, restaurantes, dentistas, clínicas e inclusive os próprios estacionamentos. Muitas vezes, a própria cor da edificação ou formato diferenciado funciona como um fator de rápida identificação.
Assim, se uniformizarmos todas estas sinalizações, como se tem observado em alguns projetos de sinalização urbana proposto para as cidades, corremos o risco de dificultarmos a identificação, pois, a nossa percepção deixará de contar com as diferenças de forma, volume, cor, signos e letras que, ao provocar contrastes, auxilia a nossa leitura.
Perda da identidade
Ainda com relação à identificação do estabelecimento, em regiões onde o que conta é a compra por impulso, ou seja, aquela que fazemos sem a intenção inicial - porque a sua imagem nos seduziu ou nos lembrou da necessidade -, a importância da identificação do estabelecimento perde importância. O que passa a contar é a vitrine e outras formas de chamar a atenção do pedestre. Assim, normalmente, em ruas de compras especializadas ou mesmo diversificadas, é a atração do todo que faz a diferença e não necessariamente, a de um estabelecimento específico. O que se oferece é a oportunidade de encontrar o que se pretende comparando preços, qualidade e até mesmo o atendimento e as facilidades de crédito. Não é a publicidade de uma loja isolada, mas do lugar. Neste caso, a poluição visual ou excesso de propaganda, ao aumentar o congestionamento do lugar auxilia no reforço da idéia de vitalidade. A rua 25 de março em São Paulo é um claro exemplo desta situação.
Ampliando ainda esta visão, com relação ao reforço do lugar, os espaços de atividades de lazer, onde se agrupam bares, restaurantes, casas noturnas de diversão não têm, na verdade, nenhuma intenção de diferenciar-se por uma placa ou painel. A idéia é somar-se ao grupo e a diferença se faz pelo atendimento, público freqüentador, tipo de serviço ou produto oferecido reforçados pela propaganda boca a boca ou pela utilização de outros meios de comunicação, inclusive os próprios outdoors (veiculação da marca). Nesta categoria podemos citar Times Square, Las Vegas, Vila Madalena em São Paulo, Quartier Latin em Paris etc.
Os bairros com características étnico-culturais também são fortes exemplos, como os bairros chineses pelo mundo afora, ou italianos, ou o bairro da liberdade em São Paulo oferecendo um belo legado da colônia japonesa.
Homogeneização globalizada
Devemos lembrar, ainda, que esta nossa forma de comércio e de exposição e divulgação de mercadorias confusa e congestionada reflete nossa herança árabe, trazida pelos portugueses, facilmente confirmada ao adentrar os incríveis Bazares árabes. Uma imposição de organização indevida em ruas comerciais e áreas de compras vai interferir claramente na manutenção de nossas raízes culturais, além de reforçar toda uma tendência à indesejável homogeneização resultante dos processos de globalização.
Legislações que não refletem sobre as especificidades dos lugares e sobre as subjetividades de percepção de leitura da população não merecem crédito quanto aos seus reais objetivos. Podemos perguntar quem ganha com este controle excessivo e indiferenciado..
Na verdade, quando uma legislação urbana busca concentrar a publicidade através da mídia exterior no mobiliário urbano, ela está contribuindo para uma maior uniformidade das nossas cidades e para a perda de sua identidade cultural, lembrando que as cidades são a manifestação física das sociedades que as constroem. Principalmente, se o desenho deste mobiliário urbano assumir o padrão uniforme utilizado pelas empresas transnacionais que estão dominando este mercado, o que já acontece na Europa.
Além disso, e, ainda mais grave, é o que isto representa em termos da perda do caráter altamente democrático que a mídia exterior, naturalmente incorpora ao se utilizar da paisagem urbana e de seus espaços públicos. A paisagem urbana é uma mídia democrática por possibilitar veicular mensagens através de:
- faixas, ainda que informalmente e temporariamente dispostas em ruas e praças;
- de placas na suas próprias casas e estabelecimentos;
- de murais em empenas cegas.
Até os grupos excluídos (por renda, credo, gênero, política etc) costumam manifestar-se através dos seus grafites.
Neste aspecto, além daquela uniformidade mencionada, cria-se de certa forma uma censura à livre expressão, colocando a decisão do que veicular na mão de poucas empresas e concentrando-se a publicidade para aqueles que podem remunerá-la, diminuindo a livre concorrência e, portanto, a liberdade de escolha, ao controlar a informação.
Controle da informação
Na verdade, aquela parte da publicidade cujo controle deve estar mais atento é a de veiculação da marca, centrada em outdoors e painéis eletrônicos, pois, pode interferir, muitas vezes, na leitura da cidade, no encobrimento da arquitetura e de marcos importantes, considerando-se que sempre são selecionados os lugares de maior visibilidade urbana. Lembrando ainda que, parte das vantagens obtidas pelas empresas de comunicação e pelos proprietários dos imóveis escolhidos para a instalação de outdoors, por exemplo, deveriam ser apropriadas pelo setor público em forma de taxas e impostos proporcionais aos lucros auferidos pelos diversos agentes envolvidos. Lucro este que é o foco das empresas de mobiliário urbano interessadas em veicular a publicidade e propaganda no meio urbano, principalmente em cidades com grande população e com grande tempo de exposição "outdoors", ocasionada pelo congestionamento de trânsito como na cidade de São Paulo.
As demais proibições sobre a utilização da paisagem urbana, principalmente junto aos estabelecimentos comerciais e de serviços, como efeito de retórica, vão durar enquanto for necessário o apoio de atitudes elitistas que, desatentas, contribuem com seu apoio para eliminar nossas heranças culturais do "fazer comércio".
Ou seja, a limpeza das fachadas, principalmente nas áreas urbanas consolidadas, que tem sido o caminho para a busca da aceitação popular, tende a ser temporário, como sempre foi, pela falta de fiscalização. Mas, o que está por trás é o monopólio da informação e da publicidade urbana a ser veiculada pelo mobiliário urbano que, além de alienígena, trará a homogeneidade da globalização que tanto criticamos, e o cerceamento da livre manifestação e expressão, por viés ideológico ou de poder econômico, interferindo drasticamente na imagem das cidades e na perda de suas identidades culturais.
Como suporte para a discussão:
- VARGAS, Heliana Comin. Espaço Terciário:o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. São Paulo: SENAC. 2001
- MENDES, Camila Faccioni. Paisagem Urbana. Uma mídia redescoberta. São Paulo: SENAC.2006
(Por Profa. Dra. Heliana Comin Vargas, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo / Universidade de São Paulo, 27/08/2007)