A inédita proposta do governo do Equador de não explorar sua maior reserva de petróleo em troca de compensações internacionais por conservar a natureza continua ganhando apoios. Enquanto os preços do petróleo sobem às nuvens, Quito faz sua a iniciativa da sociedade civil de não explorar a jazida de Ishpingo-Tambococha-Tiputini (ITT), a mais importante do país, localizada no Parque Nacional Yasuní, uma das zonas de maior biodiversidade do mundo, nas províncias amazônicas de Pastaza e Napo. As frases “O Yasuní é de todos” e “Sim à vida, não à ITT”, pintadas nas paredes da capital equatoriana e de outras cidades do país nos últimos dias são uma mostra de que algo novo parece estar acontecendo nessa nação andina e amazônica.
A proposta surgiu de algumas organizações ambientalistas como Ação Ecológica, teve apoio do ex-ministro de Energia e Minas e atual candidato oficialista à Assembléia Constituinte Alberto Acosta, e foi assumida pelo presidente Rafael Correa. Quito suspendeu por um ano a exploração da ITT e propôs a vários governos estrangeiros, organismos internacionais e organizações não-governamentais a entrega de uma indenização em troca de eliminar os planos de extração, com o argumento de que dessa forma se evitaria um prejuízo ecológico para a humanidade. Correa explicou à IPS que se está estimulando a sociedade nacional e internacional para contribuir com o Estado no objetivo de manter o petróleo represado no solo.
A expectativa é conseguir por essa via US$ 350 milhões por ano, que representam 50% do que o Estado obteria com a extração do petróleo da ITT. O procedimento consiste em o Estado emitir bônus pelo petróleo que permanecerá no subsolo, com o duplo compromisso de não extraí-lo nunca e proteger o Parque Nacional Yasuní, que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) declarou reserva da biosfera, em 1989. O Equador apresenta quatro argumentos centrais para sua proposta: a necessidade de lutar contra a mudança climática, de por freio à destruição da diversidade biológica, de proteger os povos indígenas huaorani, tagaeri e taromenane, e de buscar uma transformação econômica do país baseada em um novo modelo de desenvolvimento.
“A contribuição de US$ 350 milhões seria durante 10 anos, depois começaria a diminuir de forma constante, porque seria gerada uma alternativa de produção ao Estado por estes recursos, e que possa representar uma renda de forma indefinida”, afirmou a ativista ecológica Esperanza Martinez, especialista em assuntos do petróleo. Até o momento, há mais de cem interessados em apoiar o Equador, entre governos, organizações internacionais e indivíduos. Entre estes estão o músico britânico Sting, cuja mulher, Trudie Styler, apóia os afetados pela contaminação petrolífera causada pela empresa norte-americana Texaco em outras zonas da Amazônia equatoriana, e o governo da Noruega, um dos primeiros a aderir à “grande cruzada verde”, como a denominam alguns ambientalistas. O vice-ministro norueguês de Relações Exteriores, Raymond Johansen, comprometeu esse apoio quando visitou o Equador em abril.
A Espanha prometeu destinar US$ 4 milhões para a pesquisa sobre manejo sustentável do Yasuní, e garantiu que seria o primeiro a contribuir para o fundo, se seu resultado indicar que é viável explorar o petróleo. A organização ambientalista norte-americana The Pachamama Alliance também se mostrou interessada em prestar apoio econômico à idéia. O ex-ministro Acosta também sugeriu uma troca da dívida externa equatoriana com o Clube de Paris, um fórum informal de 19 países credores, em troca de o Equador se comprometer a proteger a bacia amazônica. Acosta havia feito gestões para essa troca quando foi ministro, entre janeiro e junho deste ano, e considera que isso é possível.
“Os credores da dívida externa equatoriana poderiam reduzir a cobrança ou declarar nula a dívida, em troca da não exploração do petróleo”, disse Acosta à IPS. “Cuidado com a exploração irresponsável dos recursos petrolíferos. Manter uma política de extração do petróleo na Amazônia, como ocorre até o momento seria realmente irresponsável”, acrescentou. A não-governamental Ação Ecológica chamou a cooperação internacional a aderir a esta campanha, através da compra de petróleo represado.
A proposta inclui declarar a área do bloco ITT vedada perpetuamente para a extração comercial de recursos, com reconhecimento expresso do direito de uso tradicional dos povos indígenas, particularmente daqueles que vivem em isolamento voluntário, como os tagaeri e taromenane. “A extração e queima de petróleo, gás e carvão no mundo não pode continuar aumentando, porque a emissão de dióxido de carbono agora já é o dobro do que os oceanos, solos e nova vegetação absorvem, e, portanto, a concentração na atmosfera continua aumentando”, disse Martinez se referindo aos fatores que desataram a mudança climática.
Estudos da empresa de petróleo estatal Petroecuador, o bloco ITT tem reservas próximas de um bilhão de barris de petróleo pesado, com uma relação de 80 barris de águas tóxicas para cada 20 de petróleo. No Yasuní já opera a brasileira Petrobras, no bloco 31, enquanto outros dois campos, os blocos 17 e 18, estão nas mãos, respectivamente da hispano-argentina Repsol-YPF e da canadense EnCana, situados junto aos limites do parque sobre o qual têm impacto. Em uma are próxima da ITT vivem os huaoranis. “Já sabemos o que é o petróleo, em nada nos ajuda, só traz contaminação”, afirmou Juan Enomenga, dirigente desse povo assentado no Parque Yasuní.
No centro médico da cidade de Coca, capital da província amazônica de Orellana, afirma-se que depois de iniciada a exploração petrolífera na área os huaoranis começaram a sofrer doenças gastrintestinais, respiratórias e dermatite. No dia 10 de maio de 2006, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concedeu medidas cautelares a favor dos taromenane e tagaeri, para proteger os direitos e garantir a vida destes grupos. O Yasuní foi criado em 1979 com o objetivo de proteger sua diversidade. Tem uma extensão de 982 mil hectares. Ali foram identificadas mais de 500 espécies de aves, 173 mamíferos, 100 anfíbios, 43 espécies de rãs arborícolas e uma centena de répteis, entre eles 62 espécies de serpentes. (IPS/Envolverde)
(Por Kintto Lucas, Envolverde/ IPS, 24/08/2007)