O aquecimento do Ártico alterou a paisagem do norte do Canadá, ameaça o estilo de vida tradicional das comunidades indígenas e alimenta disputas internacionais pelas rotas de navegação e pela exploração dos recursos naturais. Assim, não causa surpresa o fato de na semana passada a Rússia ter fincado sua bandeira no leito do oceano Ártico, a 4.261 metros de profundidade, em um típico gesto de conquista. No campo das relações internacionais essa ação foi apenas um sinal na tela do radar, mas pressagia o que pode ocorrer no futuro na medida em que as nações entrarem na competição para ter uma porção de uma região que, literalmente, está derretendo.
“A mudança climática no norte do Canadá supõe, sem dúvida, desafios ambientais e de segurança”, disse à IPS o especialista em direito e política internacionais Michael Byers, da Universidade de Columbia Britânica. Byers, autor do livro “Projeto de nação: O que o Canadá aspira?”, acrescentou que se deve considerar “o aumento da navegação através do Ártico e a exploração de recursos”, incluída a “extração de gás e petróleo do leito marinho. A mudança climática está facilitando o acesso a uma área que até agora é uma das mais inóspitas do planeta. A magnitude do fenômeno é tremenda”, advertiu.
O petróleo e o gás contribuem para o aquecimento mundial, que agora permite, ironicamente, novas explorações para extrair mais gás e petróleo. “Do que menos precisamos é explorar mais esses recursos. O controle do leito marinho pelo Canadá deveria objetivar deixar essas reservas tal como se encontram”, enfatizou Byers. No passado, a barreira de gelo do Ártico tornava impossível durante a maior parte do ano a navegação através da tão procurada passagem entre os oceanos Atlântico e Pacifico. Mas o aquecimento a está derretendo, por isso as rotas marítimas podem abrir-se aos cargueiros e os extensos depósitos de recursos da região serão mais acessíveis.
Byers comentou que em recente visita à comunidade inuit de Igloolik, para discutir o tráfego marítimo internacional pela passagem entre os dois oceanos, o vice-prefeito expressou sua preocupação sobre o efeito que teria no meio ambiente bem como nos mamíferos terrestres e marinhos. Se a passagem ártica entre os dois oceanos se tornar uma realidade, o Canadá deverá enfrentar nações como os Estados Unidos, que já declararam que deveria ser considerada como um “estreito internacional”.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar poderia ter um papel-chave para resolver disputas jurisdicionais. Os países têm 10 anos para apresentar reclamações após ratificarem o documento. No caso do Canadá, a data é 2013. A mudança climática está abrindo novas oportunidades para a mineração e extração de petróleo e gás na região do Ártico. Os Estados Unidos calculam que 25% das reservas de petróleo e gás não descobertas no planeta estão ali. Aproximadamente 50 nações com potenciais reclamações sobre essas riquezas têm prazo até maio de 2009 para formularem suas demandas no contexto da convenção. Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Rússia e países nórdicos já reivindicam sua jurisdição sobre áreas do Ártico, sendo que algumas se superpõem.
Ambientalistas se mostram preocupados pelo impacto que uma nova “febre do gás e do petróleo” teria sobre um ecossistema já ameaçado. Keith Ferguson, um advogado do Fundo de Defesa Legal Sierra, disse à IPS que “alguns impactos particulares, incluindo o derretimento da camada subterrânea de gelo criarão todo tipo de problemas, que exigirão infra-estrutura, custos adicionais, terão efeitos negativos nas espécies animais e reduzirão as florestas e a tundra. Várias espécies, como o caribu, serão afetadas”, ressaltou.
O gasoduto Mackenzie, nos territórios do noroeste, é particularmente problemático”, disse Ferguson. Um estudo do governo canadense, que remonta à década de 70, recomenda não aprová-lo até que todas as reclamações de terras das comunidades aborígines, entre outros aspectos, sejam resolvidas. O gasoduto seria construído por um consórcio de multinacionais, entre elas Conoco-Phillips, Imperial Oil e Shell. Um analista do Instituto Pembina, com sede em Alberta, Matt Gray, disse à IPS que “quando pensamos no Ártico a primeira coisa que devemos ter em mente é que sua biodiversidade é muito menor do que a das áreas subtropicais. Portanto, é muito mais suscetível às mudanças derivadas pelo aquecimento”.
O assunto divide as comunidades aborígines, nas quais houve discordâncias entre líderes e seus integrantes. Alguns, segundo Gray, estão a favor de uma extração maior de recursos como forma de garantir postos de trabalho nesses projetos. “Para eles há uma questão existencial, referente a como podem manter sua identidade e participar da economia moderna nos casos em que se ajuste às suas tradições”, disse o analista. Para Tony Penikett, com longa carreira política no território de Yukon, no norte canadense, “para os inuit a redução do gelo no Ártico é um grande desafio. Não só torna mais perigosa a caça das focas como também compromete o habitat dos ursos polares”.
O conselho da comunidade de Igloolik, por exemplo, planejava alugar um pequeno avião para realizar a caça tradicional. Entretanto, Penikett, cujo irmão mais novo tem uma pequena empresa aérea no norte, disse que muitos dos lugares onde uma aeronave de pequeno porte pode aterrissar estão comprometidos pelo gelo que derrete. A utilização da passagem entre os dois oceanos também preocupa as comunidades aborígines. “Do ponto de vista dos inuit, essas são águas territoriais canadenses. Os recursos existentes debaixo do mar são um enorme beneficio potencial para eles. A porcentagem que lhes caberia é uma questão política de proporções e que ainda não foi acertada com o governo”, disse Penikett. (IPS/Envolverde)
(Por Am Johal, Envolverde/IPS, 24/08/2007)