A Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional aprovou recentemente o parecer da deputada Maria Helena (PSB-RR) em relação do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 2540/06, que autoriza a construção de uma hidrelétrica no Rio Cotingo, em Roraima, em uma área que atravessa a reserva indígena Raposa Serra do Sol.
O texto, de autoria do Senado, previa que o Ibama seria responsável pelos relatórios de análise de risco ambiental. Segundo a deputada, esses laudos devem ser emitidos por outros órgãos e apenas aprovados pelo governo.
A construção da barragem é pensada desde a colonização do estado de Roraima, mas foi abandonada em 1995, com o contrato firmado entre Brasil e Venezuela para o abastecimento energético através da Usina de Guri, em território venezuelano. Em 2002, no entanto, o pedido de construção da usina foi reaberto.
Segundo a legislação, para construção de barragens em territórios indígenas, é necessária a consulta às comunidades locais, além de avaliação de impactos ambientais e aprovação de todas as instâncias do Legislativo. Até agora as populações da Raposa Serra do Sol não foram ouvidas.
Para o ambientalista Glenn Switkes, da International Rivers Network, a proposta de construção da hidrelétrica no rio Cotingo não deve ser encarada como uma medida isolada, mas no contexto de construções de obras gigantescas dentro de áreas indígenas.
Switkes afirma que há um evidente descaso dos autores do projeto com o tema: "Independentemente de se discutir os impactos ambientais de tal projeto, há a questão da construção dessa hidrelétrica e de outras, em um número significativo, em áreas indígenas, o que indica uma falta de preocupação com os direitos humanos indígenas".
O ambientalista também destaca que a exigência da legislação em relação à consulta das comunidades indígenas está se tornando uma mera formalidade, não sendo de fato adotada como política governamental: "O sentido de garantia constitucional está sendo atropelado em nome dos grandes projetos. A qualquer momento é capaz de se aprovar algo que não deve ser só mera formalidade", reitera.
DependênciaUma das justificativas da deputada Maria Helena à construção da hidrelétrica de Cotingo é a independência energética da Venezuela, que passa, segundo a parlamentar, por um período de crise política.
Para Glenn Switkes, a constatação não é de todo verdadeira, já que o país firmou contrato com a hidrelétrica de Guri para fornecimento de energia, já arcou com as despesas da construção do "linhão" para transmissão e, portanto, não há grandes riscos de corte no fornecimento de energia elétrica.
AntecedentesEm estudo realizado no ano de 2002, quando começaram a tramitar os primeiros projetos de construção da hidrelétrica, Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), já advertia sobre os inúmeros impactos sociais e ambientais que a construção acarretaria e as incertezas que cercavam a idéia (
confira o estudo).
Para Fearnside, a trajetória dos planos de construção da hidrelétrica "mostra a dificuldade de traduzir para dentro da prática os princípios de economia e estudos ambientais".
Planejamento financeiroFearnside também conclui que os investimentos demandados pela hidrelétrica são maiores do que os gastos previstos com outras formas de energia: "Um exame dos argumentos financeiros da hidrelétrica de Cotingo indica que as justificativas nesta esfera são insuficientes para explicar porque o projeto leva vantagem sobre outras alternativas e aponta para os fatores políticos como a melhor explicação da alta prioridade do projeto".
Para Switkes, a construção vai muito além da necessidade energética do estado de Roraima, e é justificada por fatores políticos, como o interesse em expulsar os povos indígenas da região: "esse projeto faz parte de uma estratégia de ocupação econômica da reserva, expandir interesses econômicos e inviabilizar a área indígena", finaliza.
(Por Eduardo Paschoal,
Amazonia.org.br, 22/08/2007)