Nesta quarta-feira foi apresentada em Cuiabá uma proposta em gestação desde março por algumas das maiores organizações ambientalistas do país para acabar, num prazo de sete anos, com qualquer desmatamento na Amazônia. A idéia traz a assinatura do Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Instituto Centro de Vida (ICV), Amigos da Terra, Conservação Internacional, The Nature Conservancy (TNC), WWF e Imazon. E consiste no cumprimento de metas federais e estaduais ano a ano, envolvendo a participação e a repartição de benefícios financeiros ganhos pelo poder público, proprietários rurais e setor empresarial a partir do pagamento por serviços ambientais da floresta. Para os formuladores, trata-se de um pacto, que só será lançado oficialmente no mês que vem, em local a ser definido.
“Como é um pacto, as metas vão ser definidas em função dos estados e também as cotas por região. O que apresentamos foi só uma proposta inicial, uma referência para as discussões que virão”, esclarece Sérgio Guimarães, coordenador do ICV. Por enquanto, o que ele quis apresentar foi uma idéia ousada de zerar o desmatamento no prazo que as organizações acharam ser o mais curto possível através do cumprimento de metas percentuais de redução de 25% a 75%, dependendo do ano. “Os estados que cumprirem suas metas receberão os benefícios e ao final do processo as metas poderão ser auditadas e revisadas, conforme a necessidade”, diz. Com base na estimativa atual de que se desmata 14 mil km2 (1,4 milhões de hectares) de floresta na Amazônia, pela proposta, em 2014 seria evitada a derrubada de 6,8 milhões de hectares na região. Neste ano, a floresta estaria livre de cortes, e não apenas os ilegais.
“Queremos zero de desmatamento mesmo. Na realidade, a intenção é convencer as pessoas de que com o pagamento pelos serviços ambientais da floresta não seja mais vantajoso derrubar”, completa Guimarães. O Brasil já conhece e tem começado a aplicar muitos desses mecanismos, como o ICMS Ecológico, o Imposto de Renda Ecológico, a compensação ambiental paga por empreendimentos que causam dano à conservação, incentivo à criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) como isenções fiscais, servidão florestal (averbação de área de reserva legal quando o proprietário apresenta déficit), créditos de carbono, certificação ambiental e diversos outros. “O pacto de desmatamento zero precisa ser um aglutinador de ações, uma combinação de instrumentos e captação de recursos externos e internos, porque o governo também precisa mostrar que está disposto a isso”, opina o economista e colunista de O Eco, Carlos Eduardo Young.
Segundo Young e a proposta das ONGs, o ideal é montar uma cesta de recursos e instrumentos econômicos para gestão da Amazônia, porque numa região de realidades tão diferentes, nenhum mecanismo sozinho vai conseguir valorizar mais a floresta intacta do que derrubada. Ainda mais quando a origem do dinheiro que vai financiar esses instrumentos não está clara para ninguém. Segundo Guimarães, uma empresa de consultoria foi contratada para fazer a análise de possíveis fontes de recursos, mas ainda não há definições sobre de que maneira e quando serão aplicados.
A missão é difícil – para não dizer impossível. “A proposta não é zerar a atividade econômica, mas incentivá-la a ter mais eficiência em espaços já ocupados ou degradados”, explica o coordenador do ICV. Mas o setor produtivo deu sinais de que só aceita deixar de derrubar se derem aos proprietários dinheiro vivo em troca.
Delicado convencimento
De acordo com Antônio Galvan, presidente do sindicato rural de Sinop, um dos mais fortes de Mato Grosso, a proposta apresentada de desmatamento zero não sensibilizou nem um pouco seus colegas. Talvez fosse diferente se houvesse certeza de compensação financeira em troca da não ampliação das áreas agriculturáveis, inclusive sobre reservas legais. “Sem ampliar nossas áreas, como vamos sobreviver com a demanda crescente de alimento?”, indaga. “O que eles querem é nos atrasar economicamente”, diz Galvan, para quem inclusive a recuperação de áreas de preservação permanente (APPs) deveria ser financiada, a despeito de que se trata de uma obrigação legal de todo proprietário.
“Fazer lei é fácil, mas se elas fossem feitas para ser cumpridas, não precisaria existir juiz ou guarda de trânsito”, comenta, em uma comparação infeliz. “Todo mundo infringe a lei”. Para Galvan, as reservas legais são como um estorvo para os proprietários. E apesar de nelas ser permitido o manejo florestal, ele diz que em Mato Grosso a atividade não é viável, esquecendo-se que ultimamente as operações de fiscalização têm descoberto justamente a extração predatória de madeira nessas áreas. “Nem toda área dá para manejo. Aqui a floresta é pobre. Ela tem que ser muito boa para nos dar 30 metros cúbicos de madeira por hectare. Compensa mais colocando pecuária ou plantio de grãos”, explica.
Nem mesmo o argumento de melhorar a eficiência na produção em áreas já ocupadas e abertas convence Galvan. “Todo mundo fala em áreas degradadas, mas não apontam onde elas estão. Além disso, Mato Grosso já é referência em produtividade de grãos”, diz o presidente do sindicato rural. “Não podem jogar a responsabilidade do cidadão comum preservar a floresta, isso é coisa do poder público. O ser humano não precisa da floresta para sobreviver, mas da comida que produzimos”, diz, categórico.
Galvan vai assistir a divulgação dos estudos preliminares para aplicação do pacto de desmatamento zero em Mato Grosso, que será apresentado nesta sexta-feira durante a Bienal de Agricultura em Cuiabá. Foram levantados os passivos ambientais do estado, as possibilidades de compensação e pagamentos de serviços ambientais de modo piloto, a partir da realidade local. A intenção é replicar a experiência aos demais estados amazônicos e negociar juntos a elaboração das metas.
Apoios e adesões
A proposta de desmatamento zero já recebeu o apoio oficial do governador do Amazonas, Eduardo Braga e de Mato Grosso, Blairo Maggi. Segundo Guimarães, do ICV, as ONGs começaram a conversar sobre a implementação do pacto com o BNDES, governos do Acre, Amapá e Pará, além de parlamentares como Fernando Gabeira, Sarney Filho e Aloísio Mercadante. “Ainda falta iniciarmos um entendimento maior com o setor empresarial, pequenos agricultores e outras representações da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras”, diz Guimarães.
Só o governo federal que ainda não se mostrou tão interessado na proposta. Como adiantou O Eco, no mês de junho as ONGs se reuniram com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) para tratar desse assunto, mas o governo não quis saber de se comprometer com metas de redução de desmatamento. A expectativa é a de que até o lançamento oficial do pacto, as articulações sociais e políticas pesem o suficiente para o governo mudar de idéia.
(Por Andreia Fanzeres, OEco, 23/08/2007)