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2007-08-23

A zona oeste da província argentina de La Pampa era um oásis há 50 anos, com vegetação natural, plantações e gado abundante. Mas o manejo arbitrário do rio Atuel águas acima, na vizinha Mendoza, transformou essa região em um ambiente degradado, desértico e imprevisível. O problema se arrasta há anos, mas agora dirigentes políticos, acadêmicos, empresários, produtores, ambientalistas, estudantes e outros setores de La Pampa, cansados da falta de respostas do governo de Mendoza, decidiram recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça do país.

“Nós, pampeanos, reclamos justiça para o Atuel”, foi o lema da convocação este mês para uma assembléia na qual se decidiu pela batalha judicial. “Não queremos fazer uma denúncia, queremos o fim dessa situação e que as partes sejam obrigadas a negociar”, disse à IPS Leandro Altolaguirre, da Associação Alihuen. Segundo este ambientalista de La Pampa, 800 quilômetros a sudoeste de Buenos Aires, atualmente há períodos de oito meses nos quais não corre água pelo leito do Atuel, e outros que de repente inundam. As mudanças são conseqüências do manejo que se faz em Mendoza em suas represas hidrelétricas.

Fontes de Mendoza em contato com Alihuen asseguram que nos últimos sete anos as hidrelétricas Los Nihuiles e Valle Grande, erguidas nessa província nas águas do Atuel, acumulam água para gerar energia durante três horas diárias, nos picos de demanda, quando preço é mais alto. “Isto é grave porque com o propósito de fazer subir o preço se estaria manipulando uma fonte geradora de energia e provocando graves prejuízos aos que estão rio abaixo”, denunciou Altolaguirre. As represas, que produzem 2% da energia argentina, são operadas por empresas privadas.

Mas a história deste desencontro começou muito antes. O geógrafo Walter Cazenave, da Universidade Nacional de La Pampa, explicou à IPS que o Atuel antigamente entrava em La Pampa através de um sistema de braços múltiplos, “uma espécie de delta interior com lagoas e banhados”. Esse curso de água nasce na cordilheira dos Andes a 3.500 metros acima do nível do mar, alimentado por uma série de istmos de geleiras que se unem com seu confluente El Salado. Atravessa diferentes ambientes geográficos desde sua origem em Mendoza até seu trecho final onde forma grandes mangues.

Este oásis inclui cerca de cinco mil quilômetros quadrados, que nos séculos XVIII e XIX os viajantes identificavam com “os impenetráveis banhados do Atuel”. Nesse âmbito, de uma enorme diversidade, foi erguido em seguida um deserto e espécies foram extintas, como o yaguareté (jaguar), a capivara ou o aguará guazú, segundo Alihuen. “As primeiras sangrias e obstruções começaram em 1917”, recordou Cazenave como pré-história deste conflito pela água. Então, o mau uso do rio e a seca cortaram os primeiros braços do Atuel. Mas foi em 1948 que desapareceu o último leito do rio devido à construção da represa El Nihuil, em Mendoza.

Nessa época La Pampa ainda não era uma província, mas um território dependente do governo nacional, por isso suas reclamações não tinham força, explicou o geógrafo. A empresa estatal que operava a represa tinha de realizar três aberturas de água por ano para atender as necessidades rio abaixo. “Isso nunca foi feito”, recordou Cazenave. A partir de 1973, após 25 anos de leitos secos, o Atuel voltou à La Pampa, não por generosidade da província vizinha, mas devido a uma mudança climática. Porém, a afluência é instável. “Desde então houve cortes e cheias, nunca regulares nem anunciadas, e isso provoca múltiplos problemas”, afirmou.

O manejo do curso de água em um ambiente por si só escasso de chuvas alterou fortemente a flora e fauna da região. Houve espécies que se adaptaram, mas a maioria retrocedeu ou desapareceu. Os leitos foram obstruídos por dunas, a floresta xerófila (adaptada a ambiente seco) avançou sobre banhados e as lagoas foram tomadas por salitre. Em 1910, ali foi fundada uma colônia agropecuária chamada Santa Isabel, e por essa época começaram os primeiros cultivos, segundo a fonte. O gado ovino superava os dois milhões de cabeça, enquanto agora não chega a 10 mil. Com as represas e a seca houve uma diáspora de moradores que fugiram para zonas urbanas. O problema, com altas e baixas atribuíveis ao clima, subsiste até hoje.

Um grupo de 70 produtores ribeirinhos do Atuel e outros afluentes afetados pelos arbitrários cortes solicitaram à Associação Alihuen que os represente no Supremo Tribunal de Justiça “para reverter a desertificação, a salinização das camadas freáticas, a degradação dos mangues e a perda de flora e fauna da região”. O próprio governo de La Pampa, através dos funcionários da área de recursos hídricos e meio ambiente, está comprometido nesta demanda. Os políticos participaram da assembléia realizada este mês e afirmaram que o governoa, Carlos Verna, apóia a representação. Mas segundo Cazenave, Mendoza não tem vontade de atender esta demanda.

Em 1998, o Tribunal já exortara Mendoza a reconhecer a condição de interprovincialidade das águas do Atuel, e a acordar o manejo conjunto do rio. Mas não a obrigou a fazer isso, daí persistir a indiferença. “Nos últimos 12 meses Mendoza nem mesmo respondeu aos chamados de La Pampa para uma reunião com uma comissão interprovincial sobre o tema”, disse o cético especialista. “Com um ou outro pretexto se aferram tenazmente à não cessão de água” e não se prestam nem mesmo a estudar alternativas de um uso racional, acrescentou. Segundo o geógrafo, se os canais fossem impermeabilizados se economizaria a água que o oeste de La Pampa precisa para garantir uma provisão regular todo o ano sem afetar a demanda de Mendoza. Mas rio acima não há quem ouça, por isso os de rio abaixo deverão voltar ao Supremo Tribunal, como há 20 anos.
(Por Marcela Valente, IPS, 22/08/2007)

 


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