Pesquisadores de Manaus estão organizando a primeira reintrodução de peixe-boi em água doce. A espécie, considerada ameaçada de extinção pelo Ibama, é alvo de caça predatória nos rios da Amazônia.
Apesar de ser ilegal, a caça do peixe-boi amazônico (Trichechus inunguis) ainda é bastante comum entre populações ribeirinhas, que costumam capturar os filhotes para atrair as mães para o abate. Depois simplesmente descartam as crias, que podem acabar morrendo sem amamentação -elas podem mamar até os 2 anos.
Grupo de especialistas está reintroduzindo peixes-bois no AM
As que dão sorte vão parar no Bosque da Ciência do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), onde são tratadas até atingirem a idade adulta. Agora, pela primeira vez, alguns desses animais serão devolvidos ao seu habitat.
Após passarem pelo menos dois anos estudando o modo de vida desses animais, os pesquisadores do Inpa e da ONG IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) já estão prontos para levar os dois primeiros. Os pioneiros serão dois machos subadultos que cresceram no Bosque da Ciência e serão transferidos na estação da cheia, provavelmente em fevereiro próximo, para o rio Cuieiras.
A equipe ainda está escolhendo entre quatro animais quais participarão do projeto-piloto. A idéia é enviar os mais saudáveis e mais próximos geneticamente das famílias de peixe-boi que vivem no local.
"São preferíveis também os animais que, quando chegaram ao Inpa, já estavam começando a se alimentar de plantas na natureza. Com isso esperamos que eles tenham facilidade para procurar comida no rio", conta o oceanógrafo Leandro Lazzari Ciotti, do IPÊ.
A decisão de enviar machos foi motivada por questões reprodutivas. Enquanto uma fêmea só fica prenhe a cada dois anos, e de só um filhote por vez, um macho pode copular com várias fêmeas, fato que deve ajudar a aumentar a população de peixes-bois na natureza.
Os cientistas não sabem estimar a quantidade de animais que vivem nos rios amazônicos porque eles são solitários, tímidos e difíceis de ver.
Com a reintrodução, os pesquisadores esperam responder justamente a algumas das dúvidas que existem por causa do pouco contato com a espécie em seu habitat.
Os animais reinseridos levarão colares com transmissores de rádio. "Isso vai nos permitir estudar os deslocamentos nas épocas de cheia e seca, as migrações e os locais onde eles buscam preferencialmente alimentos", explica Ciotti.
O resultado das pesquisas vai subsidiar a elaboração de um plano de manejo para a conservação da espécie na região.
Predação Os animais que chegam ao Inpa são sobreviventes de sorte. A caça, contam pesquisadores envolvidos no projeto, envolve técnicas de partir o coração de muito marmanjo.
O peixe-boi consegue ficar até 20 minutos embaixo d'água sem respirar e dificilmente é visto nessas ocasiões.
O momento de vulnerabilidade é quando o animal põe o focinho para fora d'água para respirar. Os caçadores aproveitam o momento para enfiar duas rolhas nas narinas dos peixes-bois para matá-los sufocados. "O pior é que justificavam que a carne assim fica mais macia", lamenta Ciotti.
No Inpa vive também um animal com profundas cicatrizes na parte dorsal. Ainda filhote, ele foi salvo quando estava, literalmente, torrando ao sol.
(Por Giovana Girardi,
Folha de S.Paulo, 21/08/2007)