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política ambiental brasil instituto chico mendes
2007-08-21
Na visão do Ministério do Meio Ambiente (MMA), organização institucional inadequada estava na raiz de problemas no setor ambiental. Servidores, críticos e céticos não vêem garantia de melhorias na gestão estatal para uma política mais eficiente

A mudança no aparelho ambiental do governo federal, motivo da greve dos servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desde o dia 14 de maio, tem sido interpretada pela sua relação direta com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). À margem dessa polêmica, uma outra questão central permanece em aberto: em que medida uma nova estrutura institucional poderá ser de fato determinante para uma política ambiental mais consistente, propositiva e participativa?

Na avaliação de João Paulo Capobianco, que concilia temporariamente o cargo de secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA) com o de presidente do recém-criado Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, os ruídos da engrenagem anterior davam contornos à imagem de desorganização e baixa efetividade do MMA, combinada com a fotografia de um Ibama gigante e sem foco.  "É necessário um esforço extra para aumentar a capacidade do aparelho ambiental", adiciona o número 2 do ministério, hoje principal auxiliar da ministra Marina Silva.

Em declarações recentes, Marina tem destacado que o Ibama já gerou o Jardim Botânico, a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Serviço Florestal Brasileiro (SBF). Agora é a vez do Instituto Chico Mendes. "Isso só demonstra que o setor ambiental no país tem sido fortalecido do ponto-de-vista da gestão pública", declara a ministra. O Brasil é um país megadiverso tanto do ponto de vista ambiental (possui 20% das espécies vivas do planeta e a maior floresta tropical do mundo) quanto social e detém mais de 11% da água doce do mundo. Até o final de 2010, o MMA espera chegar a 90 milhões de hectares de Unidades de Conservação (UCs), área que equivale aos territórios da França e da Itália juntos.

O Fórum Brasileiro de Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS), que reúne entidades ambientalistas de diversas áreas de atuação e de diferentes regiões do País, apóia a reforma.  "Acreditamos que os esforços do MMA são destinados a criar maior eficiência na gestão ambiental federal, eliminando sombreamentos e superposições de diretorias e gerências, tanto no MMA como no Ibama", assinala a coordenação da entidade.  "Não compartilhamos as avaliações e especulações da grande mídia alimentadas por setores do governo e interesses do capital nacional e internacional dizendo que a pressão do PAC e da liberação de licenças de construção de grandes obras de geração de energia previstas fez com que a ministra Marina, pressionada pela Casa Civil, anunciasse esta nova estrutura ministerial e a chamada ‘divisão' do Ibama", adiciona a FBOMS.

O antigo Ibama tinha em seu estatuto mais de 100 atribuições. Para a ambientalista Miriam Prochnow, coordenadora-geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) e integrante da Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí (Apremavi-SC), o órgão nunca conseguiu cuidar direito de suas três principais e fundamentais missões: Ucs, licenciamento de atividades potencialmente causadoras de impactos ambientais e fiscalização. Em texto que circulou em listas na internet, ela elogia o governo federal e a ministra "pela coragem de finalmente tomar a iniciativa de fortalecer as instituições nacionais que tem o papel de definir e executar a política ambiental".

A reestruturação da área no governo federal vinha sendo discutida há anos. A proposta de criação de um novo órgão já havia sido colocada em pauta em 2000, mas não prosperou. Vale ressaltar que o Ibama surgiu em 1989 da fusão da Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), fundada em 1973, com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e órgãos relacionados com a pesca e com a proteção de seringueiros, justamente para unificar a atuação governamental. Primeiro comandante da Sema, Paulo Nogueira-Neto escreveu em artigo que a posterior instalação do MMA, no entanto, "trouxe uma série de problemas que perduraram até hoje, quando vemos uma parte do Ibama agir como se fosse o órgão máximo ambiental do país".

Mais recentemente, o desafio da melhora na gestão e na eficiência do gasto foi ganhando cada vez mais força dentro do ministério. Em março de 2006, o decreto 5.718 aumentou o número de diretorias do Ibama, estabelecendo inclusive a Diretoria de Licenciamento Ambiental. A mudança foi resultado de análises de consultorias contratadas para esmiuçar o funcionamento da máquina. Naquela ocasião, a conclusão das pesquisas não chegou a recomendar a criação de uma nova autarquia.

As operações do próprio Ibama em parceria com a Polícia Federal (PF) também influenciaram na decisão pela reforma. Iniciadas em 2003, resultaram na prisão de mais de uma centena de funcionários do órgão ambiental. Não por acaso, o diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, foi convidado para assumir a presidência do órgão ambiental, mas não deve assumir o cargo antes da realização dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em julho. Em adição aos flagrantes de corrupção, a autarquia perdeu, ao longo dos últimos anos, uma série de atribuições para estados e municípios, sem que houvesse arrumações internas.

Diante de todos esses problemas, críticos atacam especialmente a divisão abrupta do Ibama que, por si só, não seria capaz de determinar nenhuma melhoria para a gestão. O saldo, segundo eles, foi o estabelecimento de um "Ibama do bem" (que seria o Instituto Chico Mendes, representando o lado dos "conservacionistas") e de um "Ibama do mal" (papel reservado ao próprio Ibama, que "sujaria as mãos" com a liberação de licenciamentos, autorizações e fiscalizações para viabilizar empreendimentos econômicos). A conjuntura escolhida também é motivo de reprovação. O momento não seria o mais adequado para uma mudança como essa, pois estaria contribuindo para confundir e conferir instabilidade a um setor estratégico.

Em cartilha elaborada para explicar as mudanças, o MMA lamenta a confusão gerada por leituras que associaram as reformas às questões de licenças ambientais que estão sendo geridas pelo Ibama. "Em política, a versão vale tanto quanto o fato", rebate o jornalista Sérgio Abranches, em texto publicado no site "O Eco". Para o analista, "o fato de ter anunciado no calor da pressão - liderada pelo presidente da República - fortalece a versão de capitulação à pressão e enfraquece a autoridade regulatória do Ibama".

Diversas fontes asseguram ainda que as mudanças determinadas pelos três decretos e pela Medida Provisória (MP) 366/07 foram discutidas e planejadas em sua fase final apenas por um grupo restrito dentro do MMA.  Por isso, adicionam essas mesmas fontes, a reforma não foi capaz de levar em conta o próprio alcance da estrutura em sua totalidade, o que acarretou na formação de várias "zonas de sombra". A educação ambiental, por exemplo, ficou mal ajustada no rearranjo, assim como outros setores que acabaram ficando "no limbo".

A justificativa das mudanças estruturais como medida para garantir uma maior eficiência na gestão é combatida com veemência pela Associação dos Servidores do Ibama (Asibama).  "O que falta e sempre faltou é recurso para fortalecer a política ambiental", protesta Lindalva Cavalcanti, presidente da Asibama-DF.  Os trabalhos relativos às Ucs - transferidos para o Instituto Chico Mendes - estavam sob responsabilidade compartilhada de três diretorias do órgão, estrutura mais do que suficiente, de acordo com o Asibama, para dar conta do recado.

"Está claro que o problema da política ambiental não é de estrutura institucional", reforça Lindalva.  Segundo ela, a ênfase dada à organização interna acaba colocando em xeque o próprio discurso apresentado pelo MMA durante o primeiro mandato do governo Lula.  Problemas no aparato estatal não foram empecilhos para a execução do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM), ação relevante para a redução do desmatamento em 52% nos dois últimos anos que contou com a participação de 13 ministérios.  "Como foi possível fazer esse trabalho com uma estrutura tão deficiente?", ironiza a dirigente sindical.

O Ibama foi criado em 1989 e o primeiro concurso só foi feito em 2002.  A primeira leva de concursados ingressou apenas em 2003.  Em 2005, foi realizado um novo concurso regionalizado e separado por área de atuação.  Esses funcionários contratados recentemente, mesmo ainda em fase de transição, atingiram uma produção significativa, inclusive no que diz respeito ao licenciamento ambiental (em 2006, foram concedidas 278 licenças; e em 2003, 145 ), números que foram divulgados com destaque pelo próprio MMA.  "Os instrumentos estão aí, basta investir de verdade", emenda Lindalva.

Em vez de facilitar o fluxo de trabalho, a Asibama prevê prejuízos em alguns segmentos.  O Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), que permanecerá no Ibama, supõe um alto grau de cooperação entre as diversas unidades do Ibama, principalmente das Ucs, agora sob a alçada do Instituto Chico Mendes.  De acordo com a Asibama, as atividades de fiscalização precisariam, por exemplo, ser duplicadas em ambos órgãos.

O secretário-executivo Capobianco explica que até aqui foram publicadas só as primeiras medidas do rearranjo.  O organograma e o funcionamento finais só serão concluídos em 90 dias, período no qual, para evitar o "canibalismo" entre os órgãos, ele continuará à frente do Instituto Chico Mendes e o chefe de gabinete da ministra, Bazileu Alves Margarido, também seguirá como interino na presidência do Ibama.

Entre os céticos, há também aqueles que acham que a reforma foi uma troca de "seis por meia-dúzia", já que não houve entrada substantiva de quadros técnicos e acadêmicos para uma guinada efetiva na gestão do aparelho estatal.  Praticamente todos os diretores do antigo Ibama permaneceram, com exceção de Luiz Felippe Kunz Júnior, que deixou a Diretoria de Licenciamento Ambiental.  A Procuradoria-Geral da autarquia também continua a mesma.  "Temos diretores competentes que não conseguiam desenvolver todo o potencial porque a estrutura institucional era falha.  Reconhecemos o problema e estamos mudando.  A proposta de ajuste não foi de terra arrasada", pondera Capobianco.

Não resta dúvida de que a estrutura estatal operante é fundamental.  Mas uma política ambiental consistente, propositiva e participativa vai muito além desse quesito.  Em artigo publicado no jornal "O Estado de S. Paulo", o jornalista Washington Novaes, especializado em questões ambientais e de sustentabilidade, põe o dedo da ferida.  Novaes cita uma série de ameaças às riquezas naturais do país - desde a proposta do diretor-presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, de eximir "projetos estratégicos considerados de prioridade nacional" do rito constitucional do licenciamento ambiental até o risco de liberação da exploração descuidada e predatória de recursos e serviços naturais em terras indígenas ou áreas de conservação, por meio de um "novo e moderno" Estatuto dos Povos Indígenas.

De acordo com documento entregue por entidades indigenistas ao papa Bento XVI em sua visita recente ao Brasil, "falta regularizar 61,76% das áreas indígenas no país, onde vivem 241 povos, com 734 mil pessoas que falam 180 línguas".  "Se não fosse pelo direito dos índios, deveríamos ter o cuidado de pelo menos lembrar que eles são os melhores guardiões de nossas maiores riquezas.  E deixá-los em paz", conclui o jornalista.

O estudo "Diagnóstico sobre Terras Indígenas Ameaçadas na Amazônia", lançado em 2006 pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) em parceria com o Instituto de Conservação Ambiental (TNC), revela alguns dados impactantes.  Se não fosse a resistência dos povos indígenas, 3,5 milhões de hectares da Floresta Amazônica estariam devastados.  A estimativa aponta ainda que 74% das terras indígenas (TIs) possuem taxas de desflorestamento menores do que as suas respectivas áreas do entorno.  A média de verbas públicas federais destinadas à Ucs é de R$ 1,02 por hectare, enquanto que esse mesmo índice cai para R$ 0,57 por hectare para as áreas indígenas.  Mesmo assim, o levantamento revela que enquanto a taxa de desmatamento nas Ucs é de 1,52%, esse total cai para 1,10% nas Tis.  Vale ressaltar ainda que as Tis ocupam 90 milhões de hectares (20% do território total da Amazônia Brasileira), em comparação com a área de 60 milhões de hectares das Ucs.

(Repórter Brasil / Amazonia.org, 17/08/2007)

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