Uma metodologia capaz de identificar com rapidez e precisão o padrão de qualidade do biodiesel acaba de ser desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. A técnica, inédita no mundo, foi desenvolvida juntamente com a Petrobras, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
O novo método deverá ser adotado pelo Inmetro e será empregado para certificar o biocombustível produzido no Brasil, o que deverá ampliar a sua aceitação tanto pelo mercado interno quanto externo. O biodiesel tem sido uma das apostas do governo federal dentro do programa de diversificação da matriz energética nacional.
Produto que está no mercado tem impurezas
A técnica é resultado do trabalho de pesquisadores do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas, cujo coordenador é o professor Marcos Eberlin, e o Laboratório Phoenix de Catálise e Biomassa, ambos do IQ. Participaram diretamente da pesquisa na Unicamp o farmacêutico Rodrigo Ramos Catharino e os químicos Camila Martins Garcia, Sérgio Saraiva e Humberto M. S. Milagre.
Os cientistas contam que o estudo enfrentou algumas dificuldades em seu início. A principal delas foi a baixa qualidade do biodiesel produzido comercialmente no país. Após analisar quimicamente algumas amostras, Catharino e Saraiva verificaram que os produtos tinham elevado teor de impurezas. Muitos resultavam da mistura do biocombustível com outras substâncias, principalmente o óleo de soja.
"Como precisávamos de um biodiesel de origem controlada e de extrema qualidade para estabelecer um padrão de análise, decidimos recorrer à Camila Garcia, que trabalha justamente nessa área”, explica Catharino. Aluna do programa de doutorado e orientanda da professora Regina Buffon, ela integra a equipe do professor Ulf Friedrich Schuchardt, um dos maiores especialistas do país em catálise.
Conforme Camila, entre as atividades realizadas no laboratório do professor Ulf está a produção de biodiesel em escala laboratorial por meio de catalisadores homogêneos e heterogêneos. Na pesquisa em questão, ela produziu o biodiesel a partir da chamada “rota clássica”, ou seja, utilizando catalisadores alcalinos homogêneos, mesmo processo empregado comercialmente.
As matérias-primas normalmente usadas por ela para a geração do biocombustível são os óleos de soja, milho, girassol e mamona, além de banha e sebo animal e óleo de fritura, entre outros. “Após a produção do biodiesel, nós fazemos a purificação do produto, que consiste na eliminação do catalisador e da glicerina. Com isso, obtemos um combustível de extrema qualidade”, assegura a pesquisadora.
De posse desse biodiesel de fonte conhecida e livre de impurezas, Catharino e Saraiva finalmente puderam retomar as análises químicas, realizadas com o auxílio de um equipamento chamado espectrômetro de massas. Nesse caso, o que os cientistas fazem é diluir 300 microlitros do biocombustível em 1 mililitro de metanol e água e injetar a mistura diretamente no aparelho.
O espectrômetro, por sua vez, faz uma espécie de varredura de todas as substâncias presentes na amostra e emite gráficos com informações detalhadas acerca desses componentes. “Ou seja, se houver traços de alguma impureza – óleo, intermediários da reação, glicerol, álcool e/ou catalisador – presente no biodiesel, o método certamente identificará em questão de minutos”, assegura Catharino.
Sérgio Saraiva acrescenta que a técnica também é capaz de determinar a fonte graxa (vegetal ou animal) que deu origem ao biodiesel. Isso é feito por meio da análise do perfil dos ácidos graxos das amostras. O químico explica que o teor e o tipo do ácido graxo variam de acordo com a matéria-prima.
&ldquConseqüentemente, se o biodiesel for produzido a partir de óleo de soja, a composição em ácidos graxos do biocombustível será a mesma apresentada pela matéria-prima”, exemplifica Rodrigo Catharino.
"Através dessa técnica, também é possível identificar o nível de degradação do biodiesel, recurso importante para a avaliação tanto da estabilidade desse combustível, durante o seu uso em motores do ciclo diesel, quanto das condições de armazenamento do mesmo”, complementa Camila.
Nove fontes
Ao longo da pesquisa, os especialistas do IQ promoveram a análise química de biodiesel produzido a partir de nove fontes graxas: mamona, pinhão manso, canola, girassol, oliva, soja, banha animal, sebo animal e palma (dendê). O método empregado, conforme os cientistas, mostrou-se rápido e preciso.
Os resultados foram encaminhados recentemente ao Inmetro, que está fazendo a avaliação final da técnica. “Nossa expectativa é de que a tecnologia venha a ser adotada oficialmente pelo órgão para estabelecer o padrão nacional do biodiesel”, revela Catharino.
Caso isso venha a acontecer, uma das possibilidades, segundo os cientistas, é que o órgão federal monte uma planta própria para produzir e analisar o biocombustível, de modo a compará-lo com os produtos encontrados no mercado. Nesse caso, os pesquisadores da Unicamp orientariam na implantação da unidade.
"Isso seria altamente gratificante para nós, pois teríamos a oportunidade de ver nossa tecnologia sendo aplicada e trazendo benefícios para o país”, observa Catharino, que conta com a aquiescência dos outros dois parceiros.
Combustível que entusiasma o governo
O biodiesel tem sido apontado pelo governo federal como uma das alternativas para a diversificação da matriz energética nacional. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem demonstrando particular entusiasmo em relação ao futuro do biocombustível. Tanto é assim que o cita freqüentemente em seus discursos.
O país conta atualmente com o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB). Este programa começou a tomar forma em 2003, por meio de decreto que criou um grupo de trabalho interministerial encarregado de apresentar estudos sobre a viabilidade da utilização do combustível.
Foram estabelecidas as seguintes diretrizes para o PNPB: garantia de sustentabilidade, promoção da inclusão social, garantia de preços competitivos, de qualidade e de suprimento e o uso de diferentes fontes vegetais e animais.
De acordo com dados do Ministério de Minas e Energia, além de estabelecer um marco regulatório para o setor, o PNPB determinou, por intermédio de lei promulgada em janeiro de 2005, a adição de um percentual mínimo de biodiesel ao óleo diesel vendido ao consumidor em todo o território nacional.
Segundo a legislação, esse percentual será de 5% depois de oito anos da publicação da referida lei, havendo um percentual obrigatório intermediário de 2% no prazo de três anos.
O biodiesel é um combustível biodegradável derivado de fontes renováveis, que pode ser obtido por diferentes processos químicos, tais como o craqueamento, a esterificação ou a transesterificação.
A transesterificação, mais utilizada, consiste na reação entre um óleo ou uma gordura (vegetal ou animal) e um álcool (usualmente etanol ou metanol) na presença de um catalisador (substância que acelera a reação). Os produtos dessa reação são ésteres monoalquílicos de ácidos graxos (o conhecido biodiesel) e glicerina.
Há dezenas de plantas oleaginosas no Brasil que servem à produção do biodiesel, tais como soja, girassol, dendê (palma), babaçu, amendoim, pinhão manso, mamona, dentre outras.
O biodiesel é perfeitamente miscível e fisico-quimicamente semelhante ao óleo diesel de petróleo, podendo ser utilizado puro ou misturado ao primeiro em quaisquer proporções em motores do ciclo diesel automotivo (caminhões, tratores, camionetas, automóveis) ou estacionários (geradores de eletricidade e de calor).
(Por Manuel Alves Filho, Jornal da Unicamp, 2/08/2007)