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2007-08-20
Dom Demétrio Valentini, bispo da Diocese de Jales, em São Paulo, acaba de celebrar os 25 anos da sua ordenação episcopal. Foi em 31 de julho de 1982 que recebeu a ordenação episcopal na Catedral São José, na cidade de Erechim, no Rio Grande do Sul. Como bispo, participou da conferência de Santo Domingo e da Conferência de Aparecida. Sempre muito ligado aos movimentos sociais do País, Dom Demétrio recebeu diversas incumbências da CNBB, voltadas, principalmente, à pastoral social. Durante vários anos ele foi o bispo responsável do Setor Pastoral Social da CNBB tendo sido, também, por longos anos o presidente da Cáritas Brasileira. Associando-se às homenagens prestadas a D. Demétrio por ocasião do seu jubileu, a IHU On-Line entrevistou-o, por e-mail.

Na entrevista, D. Demétrio fala de suas origens, da sua vocação, dos momentos mais marcantes como Bispo de Jales, do seu envolvimento com os movimentos sociais, da Conferência de Aparecida e, inclusive, sobre o plebiscito sobre a reestatização da Vale do Rio Doce, que acontece de 1º a 9 de setembro em todo o Brasil. "O que representa hoje a Petrobras para os combustíveis representaria a Vale para a exploração das riquezas naturais no nosso subsolo. Se a Vale do Rio Doce não tivesse sido privatizada, estas riquezas poderiam ser colocadas, de maneira estratégica, para a superação dos problemas que o País enfrenta, em especial o seu endividamento", afirma Dom Demétrio.

Confira a entrevista.
IHU On-Line - Onde o senhor nasceu? Como é que descobriu a vocação de ser padre?
Dom Demétrio - Nasci em São Valentim (1), em 1940, quando lá ainda fazia parte do município de Erechim (2). Sou de família muito religiosa, meu pai era ministro da comunidade. Não é estranho que eu tenha decidido ser padre e, como padre, fui nomeado bispo!

IHU On-Line - Celebrando os 25 anos como bispo, quais foram os três momentos mais marcantes na sua vida de Bispo de Jales, sempre muito vinculado com a dimensão social da pastoral da Igreja do Brasil?
Dom Demétrio - Como bispo, participei intensamente da Conferência de Santo Domingo (3), em 1992; do Sínodo da América (4), em 1997; e da Conferência de Aparecida (5), em 2007. Olhando em termos de Brasil, coordenei as quatro semanas sociais brasileiras. Fui, por dois mandatos, responsável pelo Setor Pastoral Social na CNBB, e por três mandatos presidente da Cáritas Brasileira.

IHU On-Line - O senhor poderia descrever um pouco como se deu o seu interesse e entusiasmo pela pastoral social da Igreja e também pelos movimentos sociais, como o MAB e o MST?
Dom Demétrio - Olha, já como padre em Aratiba (6), lembro que participei da primeira reunião em Concórdia, em 1979, onde nasceu o MAB. Na ocasião, pressentindo a importância do encontro, eu tinha redigido um "manifesto" que acabou sendo assumido pelo grupo e serviu de texto para lançamento do movimento. Outro momento vivido com intensidade, como bispo, foi no massacre do Eldorado dos Carajás (7), onde cheguei no dia seguinte, e acompanhei o enterro das vítimas.

IHU On-Line - O senhor acompanhou, desde o início, as Semanas Sociais Brasileiras. Quais foram os seus pontos fortes e quais as suas debilidades?
Dom Demétrio - As Semanas Sociais se tornaram um processo muito intenso e educativo de reflexão, mobilização e compromisso que foi desencadeando outras iniciativas que tiveram forte incidência política no Brasil, como o Grito dos Excluídos (8), os plebiscitos sobre a Dívida e sobre a Alca, e, mais recentemente, a Assembléia Popular. Foram todos grandes escolas de cidadania, e nisto esteve o seu valor maior. Sua fraqueza: terem penetrado pouco na grande imprensa e terem ficado restritas às pastorais e movimentos sociais.

IHU On-Line - Qual pode ser a contribuição nova da Conferência de Aparecida para a pastoral social e o compromisso social da Igreja no Brasil e na América Latina?
Dom Demétrio - O texto de Aparecida insiste no tema da vida como eixo transversal de todo o documento. Se bem apropriada, esta insistência pode motivar o engajamento dos cristãos.
 
IHU On-Line - Quais são as três grandes luzes e as três grandes sombras de Aparecida?
Dom Demétrio - Aparecida se constituiu numa surpreendente experiência de comunhão eclesial, motivada pelo testemunho de fé dos peregrinos que impressionaram os bispos por sua autenticidade, que os levou a superar preconceitos contra a caminhada da Igreja na América Latina. Assim ficaram em boa parte resgatadas, a partir do seu método ver-julgar-agir e a partir da reafirmação de valores importantes que se tornaram referenciais para a Igreja na América Latina, como a opção pelos pobres, as comunidades eclesiais de base e a participação popular. O avanço de Aparecida foi evitar que houvesse retrocessos.
A fraqueza de Aparecida foi ter silenciado os desafios que aguardam o futuro da América Latina, em termos eclesiais, por exemplo, a questão ministerial e a aplicação integral do Concílio Vaticano Segundo (9).

IHU On-Line - Desde 1991, o senhor, como responsável pelo Setor Pastoral Social da CNBB, acompanhou bem de perto tanto o Governo FHC quanto o Governo Lula. Quais são os avanços, retrocessos e impasses, no que diz respeito às políticas sociais e, especialmente, à Reforma Agrária?
Dom Demétrio - O grande equívoco político de FHC foi ter embarcado, eufórico, no receituário neoliberal, com as privatizações em massa. A fraqueza do Lula foi não ter tido a coragem de enfrentar o capital financeiro supranacional, dando prosseguimento, em grande parte, à mesma política do governo anterior, com a evidente diferença nos programas sociais que passaram a ser melhor articulados pelo criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. No que se refere à Reforma Agrária, ela ficou muito cara pelo alto preço que a lei impõe para a desapropriação das terras e pelo acúmulo de empecilhos burocráticos para uma política de apoio efetivo aos assentados.  Nisto está igualmente a fraqueza do MST: ele sabe muito bem organizar os sem-terras, mas pouco consegue fazer quando os sem-terras se tornam "com-terras".

IHU On-Line - O senhor participa ativamente da campanha pela anulação do leilão de privatização da Vale do Rio Doce, e, recentemente, num artigo, destaca a importância do plebiscito a ser realizado na Semana da Pátria. Quais são os méritos deste plebiscito?
Dom Demétrio - Despertar a consciência do povo brasileiro sobre a importância de preservarmos nossas riquezas naturais, para colocá-las a serviço do desenvolvimento integral do Brasil, resguardando sua soberania.

IHU On-Line - Sabemos que D. Luciano Mendes de Almeida, ex-presidente da CNBB, sempre foi contrário à privatização da Vale do Rio Doce. Qual é a posição da CNBB sobre a privatização e qual tem sido a sua postura em relação ao plebiscito?
Dom Demétrio - Agora este plebiscito é assumido mais diretamente pelos movimentos e pelas pastorais sociais sem depender tanto do apoio que a CNBB possa lhe dar.

IHU On-Line - Como tem sido a adesão das pastorais sociais e da Cáritas Brasileira à campanha pela anulação do leilão de privatização da Vale do Rio Doce? Além do senhor, que outros bispos têm apoiado a campanha?
Dom Demétrio - As Pastorais Sociais sempre foram parceiras das iniciativas decorrentes das Semanas Sociais e da Assembléia Popular conscientes de que podem contar com o respaldo de muitos bispos que se identificam com estas iniciativas.

IHU On-Line - Em sua opinião, a venda da Vale não valeu? Por quê?
Dom Demétrio - Existem diversas demandas na justiça questionando a legalidade do leilão que confirmou a privatização da Vale do Rio Doce. O plebiscito quer, no mínimo, incentivar a retomada dos processos que advogam a anulação do leilão.

IHU On-Line - A opção por quatro perguntas no plebiscito não atrapalha o seu encaminhamento?
Dom Demétrio - Seria mais fácil e mais contundente uma única questão direta sobre a ilegalidade do leilão da Vale do Rio Doce. Mas se chegou à conclusão de que seria melhor valorizar o plebiscito para levantar outras questões de interesse coletivo.

IHU On-Line - Para o senhor, quais foram os principais impactos que a sociedade brasileira sofreu com a privatização da Vale do Rio Doce? Os brasileiros estão preparados para recebê-la de volta?
Dom Demétrio - A Vale do Rio Doce coloca em questão muitos aspectos, a começar pelo direito constitucional da União sobre as riquezas do subsolo brasileiro, a dimensão ecológica e o projeto de desenvolvimento econômico do país. O que representa hoje a Petrobras para os combustíveis representaria a Vale para a exploração das riquezas naturais no nosso subsolo. Se a Vale do Rio Doce não tivesse sido privatizada, estas riquezas poderiam ser colocadas, de maneira estratégica, para a superação dos problemas que o País enfrenta, em especial o seu endividamento.

IHU On-Line - O senhor foi uma das pessoas que se opuseram enfaticamente à Alca. Como viu a aproximação de Lula ao presidente dos Estados Unidos e o interesse de Bush no etanol produzido aqui?
Dom Demétrio - Penso que Lula se guiou por seu instinto pragmático; ele precisa encontrar mercado para o enorme excedente de álcool que vem vindo por aí. Quanto ao destino da Alca, nada melhor para comprovar a validade da pressão popular, feita também através das Semanas Sociais: o governo Lula sentiu firmeza para se opor à Alca, graças ao respaldo popular resultante do plebiscito popular contra o projeto. Pena que no tempo do FHC não aconteceu um plebiscito para ver se o povo queria a privatização da Vale do Rio Doce. Mas, por meio do plebiscito de setembro, ainda é tempo de tentar reverter essa situação, para que a Vale do Rio Doce volte a ser colocada a serviço dos interesses públicos do povo brasileiro.

Notas:
(1) São Valentim é um município do estado do Rio Grande do Sul. Pertence à Mesorregião Noroeste Rio-Grandense e à Microrregião Erechim.
(2) Erechim localiza-se ao Norte do Rio Grande do Sul, na região do Alto Uruguai, sobre a cordilheira da Serra Geral. Colonizado basicamente por quatro etnias, polonesa, italiana, alemã e israelita, o povoado se formou em 1908 à margem e arredores da estrada de ferro.
(3) A Quarta Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Santo Domingo, na República Dominicana, no período de 12 a 28 de outubro de 1992. João Paulo II a convocou oficialmente no dia 12 de dezembro de 1990, estabelecendo como tema: "Nova evangelização, Promoção humana, Cultura cristã", sob o lema: "Jesus Cristo ontem, hoje e sempre". A Conferência de Santo Domingo marcava-se no contexto da celebração dos 500 anos do início da evangelização no Novo Mundo. Ela teria três objetivos: celebrar Jesus Cristo, ou seja, a fé e a mensagem do Senhor crucificado e ressuscitado; prosseguir e aprofundar as orientações de Medellín e Puebla; definir uma nova estratégia de evangelização para os próximos anos, respondendo aos desafios do tempo.
(4) De 16 de novembro a 12 de dezembro de 1997, reuniu-se no Vaticano o Sínodo dos Bispos da América. Por ocasião de seu encerramento, foi publicada a "Mensagem ao Continente Americano". Nos estudos preparatórios ao Sínodo da América foram indicados diversos elementos que impedem ou dificultam a atuação da instituição fundada por Cristo. Entre elas, o predomínio de outros critérios, como o materialismo, o egoísmo, o hedonismo e o subjetivismo que se expressam, amiúde, por uma atitude contestatária à autoridade religiosa, familiar ou civil. Acrescente-se a cultura da morte, pela prática do aborto e da eutanásia.
(5) A V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, ou Conferência de Aparecida, foi inaugurada pelo Papa Bento XVI, em Aparecida, no dia 13 de maio e encerrou-se no dia 31 de maio de 2007. O tema da Quinta Conferência foi: "Discípulos e Missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida", inspirado na passagem do Evangelho de João que narra "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6).
(6) Cidade do Rio Grande do Sul que faz divisa fluvial com o Estado de Santa Catarina.
(7) O chamado massacre de Eldorado dos Carajás ocorreu durante o conflito de 17 de abril de 1996 em Eldorado dos Carajás, no sul do Pará. Dezenove sem-terras foram mortos pela Polícia Militar. O confronto ocorreu quando 1.500 sem-terras que estavam acampados na região decidiram fazer uma marcha em protesto contra a demora da desapropriação de terras, principalmente as da Fazenda Macaxeira. A Polícia Militar foi encarregada de tirá-los do local, pois estavam obstruindo a Rodovia PA-150, que liga Belém ao Sul do Pará. A ordem partiu do Secretário de Segurança do Pará, Paulo Sette Câmara, que declarou, depois do ocorrido, que autorizara "usar a força necessária, inclusive atirar".
(8) O Grito dos Excluídos é uma grande manifestação popular para denunciar todas as situações de exclusão e assinalar as possíveis saídas e alternativas. É o grito dos empobrecidos, dos indefesos, dos pequenos, dos sem vez e sem voz, dos enfraquecidos, etc.
(9) O Concílio Vaticano II foi aberto sob o papado de João XXIII no dia 11 de outubro de 1962 e terminado sob o papado de Paulo VI em 8 de dezembro de 1965. Nestes três anos, com grande abertura intelectual se discutiu e se regulamentou temas pertinentes à Igreja católica, sempre visando a um melhor entendimento de Cristo junto à realidade vigente do homem moderno. Este melhor entendimento de Cristo, foi e é a verdadeira hermenêutica do CVII.

(IHU* / Adital, 17/08/2007)
* Instituto Humanitas Unisinos

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