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2007-08-20
Depois de três anos de muita polêmica e liminares na Justiça, a Usina Hidrelétrica de Dardanelos está pronta para sair do papel. No município de Aripuanã, extremo noroeste de Mato Grosso técnicos da construtora Odebrecht e da empresa Águas da Pedra (formada pelo consórcio Neoenergia, Chesf e Eletronorte), responsável pelo empreendimento, já estão devidamente acomodados no que um dia foi o melhor hotel da cidade para acompanhar as obras. Não podiam escolher lugar mais privilegiado. É um dos únicos pontos de onde é possível apreciar ao mesmo tempo os saltos Dardanelos e Andorinhas, as incríveis cachoeiras que estiveram no cerne das principais críticas à hidrelétrica.

A construção da usina, que terá uma potência instalada de 261 MW, mas assegurará em média 154 MW de energia ao Sistema Interligado Nacional (SIN), podia ter começado no mês de maio, quando a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) concedeu a tão esperada licença de instalação ao empreendimento. Mas por um pedido da própria secretaria, a Águas da Pedra preferiu esperar a licença ambiental prévia das linhas de transmissão para dar início às obras, com previsão de conclusão para 2011.

“É uma questão de dias”, diz Leonardo Borgatti, diretor de contrato da Odebrecht. Depois de três tranqüilas audiências públicas realizadas nas primeiras semanas de agosto, a viabilidade ambiental das linhas quase não teve contestações. Também pudera. Apenas 188 quilômetros entre Aripuanã e Juína foram motivo do estudo de impacto ambiental, que não identificou interferências relevantes por onde passarão 412 torres de alta tensão, pois a área já foi suficientemente desfigurada por 25 anos de exploração predatória de madeira e pecuária. O trajeto, os impactos e os beneficiários dos linhões até os pontos onde há efetivamente ligação com o SIN ficaram fora do debate.

Obras e versões

Os empreendedores garantem que as obras da usina vão impactar o menos possível o ambiente e já tranqüilizaram a população, ansiosa pela promessa de geração de empregos, que o município só vai sair ganhando com os investimentos de infra-estrutura que as economias madeireira e pecuária jamais deixaram na região. Além de pressões para o asfaltamento da pista do aeroporto da cidade, os empreendedores se comprometeram a urbanizar a área do balneário Oásis, um dos pontos usados pela população para se banhar em piscinas naturais formadas pelo rio Aripuanã, numa área à montante das famosas quedas. “Vamos melhorar as piscinas, fazer trilhas e passarelas para observação de aves”, avisou José Piccolli, diretor presidente da Águas da Pedra.

O temor de que a hidrelétrica vai retirar a água das cachoeiras e fazê-las secar, como em diversos momentos do licenciamento ambiental foi levantado, é contestado com veemência pelos construtores. Eles admitem, no entanto, que o desvio de uma porção d’água para o funcionamento da usina é a principal interferência da obra no rio Aripuanã no trecho das cachoeiras. As cinco turbinas verticais que liberaram o empreendimento de precisar de barragem ou reservatório têm capacidade de trabalhar com uma vazão máxima de 306 m3/s de água. Mas Piccolli diz que na média a usina vai aproveitar bem menos do que isso. “Será garantida vazão permanente aos saltos Andorinhas e Dardanelos”, assegura.

De acordo com levantamentos citados no Relatório de Impacto Ambiental (Rima) de Dardanelos, a vazão máxima do rio Aripuanã já registrada fica na casa dos 1.500 m3/s e a mínima é de 18m3/s. E por causa de uma determinação da Agência Nacional de Águas (ANA), o empreendimento será obrigado a permitir uma vazão remanescente às cachoeiras de no mínimo 21 m3/s. Para cumpri-la, então, a usina vai simplesmente fechar as portas três ou quatro meses por ano, na época da seca.

Devido à necessidade de interromper o fornecimento de energia, durante a fase de licenciamento o projeto foi duramente questionado quanto à sua viabilidade econômica. “O empreendimento é inviável em relação à ictiofauna, e a alterações na beleza cênica, além de ter baixa eficiência econômica”, diz o professor Dorival Gonçalves Junior, especialista em fontes alternativas de energia na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Piccolli responde com argumento a la Dilma Rousseff. “A energia gerada por Dardanelos é suficiente para garantir o abastecimento de quatro milhões de pessoas e vai ser escoada para o resto do país”, diz. De acordo com Dorival, essa energia não justifica os impactos da obra porque quando ela for transmitida, outras partes do país já estarão abastecidas. “A geração de Dardanelos acontece exatamente na época das águas, quando as hidrelétricas de Mato Grosso e as do Sudeste estão gerando o máximo”, informa o professor.

“Obra que ecologista pediu a Deus”

A usina será instalada na margem esquerda do rio Aripuanã, bem no trecho das cachoeiras, visíveis da área urbana da cidade, que fica no lado oposto. A margem onde será erguida a hidrelétrica é um dos poucos trechos de floresta da região. O resto já virou pasto. De acordo com Piccolli, a instalação da usina na área verde vai causar impacto mínimo, que, aliás, não ficará visível a quem aprecia as cachoeiras. “A faixa entre o leito do rio e o canal por onde a água será conduzida às turbinas não vai ser derrubada”, explica. Segundo ele, as obras vão acontecer numa extensão de apenas três quilômetros e afetarão uma área de 171 hectares, sendo que a usina em si vai ocupar 54 hectares. Ou seja, as estruturas de geração de energia não serão instaladas no leito do rio, mas paralelo a ele, para aproveitar um desnível no terreno de quase 100 metros. “Essa é a obra que o ecologista pediu a Deus”, opina o diretor presidente da Águas da Pedra. (Clique aqui para ver uma animação do empreendimento.)

Os canteiros de obras serão estabelecidos em duas áreas de 108 hectares que já estão degradadas. De acordo com o projeto, quatro pontos na margem esquerda do rio servirão para a retirada de areia a ser utilizada pelo empreendimento. “Só vamos comprar areia de quem tiver com licenciamento ambiental em dia, é claro”, assegura Piccolli. O projeto também prevê a construção de um aterro sanitário que, após o término das obras, poderá ser usado pela prefeitura municipal. “Vamos comprar ainda seis mil litros de biodiesel por dia feitos de pupunha, pequi e amendoim da Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt”, diz. Isso representa 1/3 da necessidade mensal de combustível da usina durante as obras.

Energia para mineração

O relatório de impacto ambiental (Rima) concluiu que a usina vai provocar 73 impactos, sendo 62% ligados a aspectos sócio-econômicos. Uma das conseqüências mais evidentes da instalação de um empreendimento energético de médio porte nos confins da Amazônia mato-grossense é o interesse repentino das mineradoras Anglo American e também da Votorantim na região. A empresa de Antonio Ermírio de Moraes tem 13 projetos de pesquisa mineral em andamento no município, próximos às terras indígenas Arara do Rio Branco e Aripuanã. E planos para exploração de zinco já para o ano que vem.

Foram identificados 52 impactos ambientais negativos de baixa significância. E alguns não só relevantes, como de difícil qualificação. Entre eles alteração de hábitat para espécies migratórias, aquáticas e limnológicas, supressão de trechos florestais, interferência nos padrões culturais da população local, modificação de paisagens naturais e interferência no patrimônio arqueológico. Além disso, estão previstos diminuição de hábitats aquáticos específicos e sítios reprodutivos para herpetofauna, alterações de populações de algas macrófitas associadas ao leito do rio Aripuanã, mudanças na vegetação associada às cachoeiras e na população de andorinhões, aves que freqüentam os saltos e que deram nome a um deles.

O Rima admitiu que, por falta de conhecimento, existe o risco de diminuição de espécies ou mesmo a ocorrência de extinções locais e ressalta a possibilidade disso incluir endemismos na região. Para tentar compensar o impacto, os empreendedores arrendaram 3.200 hectares da área verde vizinha à hidrelétrica, na margem esquerda do rio, e transformaram-na em reserva legal. Uma vez iniciada a obra, caso não haja interrupções, sua previsão de término é de quatro anos, com um custo de 538 milhões de reais.

(Por Andreia Fanzeres, OEco, 18/08/2007)

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