Especialistas acreditam que a demanda energética incentivará a produção de grãos, mas que a fome no mundo pode aumentarDepois de dois anos de crise, os agricultores brasileiros podem esperar um novo ciclo de crescimento no setor. A demanda mundial por biocombustíveis fará com que os preços de produtos como soja, milho, cana-de-açúcar, trigo e outras fontes de álcool e biodiesel subam de preço e sejam fortemente disputadas no comércio internacional. A estimativa do professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Homem de Melo é que muitas fontes energéticas tenham aumento de mais de 100% em 2008, em relação ao preço em dólar que a tonelada tinha em 2005.
Os dados foram apresentados na tarde desta quinta-feira (16), no auditório da Reitoria da Universidade de Brasília (UnB), no seminário Quintas do Futuro. Melo acredita que o ano de 2007 marca a transição de um período de crise (2005 e 2006) para um de evidente crescimento, devido à nova demanda de fontes de bioenergia que, antes, a agricultura não cobria. “É um momento extraordinário, que o Brasil não vivia há quase 50 anos. As projeções mostram épocas de produção maior de grãos e de ganho de produtividade e preços”, comemora.
Otimismo - As projeções do economista, baseadas em dados do International Food Policy Research Institute (Ifpri), mostram que, independente da taxa cambial, o valor da tonelada de vários produtos será maior do que em 2005 (veja quadro). Melo lembra, entretanto, que a recuperação agrícola brasileira não será geral entre todas as culturas do país, restringindo-se a produções que estejam diretamente relacionadas com a bioenergia. “O café, por exemplo, não tem ligação com a agroenergia, então não podemos projetar crescimento na área”, explica Melo.
O Brasil é hoje o segundo maior produtor de soja do mundo, com safra de 56,32 milhões de toneladas em 2006 e 2007, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e ocupa posições de destaque no ranking de outros produtos importantes para o setor. No entanto, se o cenário é promissor para os agricultores, o mesmo não se pode dizer sobre os consumidores: o preço dos alimentos deve ficar mais caro e o impacto deve ser grande, especialmente para as famílias mais necessitadas. “Os pobres gastam de 50% a 80% da renda com comida e o consumo calórico cai 0,5% a cada aumento de 1% no preço”, aponta Melo.
Ele indica ainda que o aumento de pessoas em situação de insegurança alimentar no Brasil pode subir em 16 milhões de habitantes para cada 1% de elevação nos preços da cesta básica. “Se essa alta for contínua, em 2025 o mundo poderá ter 1,2 bilhão de pessoas em estado de fome crônica: 600 milhões a mais do que é previsto atualmente”, contabiliza o professor.
Fertilizantes - Outro setor que poderá ser prejudicado com o aumento dos preços das fontes de bioenergia é a indústria de fertilizantes. De acordo com o diretor da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), Eduardo Daher, o aumento da demanda no setor agroenergético é positivo, mas encarece o preço de insumos desse tipo, prejudicando o mercado. “É uma relação de amor e ódio. Quando o real fica mais forte em relação ao dólar, o fertilizante fica mais barato. Mas o cliente, agricultor e exportador, quer o inverso, para ganhar mais com o seu produto”, explica Daher.
O Brasil é hoje o quarto maior consumidor de fertilizantes no mundo e o terceiro importador, com um mercado de 8,9 milhões de nutrientes de potássio, nitrogênio e fósforo em 2006. Mesmo assim, a China, primeira colocada no ranking, e a Índia, segunda, produzem, consomem e importam cinco e duas vezes mais que o Brasil, respectivamente. “Mesmo na 4ª colocação, o país ainda é vulnerável e não orienta a produção mundial. Mas o agronegócio brasileiro sempre foi um mercado de risco. Mesmo que você faça tudo certo na plantação, aspectos climáticos podem acabar com todo o trabalho e não há nada a fazer”, lembra Daher.
O professor do Instituto de Geociências da UnB e coordenador da mesa do Quintas do Futuro, José Carlos Gaspar, lembra que os biocombustíveis, ao contrário do senso comum, não são fontes limpas nem renováveis de energia. São fontes sujas, porque geram poluição quando transformadas, e não renováveis porque dependem de fertilizantes para serem produzidas e, por isso, de nutrientes finitos como fósforo e potássio. ”A agroenergia é uma alternativa para o problema, não uma solução definitiva para a crise energética no mundo. Ela deve ser usada com responsabilidade e ponderação”, afirma.
(
Envolverde/UnB Agência, 19/08/2007)