Potenciais interessados em investimentos na infra-estrutura estão recebendo há alguns dias uma oferta curiosa: comprar a Hamburgo Energia Participações, proprietária de quatro usinas de biomassa no Rio Grande do Sul. Uma das condições previstas no material enviado aos possíveis clientes é assumir os débitos de US$ 144 milhões (a valores de sexta-feira, R$ 292 milhões) e as garantias do financiamento junto ao banco alemão Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW). A oferta contraria a versão divulgada pela Hamburgo de que as garantias já estavam sendo substituídas.
Os documentos da proposta, obtidos por Zero Hora, provam que a situação das garantias dadas pela Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE) ainda está longe do caminho da solução. Essses avais foram obtidos de forma irregular em qualquer versão já produzida até agora para explicar a assinatura de diretores da estatal em contratos com o banco de fomento alemão, seja por falsificação de assinaturas ou por conduta indevida de diretores da empresa do grupo Eletrobrás.
Documentos anunciam "forte apoio político" aos projetosNo material enviado aos alvos da prospecção, é clara a pressa com que o vendedor deseja fechar o negócio. Uma das frases indica que terão preferência candidatos que agirem mais rapidamente do que os prazos sugeridos. A última data apresentada para aceitação das ofertas é 7 de setembro, a fim de que o contrato possa ser assinado no próximo mês. No cronograma proposto, estão incluídas visitas aos locais de construção das usinas, em Rio Grande, São Sepé, São Borja e Dom Pedrito, entre 23 de agosto e 14 de setembro.
Entre os critérios para seleção de propostas, constam preço ofertado, capacidade de execução rápida dos projetos e robustez financeira do comprador. Batizado de Projeto Elektra - ora grafado com k, ora com c - , o objeto da oferta de venda é a Hamburgo, apresentada como uma subsidiária integral da Energiegessellschaft Palmaille mbH (Enerpal), empresa alemã com sede em Hamburgo. Há uma observação de que "Mr. Alan Barbosa" é acionista da Enerpal e detém 1% do capital da Hamburgo, porque a legislação brasileira exige pelo menos dois acionistas numa companhia limitada. Barbosa é diretor-presidente da Hamburgo e foi apontado em sindicância da CGTEE como envolvido na obtenção irregular de avais. Na sexta-feira, a Polícia Federal (PF) realizou operação de busca e apreensão em sua residência, na Capital, entre outros locais.
A descrição do negócio, distribuída ao mercado no início de agosto, quando o escândalo das usinas já era público, é destacada uma característica que desafia o senso comum: "strong political backing for the projects", ou seja, "forte apoio político para os projetos". Os investidores são advertidos sobre a retirada das garantias da CGTEE, atribuída a "disputas internas" na estatal, que teriam levado à suspensão das obras.
Como pontos fortes do projeto, aponta uma receita anual de US$ 34,9 milhões com a venda de energia, além de estimar ganhos de US$ 5,8 milhões com a possível venda de créditos de carbono - previstos no Protocolo de Kyoto - e de US$ 4,5 milhões com ganhos das cinzas de cascas de arroz, que contêm sílica, material valorizado na indústria eletrônica, cerâmica, química e de construção civil. Zero Hora tentou contato com Alan Barbosa na tarde de sexta-feira, mas nenhum de seus telefones conhecidos atendia.
Entenda o caso- A Hamburgo Energia Participações Ltda é uma das duas empresas privadas beneficiadas por avais irregulares em nome da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE). O caso é investigado pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal.
- O valor total do financiamento obtido pela Hamburgo é de 109,9 milhões de euros. A empresa recebeu 42 milhões de euros um dia antes de o suposto aval da CGTEE ser formalizado. As quatro usinas que seriam construídas com esses recursos no Interior não saíram do papel.
(Por Marta Sfredo,
Zero Hora, 19/08/2007)