O oficial da Marinha esperou pacientemente que eu encerrasse a conversa com colegas jornalistas e se apresentou respeitosamente. Era técnico em informática e fora mandado por sua unidade, no Rio de Janeiro, para ouvir tudo de interessante que encontrasse na reunião anual da SBPC em Belém. Precisava de uma reciclagem e de motivação. Falava com os olhos brilhando e toda atenção concentrada no interlocutor. Jovem e entusiasmado. Depois de um circunlóquio muito interessante, fez a pergunta, pela qual já esperava: se eu acreditava que a Amazônia estava realmente ameaçada de internacionalização; se as ONGs eram o principal instrumento dessa ofensiva; se um dos seus focos era as reservas dos índios Yanomami, entre Roraima e o Amazonas; se era verdade que só americanos passavam à noite pelo trecho da rodovia Manaus-Boa Vista em território dos Waimiri-Atroari.
Eu tinha acabado de abordar esses temas na minha conferência. Antes de voltar a eles, ampliá-los ou especificá-los na argumentação, disse ao tenente, com toda sinceridade, sacando da minha experiência de vida muito mais do que dos conhecimentos aprendidos em livros: nunca encontrei índios que manifestassem o desejo de ser outra coisa que não brasileiros. Mesmo quando revoltados, ressentidos ou irados, nunca nenhum deles disse que pretendia ir para outro país ou se despir de sua nacionalidade.
Embora essa seja uma condição artificial para tais populações, que já existiam centenas ou milhares de anos antes que suas terras fossem alcançadas por esse conceito e o invasor se apresentasse como dono do território, os índios nunca rejeitaram a condição de brasileiros, por mais pesada que ela lhes seja, nem almejaram uma nova cidadania. Nunca foram, por isso, uma questão geopolítica a sério. Só se tornam um estorvo, nesse enfoque, quando a ótica está distorcida por mitos convenientes aos guerreiros perenes da geopolítica. A "questão indígena" é tudo, menos uma questão de nação. Se algum país, corporação ou entidade pensa de outra maneira e age conforme essa orientação, sua pregação, neste aspecto, fracassou. E fracassará sempre. O "problema indígena" resulta do despreparo dos "brancos" e da incompetência do governo muito mais do que da ingerência externa, cujos efeitos se valem desse vácuo nacional.
Já vi índios dispostos a matar ou morrer por seus direitos, os consuetudinários da tradição mais do que milenar, mas nunca vi um só índio dizendo que não é nem quer ser brasileiro. O que ele quer é ser índio. De preferência, na aldeia. Se não der, pode ser na cidade também. Num ou noutro local, conforme seu ideal ou como tiver que ser, mas respeitado. Preservada essa condição, o índio, mesmo quando isolado em paragens remotas da fronteira, não é problema: é um dado, que pode ser proveitoso para todos se sua integridade for preservada.
O atento tenente da Marinha parece ter aceitado o argumento. Foi-se sem as objeções com as quais se apresentou. Espero que tenha levando consigo uma semente de verdade para plantar nessa vasta seara dos absurdos e incompreensões.
(Por Lúcio Flávio Pinto*,
Adital, 14/08/2007)
* Jornalista