Se descobríssemos que a Al-Qaeda estivesse secretamente desenvolvendo uma nova técnica que poderia interromper com o abastecimento de água de todo o mundo, forçando milhares a abandonarem suas casas e com o potencial de colocar o planeta inteiro em perigo, nós já estaríamos usando todos os recursos possíveis para neutralizar essa ameaça.
Porém, essa é a ameaça que nós estamos criando com os gases poluentes. Por mais que existam muitas dúvidas sobre a intensidade das conseqüências, uma série de novos estudos indica que estamos cozinhando nosso planeta favorito mais rapidamente do que os especialistas esperavam. Esses estudos recentes não receberam muita atenção porque eles estão escritos em uma difícil linguagem cientifica, mas eles sugerem que as geleiras estão derretendo e os mares subindo mais rápido do que o previsto pelos especialistas.
O último motivo de alarme é o fato de que as geleiras da região do Pólo Norte derreteram demais – e ainda vão derreter por mais um mês. Nesse ritmo, a geleira polar “permanente” pode desaparecer por inteiro. Na edição de maio da revista "Geophysical Research Letters", cinco cientistas detalharam esse cenário em um artigo. Eles analisam a extensão das geleiras do Ártico todo verão desde 1953. Os modelos computadorizados previram uma perda de 2,5% do gelo por década, mas o derretimento real foi de 7,8% por década.
O artigo diz que a extensão do derretimento das geleiras durante o verão está 30 anos à frente do que os modelos anteciparam. Outros relatórios recentes também enfatizaram que as mudanças climáticas parecem estar ocorrendo mais rápido do que o previsto pelos modelos de computador:
A revista Science publicou um estudo em março que diz que a Antártica e a Groenlândia estão, no total, perdendo uma média de 125 bilhões de toneladas métricas por ano – e a quantidade aumentou na última década. Para contextualizar, a geleira do oeste da Antártica (a parte mais instável do continente mais ao sul) e a Groenlândia têm, juntas, gelo suficiente para elevar os níveis dos mares de todo o mundo em até aproximadamente 12 metros, embora levará centenas de anos para elas derreterem. Nós esperamos.
Em janeiro, a Science relatou que o aumento dos níveis do mar nos últimos anos atingiu o limite mais alto da escala prevista por computadores modelos, ou seja, os estudos anteriores subestimaram o aumento. Como resultado, foi descoberto que o mar irá se elevar mais do que as previsões. Essa elevação será entre 50 centímetros a 1,4 metro até 2100.
O que tudo isso significa?“Estamos percebendo que os modelos previram corretamente os padrões da mudança, mas subestimaram sua extensão”, disse, Jay Gulledge, um cientista do Pew Center on Global Climate Change. Isso tudo pode soar abstrato, mas as mudanças climáticas já estão prejudicando as colheitas da África. Em países como Burundi, existem crianças que estão morrendo de fome por causa dessas mudanças que muitos especialistas acreditam que são causadas por nossas emissões de carbono. A maior tragédia disso tudo é que os EUA são uma grande parte do problema.
“Além dos EUA não liderarem as medidas contra o aquecimento global, estamos impedindo os outros”, disse Jessica Bailey, que trabalha com o assunto no Rockefeller Brothers Fund “Estamos inibindo globalmente o progresso contra as mudanças climáticas”. Eu encontrei com Al Gore em uma conferência sobre assuntos climáticos e energéticos esse mês e ele tem uma paixão pelo assunto, reconhecendo que devemos lidar com ameaças mortais mesmo quando elas não vêm da Al-Qaeda.
“Nós estamos tratando a atmosfera da Terra como se ela fosse um esgoto a céu aberto”, ele disse. “Eu não entendo porque não há grupos enormes de jovens bloqueando escavadoras e impedindo-as de construir mais fábricas poluidoras”. Críticos argumentam que o debate científico ainda não acabou e que as conseqüências são incertas – eles estão certos. Existe uma variação natural e muita incerteza, especialmente sobre sua magnitude.
Da mesma maneira, especialistas em terrorismo não têm certeza sobre a magnitude do próximo ataque da Al-Qaeda, mas seria burrice ignorar o grupo por causa das incertezas sobre os riscos e não agir para confrontá-lo. E essa é a nossa política nacional sobre as mudanças climáticas.
(Por Nicholas D. Kristof,
The New York Times, 16/08/2007)