A Companhia Vale do Rio Doce possui 56 mil empregados em todo país; 37 mil deles trabalham no Pará. É a surpreendente conclusão a que se chega agregando dados divulgados separadamente pela empresa, alguns deles na semana passada, quando anunciou mais resultados recordistas alcançados no primeiro semestre do ano. Por que quase dois terços da força de trabalho da empresa se concentram no Pará, se o Estado não possui o mesmo peso em seu faturamento ou no seu volume de produção?
A resposta está no desenvolvimento da maioria dos novos projetos da Vale em território paraense, não só no âmbito do seu negócio tradicional, a lavra, transporte e comercialização de minério de ferro, mas também - e em especial - no segmento dos não-ferrosos. Nos primeiros seis meses de 2007 a CVRD investiu quase 3,5 bilhões de reais no Pará, o que representa quase metade de todo orçamento público anual do Estado, cuja capacidade de investimento não vai além de 10% desse montante. Significa, dentre outras coisas, que o governo paraense não tem fôlego financeiro para acompanhar a gigantesca corporação empresarial. Vem sempre atrás, comendo a poeira do tempo, permanentemente defasado.
No final de 2006 a Vale contava com um exército de 30 mil trabalhadores no Estado. Fechou o semestre com 37 mil. Cada um dos 7 mil empregos que criou no período lhe custou 500 mil reais. Assim, por paradoxal que seja, o "modelo de desenvolvimento" da empresa, mesmo apontando tantos empregos no seu borderô, não absorve mão-de-obra na forma e na velocidade que a crescente demanda no Estado requer. Não chega sequer a dar conta dos migrantes que atrai com seus "grandes projetos".
A mecânica de expansão, pelo contrário, poupa mão-de-obra. Como flutua entre a fase de implantação e a de operação, atraindo muita gente na primeira etapa e retendo apenas uma fração desse universo em seguida, o que podia se tornar fonte de resolução acaba se consolidando como causa de mais problemas. Quando o projeto se converte em atividade produtiva, fica o poder público com o abacaxi da legião de deserdados - ou não-absorvidos - que não conseguem garantir a própria sobrevivência.
Os recursos para enfrentar o problema são escassos porque, em atividade, produzindo semi-elaborados para a exportação, a empresa recolhe uma titica de imposto e as compensações legais são um troco diante dos seus ganhos no comércio exterior e da enormidade do desarranjo social na boca dos "grandes projetos". Como diria o general Médici, a empresa vai bem e o povo vai mal. Muito mal.
Entre 1984, quando Carajás entrou em operação, e 1996, o último ano de incidência do ICMS sobre a exportação, a Vale deve ter recolhido algo como 750 milhões de reais. Nos 10 anos seguintes, a partir da vigência da Lei Kandir, em 1997, devia ser pago R$ 4 bilhões, mesmo com uma alíquota de imposto menor, de 13%. Mas não apenas não pagou: ainda acumulou créditos por conta desse absurdo estímulo à exportação, segundo o qual quem não paga, leva. A piada do sujeito que não paga a conta do restaurante e, quando cobrado pelo garçom, diz que está é esperando pelo troco, virou realidade de mau gosto. Não levamos e ainda pagamos a conta.
Com seus coloridos portfólios de responsabilidade social, repletos de imagens de gente bem assistida e de robustos periquitos e papagaios, a empresa atenua ou ofusca a ausência de efeitos sociais do seu cada vez mais lucrativo funcionamento. Um número abre as portas para uma percepção mais aguda: enquanto o aumento dos empregos próprios entre 2006/2007 foi de 10,71%, o incremento dos empregos terceirizados no mesmo período alcançou mais do que o dobro: 24,06%.
A existência do Programa de Desenvolvimento de Fornecedores, o PDF não digital, pode sugerir que a empresa está fomentando o desenvolvimento por via indireta. Fazendo mais contratações de obras e serviços, incentiva a criação de empresas, multiplicando seus ganhos.
Isso seria verdadeiro se os satélites funcionassem segundo padrões semelhantes aos do planeta. Mas o que há é um rebaixamento desse nível e um vazamento de renda e salário. Por isso, os indicadores sociais (e mesmo os econômicos) da região (como os do Estado) não acompanham o notável desempenho da empresa. Como a única luz própria é a dela, é só ela que brilha no firmamento do Pará. O Estado já chegou a ficar sem sua estrela na bandeira nacional e agora pode perdê-la no seu território, onde virará miragem - ou visagem. Com e sem simbolismo.
PerfilDuas novas frentes de produção da Companhia Vale do Rio Doce se consolidaram no primeiro semestre deste ano: a mina de Paragominas produziu 352 mil toneladas de bauxita (produção que no Trombetas chegou a 8,8 milhões) e a Ferro Gusa de Carajás gerou 129 mil toneladas em Marabá. Os números terão forte incremento até o final de 2007 e se multiplicarão em 2008, reforçando o faturamento de não-ferrosos juntamente com o cobre, alumínio, alumina e caulim. E logo em seguida recebendo o reforço do níquel. No Pará a CVRD se tornará mais diversificada do que no restante do Brasil.
Sujeito ocultoHá algum significado específico no espaço menor (com destaque interno, mas pouca visibilidade na capa) que o Diário do Pará tem dado mais recentemente às matérias sobre a Companhia Vale do Rio Doce? E há alguma relação entre esse tratamento editorial e o grande destaque que a CVRD tem recebido nas páginas de O Liberal, com ênfase na capa? Enquanto não surgirem respostas satisfatórias para essas dúvidas, convém verificar se não há gato na tuba.
(Por Lúcio Flávio Pinto,
Adital, 13/08/2007)
* Jornalista