Pescadores da várzea amazônica estão conseguindo fazer um tipo de multiplicação dos peixes. Por meio do manejo de pesca, eles num primeiro momento capturam uma quantidade menor de sardinhas, pacus, pirarucus, sambaquis e outras espécies e, depois de dois anos, conseguem pescar mais e maiores peixes. Assim, não só ajudam a recuperar o ecossistema local, mas aumentam a própria renda.
Em toda a várzea da região, a pesca movimenta US$ 100 milhões por ano, em uma produção de cerca de 100 mil toneladas, e emprega cerca de 70 mil pessoas. “Se a pescaria de pequena escala entra em colapso, as pessoas vão migrar para a extração de madeira, por exemplo”, diz Alexandre Kirovsky, coordenador-geral de Incentivo à Geração de Novas Tecnologias da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, ligada à Presidência da República.
O manejo geralmente é feito em áreas onde já há escassez de peixes, devido à pesca excessiva. Ele se origina de acordos entre as comunidades ribeirinhas, os pescadores e o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Atualmente, há 34 acordos vigentes na várzea amazônica — os primeiros foram firmados em 1995.
Com o aval dos pescadores de uma região, a área é dividida em três tipos: com lagos de manutenção (onde é permitida a pesca de subsistência, mas não a comercial), de comercialização (onde é permitida a pesca comercial controlada) e de procriação (onde é proibido qualquer tipo de pesca, para que os peixes se reproduzam). Na época de cheia, os peixes dos três tipos de lagos se misturam, e os que nasceram nos locais destinados à procriação migram para os outros espaços, evitando que os espécimes concentrem-se em só um lugar.
Para que as regras se tornem um compromisso, é feito um acordo entre a comunidade e o IBAMA. “As comunidades se reúnem para dar sua opinião e escolhem os tipos de lagos que vão obedecer ao manejo. Depois, técnicos visitam o local para avaliar a saúde dos lagos e fazer o georeferenciamento. Aí é feito o acordo”, diz Alvenilson Aquino, gerente em Parintins (AM) do PROVÁRZEA/ IBAMA (Programa de Manejo dos Recursos Naturais da Várzea, apoiado pelo PNUD)
No início, a quantidade de pescados retirada dos lagos diminui, mas a produção aumenta em, no máximo, dois anos, segundo Aquino. Isso é verificado por meio de um monitoramento constante, em que os peixes são medidos e contados.
Em Tefé (AM), as comunidades próximas à colônia de pescadores V-4 estão se preparando para fazer o manejo a partir deste ano, em uma área que englobará 32 lagos e será explorada por 132 pescadores. Já foi feito um ordenamento dos lagos — passaram a controlar tudo o que é pescado e limitaram a pesca.
“Antes, ninguém mais conseguia pegar peixe, não tinha mais. Agora, os pescadores têm que usar uma escorredeira, uma espécie de peneira que deixa os peixes menores de fora. Para cada espécie, é usado um tipo de malha”, conta o pescador Luiz José Correia Filho, presidente da colônia V-4. Os pescadores, além disso, têm de informar, em uma ficha entregue após a pescaria, quantos exemplares de cada espécie foram capturados. “Sempre tem um fiscal junto na hora que eles vão descarregar o peixe, mas em 90% das vezes eles reportam corretamente, porque sabem que isso vai dar mais segurança pra eles no futuro. A fartura está cada vez aumentando mais”, diz o pescador.
Agora, a colônia se prepara para firmar o acordo com o IBAMA e passar a fazer o manejo de pesca. Quando ele for implementado, afirma Correia Filho, apenas 30% dos peixes dos lagos poderão ser retirados. “Isso vai melhorar a qualidade do peixe. Ele vai ficar cada vez mais gordo. E o preço vai aumentar. O jaraqui, por exemplo, é vendido por R$ 0,30 o quilo, mas o preço dele é R$ 2”, compara. “Quem vive única e exclusivamente da pesca, a família passa fome. Temos que complementar com a agricultura”.
A participação dos pescadores no processo de planejamento do acordo é fundamental, avalia Kirovsky, da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca. “O pescador tem que decidir tudo com os órgãos de governo para que saiba a importância disso”, destaca. “A disposição para realizar o manejo tem que vir das próprias comunidades. São elas que ajudam a delimitar a área que será manejada e a acompanhar se as regras estão realmente sendo cumpridas”.
O manejo de pesca é um dos temas do 6º Intercâmbio das Iniciativas Promissoras, que acontece desde terça-feira e vai até sexta, em Mosqueiro (PA). O evento, organizado pelo PROVÁRZEA/IBAMA, tem o objetivo de promover a troca de informações e de experiência entre os projetos que praticam manejo sustentável na Amazônia.
(Por Talita Bedinelli,
PrimaPagina, 15/08/2007)