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2007-08-16

A Unicamp está participando, por meio do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), de uma pesquisa inédita no
Brasil cujo objetivo é determinar que conseqüências o processo de aquecimento global trará para a economia do país.
 
O estudo, financiado pela Embaixada Britânica, pretende traçar um cenário gradual dos impactos proporcionados pelo fenômeno nas áreas da agricultura,
saúde e energia no período de 100 anos.

Cepagri vai avaliar gado de corte e nove culturas

Ao final dos trabalhos, será elaborado um documento semelhante ao conhecido Relatório Stern, tornado público em outubro de 2006, que apontou que o
Produto Interno Bruto (PIB) mundial poderá sofrer uma perda de 3% (algo como US$ 1,3 trilhão) caso a temperatura do planeta se eleve em três graus
Celsius.

Detalhes da parceria começaram a ser definidos no último dia 3 de agosto, quando um emissário da Embaixada Britânica, Rogério Barbosa, e um
representante do Banco Mundial, Sérgio Margulis, visitaram a Unicamp e a Embrapa Informática Agropecuária.

De acordo com Margulis, brasileiro que atua como economista sênior no Banco Mundial, o estudo em torno dos impactos econômicos causados pelo aquecimento
global será o desdobramento de um trabalho que está em curso no país e que também conta com financiamento do governo britânico.

Iniciado em junho último e com prazo de conclusão de dez meses, essa primeira pesquisa já investiga as conseqüências das mudanças climáticas nas
áreas da agricultura, saúde e energia. Ocorre, porém, que ela não tem um viés econômico.

Os trabalhos atuais estão sendo conduzidos por diferentes instituições. Na área da agricultura, os estudos estão a cargo do Cepagri em parceria com a
Embrapa Informática, cuja sede está localizada no campus da Unicamp em Campinas. O governo britânico destinou o equivalente a R$ 500 mil para
custear este projeto.

Já as investigações nos segmentos da saúde e da energia são realizadas, respectivamente, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Coordenação dos
Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

No que se refere à agricultura, o diretor-associado do Cepagri, professor Hilton Silveira Pinto, explica que o estudo analisa que efeitos o
aquecimento global trará para a o gado de corte – mais especificamente nas pastagens – e em nove diferentes culturas: algodão, cana-de-açúcar, milho,
soja, feijão, arroz, café (arábico e robusto) e mandioca.

“Não pretendemos fazer uma previsão pura e simples do que pode acontecer com a agricultura brasileira se a temperatura subir em um, dois ou três graus
Celsius. Nosso objetivo é desenhar um cenário mais próximo possível da realidade”, explica.

Ele acrescenta que, assim, a comunidade científica, as autoridades e até mesmo os agricultores terão elementos para analisar o problema e, ao mesmo
tempo, definir medidas mitigadoras ou alternativas para controlar os impactos decorrentes das mudanças climáticas.

O diretor do Cepagri afirma que os resultados da primeira pesquisa servirão de base para o segundo estudo, que indicará como a economia do país será
afetada pelo fenômeno em termos quantitativos. Um ganho importante nos dois trabalhos, no entender do professor, é o desenvolvimento de um modelo
regional para traçar o cenário futuro.

Variação regional – Até aqui, destaca Hilton Silveira Pinto, as projeções brasileiras em torno dos impactos do aquecimento global têm sido baseadas em
estimativas mundiais, principalmente as formuladas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).

O pesquisador lembra que, embora realísticos, os cálculos do IPCC não podem ser plenamente transferidos para o Brasil, visto que o aumento da
temperatura deverá variar conforme a região do país.

“Certamente, a elevação da temperatura na Amazônia será uma e no Sudeste, outra. Como nós estamos tratando de agricultura, a estimativa tem que ser
mais detalhada, pois as culturas também diferem muito de um local para outro. Nosso objetivo é traçar um cenário baseado na realidade brasileira”,
diz o professor.

Para isso, os pesquisadores do Cepagri e da Embrapa Informática contarão com a colaboração do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC),
vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe). O modelo empregado pelos pesquisadores do Cepagri e Embrapa Informática leva
em consideração uma série de dados históricos sobre clima, relevo, solo etc. Por meio do cruzamento dessas informações e do auxílio de imagens geradas
por satélites, eles farão uma projeção do comportamento da temperatura em quadrantes com 50 quilômetros de área.

“Dessa forma, poderemos cobrir todo o território nacional detalhadamente. Isso é importante porque a temperatura numa cidade pode oscilar um grau
Celsius, enquanto que num município localizado a 100 quilômetros de distância a variação pode ser de dois graus. Como as culturas também mudam
de uma localidade para outra, o impacto da alteração climática pode ser menor ou maior dependendo do conjunto de variáveis”, reforça o professor.

A partir do momento em que os cientistas souberem como a agricultura brasileira será afetada pelo aquecimento global num período gradual de 100
anos (serão estabelecidos cenários para os próximos 10, 20, 50 e 100 anos), eles tratarão de estimar as perdas que o fenômeno acarretará para a economia
brasileira.

“Nossa intenção é elaborar um documento semelhante ao Relatório Stern. Através dele, a comunidade científica, as autoridades governamentais e a
sociedade de modo geral terão novos e valiosos elementos para discutir que medidas podem ser adotadas para enfrentar o problema”, ratifica o professor
Hilton.

Sérios indícios – Os pesquisadores do Cepagri e da Embrapa Informática já dispõem de pistas sobre o que pode acontecer com algumas culturas agrícolas
brasileiras se a temperatura da Terra continuar avançando nos patamares apontados pelo IPCC. Em 2005, o Jornal da Unicamp publicou reportagem na
qual detalhava um estudo concluído pelas duas instituições referente ao café, arroz, feijão, milho e soja.

Na oportunidade, os cientistas alertaram que as áreas de cultivo desses produtos serão drasticamente reduzidas caso a temperatura média do planeta
suba 5,8 graus Celsius, situação prevista para ocorrer ao longo dos próximos 100 anos, considerando-se que nada seja feito para controlar o efeito
estufa.

De acordo com o estudo, na hipótese desse quadro se confirmar, o café arábico simplesmente desapareceria dos estados de São Paulo, Minas Gerais e
Goiás quando a temperatura atingisse 5,8C acima da atual. A perda seria de cerca de 25% se o aumento fosse de 1C. A tendência, nesse
caso, é que a cultura deste café migre cada vez mais para o Sul do país, onde as condições climáticas passariam a ser mais adequadas às suas
necessidades.

Em relação ao arroz, o acréscimo de apenas um 1C na temperatura do planeta faria com que a área cultivável caísse de 3,7 milhões para 3,4 milhões de
quilômetros quadrados. No pior dos cenários considerados, com 5,8 graus Celsius a mais, a área seria reduzida para somente 1,8 milhão de quilômetros
quadrados.

No que toca ao feijão, milho e soja, os prognósticos não foram muito diferentes. Se a temperatura alcançar o limite máximo tomado para análise,
as áreas aptas para a produção dessas culturas seriam seriamente reduzidas. Algumas delas em mais de 50%, como no caso da soja, que passaria dos 2
milhões de quilômetros quadrados atuais para algo em torno de 900 mil quilômetros quadrados.

O relatório que impactou a opinião pública

A preocupação com os impactos que o aquecimento global pode provocar na economia mundial levou o governo britânico a encomendar um estudo específico
sobre o assunto. A tarefa foi entregue a Nicholas Stern, que já ocupou o cargo de economista-chefe do Banco Mundial.

O relatório, posteriormente batizado com o sobrenome do seu coordenador, somou cerca de 600 páginas e concluiu que o Produto Interno Bruto (PIB)
mundial, que é a soma de todas as riquezas produzidas no planeta, poderá sofrer uma perda de 3% caso a temperatura média da Terra suba três graus
Celsius.

Tornado público em outubro de 2006, o documento causou um enorme impacto na opinião pública e suscitou intensos debates no âmbito da comunidade
científica e entre autoridades governamentais. O Relatório Stern também apontou que ficaria muito mais barato controlar as
emissões de gases de efeitos estufa, tidos como a principal causa do aquecimento global, do que arcar com os prejuízos que o fenômeno pode
acarretar.

Pelos cálculos da equipe comandada por Nicholas Stern, as ações mitigadoras exigiriam investimentos da ordem de 1% do PIB mundial. Ainda segundo o
relatório, caso as mudanças climáticas não sejam enfrentadas seriamente, as principais vítimas dos seus efeitos serão os habitantes dos países mais
pobres.

(Por Manuel Alves Filho, do Jornal da Unicamp, 14/08/2007)


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