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passivos dos biocombustíveis
2007-08-15
Parar de pagar o cortador de cana-de-açúcar por produção e passar a pagar por salário fixo. Esta é a recomendação do economista Francisco José Alves, professor no departamento de engenharia de produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) para acabar com as mortes por excesso de trabalho. O professor concedeu entrevista ao Repórter Brasil, 06-08-2007. O professor defende que desatrelar pagamento e produção é a única maneira de garantir uma vida mais longa ao trabalhador e menos acidentes e doenças decorrentes do trabalho. Hoje, a expectativa de vida de um trabalhador cortando 12 toneladas de cana por dia é de 10 a 12 anos.

Eis a entrevista.

Quais são os problemas do trabalho por produção?
O trabalhador da cana só vai saber quanto produziu depois de um mês, ou no mínimo 15 dias. Ele sabe quantos metros tem a área cortada, mas não sabe qual é o peso dessa cana. E essa conversão será feita pela usina, porque é ela que tem a balança. Então é um trabalho por produção em que o valor da peça não está determinado. Isso faz com que o safrista se esforce mais para ganhar mais. Para cortar 200 metros, ele faz um conjunto de movimentos de cortar a cana, torcer o tronco, flexão de joelho e de tórax, agachar e carregar peso. Num dia, se ele corta seis toneladas por dia, despende aproximadamente 66.666 golpes no dia. No fim do dia, é muito comum os trabalhadores terem cãibras, lordose... É isso que está por trás das mortes dos trabalhadores do campo. Se o que se quer é acabar com as mortes por excesso de trabalho, temos que parar de pagar por produção na cana e passar a pagar por salário fixo.

Qual é o modelo ideal de trabalho para o setor canavieiro?
Temos que pensar que o trabalhador tem que receber um salário que o sustente o ano inteiro. Existe trabalho o ano inteiro: para os tratos culturais, colheita, plantio de cana. Há um conjunto de atividades agrícolas e não agrícolas para serem feitas. Os safristas não trabalham o ano inteiro porque os usineiros não querem, preferem ter um pico de trabalhadores na safra e contrapico na entressafra. Os usineiros conseguiram conquistar o contrato de safra, em que você pode contratar por até oito meses, que é o tempo de duração da colheita. Pagam os direitos, mas não vão pagar a multa de 40% de rescisão do contrato. Isso é uma conquista patronal. Mas não é obrigado a ser assim. Podemos pensar outros contratos de trabalho.

Outra coisa é o valor do contrato de trabalho. Para se ter um parâmetro, na década de 80, na greve de Guariba, os trabalhadores conquistaram um piso salarial pra a categoria, de dois salários mínimos e meio. O piso é referência para os dias que ele não corta cana e baseia o cálculo dos direitos trabalhistas. Isso trazido para o salário de agora daria R$ 950,00. Mas hoje, uma pessoa que corta em média 12 toneladas por dia, ganha entre R$ 600,00 e 750,00 por mês. O piso salarial mais alto da categoria, que acaba de ser negociado pelos trabalhadores que fizeram greve no Estado de São Paulo, é de R$ 500,00, ou seja, um pouquinho mais que a metade do piso salarial da década de 80.

De outro lado, a produtividade do trabalhador entre a década de 80 e hoje duplicou: era de seis toneladas de cana por homem, por dia. Agora é de 12 toneladas por homem, por dia. Quem não corta dez é mandado embora. Portanto, a gente poderia tomar como indicador de salário atual o piso salarial da década de 80. Principalmente num momento em que o álcool é a vedete mundial. A cana está na crista da onda, mas ela tem um enorme passivo trabalhista. Por que é que não se conserta isso? Os usineiros dizem que não podem pagar por produção porque ´sempre foi assim`. Mas não é verdade, uma parte da produção era escrava e os escravos não ganhavam por produção.

E se o piso aumentar para R$ 950 ainda dentro do modelo de recebimento por produção?
Não vai adiantar, porque vai continuar morrendo gente. Vamos tomar por base o salário da década de 80, de R$ 950 e a produtividade da década de 80, de seis toneladas por dia. Agora pensa isso para diferentes pessoas. Se o trabalhador tem um porte atlético, porte atlético do ponto de vista da cana - uma pessoa magrinha, sem massa muscular, mas dotada de muita resistência -, seis toneladas ele tira de letra. Ele tira até 30 toneladas por dia. Para outro trabalhador, essas seis toneladas podem significar a morte. Portanto, não pode haver um atrelamento da produtividade ao salário. É essa relação que leva os trabalhadores a realizarem esforços além dos limites do corpo, é o que leva à morte. A gente tem que desvincular isso.

Como convencer o trabalhador da mudança? Hoje nem safristas nem usineiros querem acabar com o pagamento por produção.
Isso é uma tarefa da atividade sindical. Os empresários não querem e uma parcela do movimento sindical não quer o fim do pagamento por produção, porque dizem que os trabalhadores não querem. Mas não vão para a base para discutir o que é que os trabalhadores querem. A discussão que eles têm que fazer é: querem viver a vida ou ser aleijado precocemente ou morrerem?

No final da década de 80, início dos anos 90, foi definida uma Norma Regulamentadora chamada NR 17. Ela foi discutida por trabalhadores, governo e empregadores e determinava que em atividades repetitivas não poderia haver trabalho por produção. Isso provocou muito protesto dos digitadores, que recebiam por produção e achavam que iriam ganhar menos. Naquela época, muitos trabalhadores estavam sendo afastados por causa de LER [Lesão por Esforço Repetitivo], então era fundamental desatrelar o pagamento da produção.

Para que me vale, do ponto de vista da sociedade, manter um trabalho degradante, algumas vezes em condições análogas ao trabalho escravo, que reduz a expectativa de vida dos trabalhadores, que aleija e que mata? Temos que preservar os bons empregos, os maus empregos têm que ser substituídos por máquinas. O conjunto da sociedade tem que pensar nisso. O ritmo do progresso técnico é determinado pelo país. Todo mundo que é diretamente afetado tem que discutir: as populações, as prefeituras, os trabalhadores.

A expectativa de vida de um trabalhador cortando 12 toneladas de cana por dia é de dez a 12 anos, menor que a expectativa de vida de um trabalhador escravo do fim do século XIX, que era de 12 a 15 anos. Mais do que dez safras cortando cana, o trabalhador está incapacitado para o trabalho: está com lordose e uma série de doenças decorrentes do trabalho. A única expectativa que ele tem é pedir a aposentadoria.

E ele vai se aposentar com cerca de 30 anos...
Claro. E quem paga essa aposentadoria? Somos nós, a sociedade como um todo. Então, o que nós estamos fazendo: estamos apoiando um setor que tem um enorme passivo trabalhista. Eu acho legal o Brasil sair na frente com os biocombustíveis, mas eles têm que reparar o enorme passivo ambiental e social. Temos que produzir álcool, açúcar e outros biocombustíveis em condições socialmente justas e ambientalmente corretas. Nessas condições, é impensável o pagamento por produção.

O fim do pagamento por produção pode ser aplicado apenas ao corte da cana-de-açúcar ou diversos outros setores, como a colheita de laranja ou tomate, por exemplo, também poderiam seguir esse modelo?
Exatamente, eu defendo o fim do pagamento por produção em todo e qualquer tipo de atividade produtiva. Como o que se fez na indústria. Por que a NR 17, que foi feita para indústria não vale para o setor agrícola? O Brasil já tem uma legislação específica que é essa portaria que proíbe o pagamento por produção em atividades repetitivas. A portaria foi feita pensando nos digitadores, mas por que ela não pode passar a valer para os safristas? Pelo poder político dos usineiros... É a esquizofrenia do setor produtor de açúcar e álcool no Brasil, porque ele é dois. De um lado utilizam o que há de mais moderno na tecnologia, na relação com o capital financeiro e na relação com o Estado. E, de outro lado, é o que tem de mais atrasado no mundo, que é o pagamento por produção, anterior à revolução industrial. Se a gente quiser ocupar esse espaço que nos é dado agora, de produzir biocombustível para o mundo inteiro, tem que fazer isso em bases modernas. Não dá para produzir do jeito que foi feito nesses quatro séculos de latifúndio. Tem que pensar numa outra forma.

(Adital, 13/08/2007)

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