Pesquisa revela que vida das pessoas está igual ou pior, não importa área ocupadaHá uma grande inverdade quando algumas cabeças iluminadas do capitalismo em que vivemos proclamam estar no avanço e na ocupação da fronteira da Amazônia a solução para o progresso e desenvolvimento de sua população. Não passa de engodo, por exemplo, dizer que o desmatamento e a pecuária na região trariam mais vantagens econômicas e sociais que a manutenção da floresta em pé. A versão final do estudo “Avanço da Fronteira na Amazônia: do Boom ao Colapso”, dos pesquisadores Danielle Celentano e Adalberto Veríssimo, do Instituo do Meio Ambiente e do Homem da Amazônia (Imazon), desmonta qualquer tese nesse sentido.
Seja nas áreas desmatadas, na sob pressão humana ou naquela onde a floresta não foi mexida, a vida das pessoas está igual ou pior. O legado sócio-econômico é no mínimo perverso. Tanto o avanço quanto a ocupação têm sido marcados pela violência e pela degradação dos recursos naturais. “A economia da região é incipiente e o seu desenvolvimento segue o padrão boom-colapso”, sustenta o estudo. Não há desenvolvimento genuíno, o que é atestado pela situação crítica dos indicadores sociais na região.
As análises apontam que a zona sob pressão está em boom e apresenta o maior crescimento econômico, mas em contrapartida sofre com a violência excessiva e desmatamento acelerado. Por outro lado, a zona desmatada (colapso) apresenta o menor crescimento econômico. No caso da zona florestal, é essencial observar que ela tem indicadores similares aos da zona desmatada. Por último, a zona não-florestal tem um padrão diferenciado, pois está localizada em uma região mais seca e com maior aptidão para uso agrícola se comparado às áreas florestais.
CustosOs dois pesquisadores salientam que a análise do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) revela não haver diferença significativa entre a zona desmatada e a florestal. Por outro lado, o IDH é um pouco melhor nas zonas sob pressão. “Nossos resultados indicam que a conversão dos recursos naturais nos municípios da Amazônia não resultou no desenvolvimento econômico e nem em melhores condições de vida para a população”, acrescentam.
Bem fundamentada, a pesquisa aponta que o desmatamento gera benefícios e custos no curto e no longo prazo. No curto prazo, na zona sob pressão, os indicadores econômicos (PIB e emprego) crescem e o IDH é favorecido pela geração de renda e atração de migrantes com melhores níveis de educação e capital para investimento. Mas os custos são altos com a violência rural e o desmatamento é expressivo.
No longo prazo, na zona desmatada, os indicadores socioeconômicos pioram - exceção para os de violência - e não se diferenciam mais dos das áreas florestais.
Desafio de manter floresta é “imenso e urgente”, afirma a pesquisaPara Danielle Celentano e Adalberto Veríssimo, o desafio de manter a integridade da floresta amazônica é imenso e urgente. As ameaças contra a floresta persistem e se ampliam com o avanço da fronteira. “De fato, se não forem adotadas medidas mais profundas de natureza econômica para valorizar a floresta em pé, o ciclo do boom-colapso poderá gerar impactos ambientais severos ao mesmo tempo em que agrava a situação social na Amazônia”, diz o estudo.
As oportunidades para promover um desenvolvimento com base no uso dos recursos naturais que garantam a qualidade de vida da população e o respeito à natureza estão presentes, mas precisam evoluir do caráter piloto e periférico para o pilar central da vida política, econômica e social da região. O boom-colapso, ainda de acordo com os pesquisadores, não é inevitável. Alternativas de uso sustentável da floresta têm sido propostas e estão sendo executadas na região.
O estudo não mostra somente as mazelas. Também apresenta soluções de curto e de longo prazo. No curto prazo, é necessário investir nos municípios já desmatados para que haja recuperação da base produtiva e a consolidação da agropecuária, do reflorestamento e de outras atividades econômicas. Para isso, é necessário “melhorar a infra-estrutura, estabelecer uma política de crédito, aumentar o acesso aos serviços sociais -educação, saúde, moradia e saneamento - e promover a regularização fundiária nessas áreas”.
ProteçãoNos municípios sob alta pressão, o desafio imediato - continuam os pesquisadores -, é conciliar a conservação das florestas com a geração de emprego e renda. Para isso, seria necessário acelerar as medidas que apóiem a adoção do manejo florestal em diferentes escalas - definição fundiária, crédito, treinamento e tecnologia - e estabelecer mecanismos para o pagamento dos serviços ambientais prestados pela Amazônia para o restante do Brasil e mundo.
Nas áreas florestadas é necessário intensificar a adoção de políticas públicas para fechar o avanço da fronteira como, por exemplo, a criação de áreas protegidas. No longo prazo, sugerem, deve haver mudanças de base na economia da região. A supremacia das atividades primárias com baixo valor agregado deve ser substituída por uma economia onde os produtos e serviços da floresta sejam valorizados e a renda dessas atividades contribua com a melhoria da qualidade de vida da população.
Para isso, é necessário “rediscutir as diretrizes do desenvolvimento da Amazônia e ampliar significativamente os investimentos em Ciência e Tecnologia”. Iniciativas para reduzir drasticamente o desmatamento e até mesmo cessá-lo por completo (moratória) devem ser perseguidas no curto prazo. Esse esforço - resumem Danielle Celentano e Adalberto Veríssimo -, deve reunir não apenas o governo, mas também o setor privado, as organizações sociais e ambientalistas, assim como toda a sociedade brasileira.
Em São Francisco do Pará, luta agora é para preservar o que sobrou
O agricultor José Pires de Moura, 48 anos, é sobrevivente de uma catástrofe ambiental que atingiu São Francisco do Pará, no nordeste do Estado, nos últimos 40 anos. Ele viu empresas madeireiras derrubarem 96% das florestas do município ao longo da extinta ferrovia Belém-Bragança e levarem toda a madeira. Também testemunhou a falência do projeto de plantio e extração de látex da poderosa multinacional americana Goodyear, que empregava quase toda a mão-de-obra da região.
Sobram hoje em São Francisco, de mata nativa, apenas 2 mil hectares. A floresta fica dentro do assentamento de trabalhadores rurais Luiz Lopes Sobrinho, ocupado por 223 famílias. Mas a pressão para derrubar o que restou é muito forte. Os assentados radicalizaram: não deixam entrar nenhum trator ou motosserra e fiscalizam uns aos outros para evitar o corte de árvores.
Quando as árvores ainda estavam livres de ameaças dos madeireiros e havia prosperidade econômica, até 1961, São Francisco tinha outro nome, que políticos influentes detestavam: chamava-se Anhanga. Diziam que era nome associado à coisa ruim. O Anhanga é um ser temido e respeitado na mitologia paraense. Tem a forma de um demônio, mas é do bem. Não gosta de predadores do meio ambiente. Na floresta, protege os animais que servem de caça e castiga o caçador que persegue os animais que ainda mamam ou amamentam.
MelhorA mata parecia longe de virar deserto e a caça era abundante na região sob a proteção do Anhanga, garantem moradores mais antigos. Banido por um decreto estadual, o ser mitológico parece ter lavado as mãos sobre o destino de São Francisco ao ceder o nome do município para o santo católico.
“Eu morava no município de Castanhal e vim para cá ainda garotinho. Não me arrependi. Aqui, apesar de tudo, vivo melhor com minha família do que em Castanhal”, confessa José Moura. Funcionário da prefeitura, o salário mínimo que ele ganha ajuda na sobrevivência da mulher e dos quatro filhos. No quintal da casa, para completar a renda, planta alface, couve e pimenta-do-reino. Vende o que colhe na própria cidade de 15 mil habitantes, faturando mais de R$ 300 por mês.
Mesmo abrigado numa casa de apenas dois compartimentos, Moura garante estar mais feliz do que muita gente da pequena cidade. E tem razão. Os números de São Francisco são de extrema pobreza, segundo os parâmetros da Organização das Nações Unidas (ONU). A renda média anual da população é de R$ 1.485,00, de acordo com o último levantamento do IBGE. Um terço dos moradores vive com menos de um dólar por dia. Isto significa um total de 4.500 pessoas na miséria. Cerca de 60% das casas não têm água encanada e 30% das pessoas com mais de 25 anos são analfabetas.
BolsaA secretária de políticas públicas do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Francisco do Pará, Valdineide Ventura da Silva, observa que a falta de indústrias no município para gerar empregos transformou a população em dependente direta do programa Bolsa Família, do governo federal. “Aqui, 70% das famílias vivem dessa bolsa, que para muita gente, embora pouco, representa muita coisa”, acrescenta Silva.
A vocação agrícola do município, segundo a sindicalista, deveria ser melhor estimulada pelo governo estadual. O que se planta é vendido na própria região, porque o frete é caro para transportar a mercadoria e comercializá-la em Belém, a 110 km de distância.
Vergonha de São Francisco1- Em São Francisco do Pará, 96,2% das florestas foram devastadas, segundo estudo do Imazon.
2- 31% da população sobrevive com menos de 1 dólar por dia. É renda, segundo a ONU, de quem se situa na extrema pobreza. Significa um total de 4.500 pessoas na miséria.
3- Cerca de 60% da população não têm água chegando em suas casas
4- 30% das pessoas com mais de 25 anos são analfabetas
5- Esperança de vida: 66 anos. Mulheres têm em média 4 filhos.
6- Renda anual média da população: 1.485 reais por ano
(
O Liberal, 14/08/2007)