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amazônia
2007-08-15
Pesquisa revela que vida das pessoas está igual ou pior, não importa área ocupada

Há uma grande inverdade quando algumas cabeças iluminadas do capitalismo em que vivemos proclamam estar no avanço e na ocupação da fronteira da Amazônia a solução para o progresso e desenvolvimento de sua população.  Não passa de engodo, por exemplo, dizer que o desmatamento e a pecuária na região trariam mais vantagens econômicas e sociais que a manutenção da floresta em pé.  A versão final do estudo “Avanço da Fronteira na Amazônia: do Boom ao Colapso”, dos pesquisadores Danielle Celentano e Adalberto Veríssimo, do Instituo do Meio Ambiente e do Homem da Amazônia (Imazon), desmonta qualquer tese nesse sentido.

Seja nas áreas desmatadas, na sob pressão humana ou naquela onde a floresta não foi mexida, a vida das pessoas está igual ou pior.  O legado sócio-econômico é no mínimo perverso.  Tanto o avanço quanto a ocupação têm sido marcados pela violência e pela degradação dos recursos naturais.  “A economia da região é incipiente e o seu desenvolvimento segue o padrão boom-colapso”, sustenta o estudo.  Não há desenvolvimento genuíno, o que é atestado pela situação crítica dos indicadores sociais na região.

As análises apontam que a zona sob pressão está em boom e apresenta o maior crescimento econômico, mas em contrapartida sofre com a violência excessiva e desmatamento acelerado.  Por outro lado, a zona desmatada (colapso) apresenta o menor crescimento econômico.  No caso da zona florestal, é essencial observar que ela tem indicadores similares aos da zona desmatada.  Por último, a zona não-florestal tem um padrão diferenciado, pois está localizada em uma região mais seca e com maior aptidão para uso agrícola se comparado às áreas florestais.

Custos
Os dois pesquisadores salientam que a análise do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) revela não haver diferença significativa entre a zona desmatada e a florestal.  Por outro lado, o IDH é um pouco melhor nas zonas sob pressão.  “Nossos resultados indicam que a conversão dos recursos naturais nos municípios da Amazônia não resultou no desenvolvimento econômico e nem em melhores condições de vida para a população”, acrescentam.

Bem fundamentada, a pesquisa aponta que o desmatamento gera benefícios e custos no curto e no longo prazo.  No curto prazo, na zona sob pressão, os indicadores econômicos (PIB e emprego) crescem e o IDH é favorecido pela geração de renda e atração de migrantes com melhores níveis de educação e capital para investimento.  Mas os custos são altos com a violência rural e o desmatamento é expressivo.

No longo prazo, na zona desmatada, os indicadores socioeconômicos pioram - exceção para os de violência - e não se diferenciam mais dos das áreas florestais.

Desafio de manter floresta é “imenso e urgente”, afirma a pesquisa
Para Danielle Celentano e Adalberto Veríssimo, o desafio de manter a integridade da floresta amazônica é imenso e urgente.  As ameaças contra a floresta persistem e se ampliam com o avanço da fronteira.  “De fato, se não forem adotadas medidas mais profundas de natureza econômica para valorizar a floresta em pé, o ciclo do boom-colapso poderá gerar impactos ambientais severos ao mesmo tempo em que agrava a situação social na Amazônia”, diz o estudo.

As oportunidades para promover um desenvolvimento com base no uso dos recursos naturais que garantam a qualidade de vida da população e o respeito à natureza estão presentes, mas precisam evoluir do caráter piloto e periférico para o pilar central da vida política, econômica e social da região.  O boom-colapso, ainda de acordo com os pesquisadores, não é inevitável.  Alternativas de uso sustentável da floresta têm sido propostas e estão sendo executadas na região.

O estudo não mostra somente as mazelas.  Também apresenta soluções de curto e de longo prazo.  No curto prazo, é necessário investir nos municípios já desmatados para que haja recuperação da base produtiva e a consolidação da agropecuária, do reflorestamento e de outras atividades econômicas.  Para isso, é necessário “melhorar a infra-estrutura, estabelecer uma política de crédito, aumentar o acesso aos serviços sociais -educação, saúde, moradia e saneamento - e promover a regularização fundiária nessas áreas”.

Proteção
Nos municípios sob alta pressão, o desafio imediato - continuam os pesquisadores -, é conciliar a conservação das florestas com a geração de emprego e renda.  Para isso, seria necessário acelerar as medidas que apóiem a adoção do manejo florestal em diferentes escalas - definição fundiária, crédito, treinamento e tecnologia - e estabelecer mecanismos para o pagamento dos serviços ambientais prestados pela Amazônia para o restante do Brasil e mundo.

Nas áreas florestadas é necessário intensificar a adoção de políticas públicas para fechar o avanço da fronteira como, por exemplo, a criação de áreas protegidas.  No longo prazo, sugerem, deve haver mudanças de base na economia da região.  A supremacia das atividades primárias com baixo valor agregado deve ser substituída por uma economia onde os produtos e serviços da floresta sejam valorizados e a renda dessas atividades contribua com a melhoria da qualidade de vida da população.

Para isso, é necessário “rediscutir as diretrizes do desenvolvimento da Amazônia e ampliar significativamente os investimentos em Ciência e Tecnologia”.  Iniciativas para reduzir drasticamente o desmatamento e até mesmo cessá-lo por completo (moratória) devem ser perseguidas no curto prazo.  Esse esforço - resumem Danielle Celentano e Adalberto Veríssimo -, deve reunir não apenas o governo, mas também o setor privado, as organizações sociais e ambientalistas, assim como toda a sociedade brasileira. 

Em São Francisco do Pará, luta agora é para preservar o que sobrou
O agricultor José Pires de Moura, 48 anos, é sobrevivente de uma catástrofe ambiental que atingiu São Francisco do Pará, no nordeste do Estado, nos últimos 40 anos.  Ele viu empresas madeireiras derrubarem 96% das florestas do município ao longo da extinta ferrovia Belém-Bragança e levarem toda a madeira.  Também testemunhou a falência do projeto de plantio e extração de látex da poderosa multinacional americana Goodyear, que empregava quase toda a mão-de-obra da região.

Sobram hoje em São Francisco, de mata nativa, apenas 2 mil hectares.  A floresta fica dentro do assentamento de trabalhadores rurais Luiz Lopes Sobrinho, ocupado por 223 famílias.  Mas a pressão para derrubar o que restou é muito forte.  Os assentados radicalizaram: não deixam entrar nenhum trator ou motosserra e fiscalizam uns aos outros para evitar o corte de árvores.

Quando as árvores ainda estavam livres de ameaças dos madeireiros e havia prosperidade econômica, até 1961, São Francisco tinha outro nome, que políticos influentes detestavam: chamava-se Anhanga.  Diziam que era nome associado à coisa ruim.  O Anhanga é um ser temido e respeitado na mitologia paraense.  Tem a forma de um demônio, mas é do bem.  Não gosta de predadores do meio ambiente.  Na floresta, protege os animais que servem de caça e castiga o caçador que persegue os animais que ainda mamam ou amamentam.

Melhor
A mata parecia longe de virar deserto e a caça era abundante na região sob a proteção do Anhanga, garantem moradores mais antigos.  Banido por um decreto estadual, o ser mitológico parece ter lavado as mãos sobre o destino de São Francisco ao ceder o nome do município para o santo católico.

“Eu morava no município de Castanhal e vim para cá ainda garotinho.  Não me arrependi.  Aqui, apesar de tudo, vivo melhor com minha família do que em Castanhal”, confessa José Moura.  Funcionário da prefeitura, o salário mínimo que ele ganha ajuda na sobrevivência da mulher e dos quatro filhos.  No quintal da casa, para completar a renda, planta alface, couve e pimenta-do-reino.  Vende o que colhe na própria cidade de 15 mil habitantes, faturando mais de R$ 300 por mês.

Mesmo abrigado numa casa de apenas dois compartimentos, Moura garante estar mais feliz do que muita gente da pequena cidade.  E tem razão.  Os números de São Francisco são de extrema pobreza, segundo os parâmetros da Organização das Nações Unidas (ONU).  A renda média anual da população é de R$ 1.485,00, de acordo com o último levantamento do IBGE.  Um terço dos moradores vive com menos de um dólar por dia.  Isto significa um total de 4.500 pessoas na miséria.  Cerca de 60% das casas não têm água encanada e 30% das pessoas com mais de 25 anos são analfabetas.

Bolsa
A secretária de políticas públicas do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Francisco do Pará, Valdineide Ventura da Silva, observa que a falta de indústrias no município para gerar empregos transformou a população em dependente direta do programa Bolsa Família, do governo federal.  “Aqui, 70% das famílias vivem dessa bolsa, que para muita gente, embora pouco, representa muita coisa”, acrescenta Silva.

A vocação agrícola do município, segundo a sindicalista, deveria ser melhor estimulada pelo governo estadual.  O que se planta é vendido na própria região, porque o frete é caro para transportar a mercadoria e comercializá-la em Belém, a 110 km de distância. 

Vergonha de São Francisco
1- Em São Francisco do Pará, 96,2% das florestas foram devastadas, segundo estudo do Imazon.
2- 31% da população sobrevive com menos de 1 dólar por dia.  É renda, segundo a ONU, de quem se situa na extrema pobreza.  Significa um total de 4.500 pessoas na miséria.
3- Cerca de 60% da população não têm água chegando em suas casas
4- 30% das pessoas com mais de 25 anos são analfabetas
5- Esperança de vida: 66 anos.  Mulheres têm em média 4 filhos.
6- Renda anual média da população: 1.485 reais por ano

(O Liberal, 14/08/2007)


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