A ação realizada pela Polícia Militar no último sábado (11/08), para retirar os quilombolas que retomaram seu território em Linharinho, Conceição da Barra, reforça o projeto do governador Paulo Hartung em favor do agronegócio. E mostra sua "total e declarada obediência" aos interesses da Aracruz Celulose, considera Valmir Noventa, do MPA.
Valmir Noventa é um dos coordenadores estaduais do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). O MPA e o MST fazem parte da Via Campesina, que apoiou a retomada de parte de Linharinho pelos quilombolas do Sapê do Norte.
A retomada desta área, ocupada e explorada há 40 anos pela transnacional Aracruz Celulose, ocorreu no dia 23 do mês passado. Na região, os descendentes de escravos negros derrubaram os eucaliptos e, em seu lugar, plantaram vegetação da mata atlântica, árvores frutíferas e alimentos. Também construíram barracos, e até uma farmácia.
No sábado, segundo estimativa da comunidade, cerca de 150 soldados da Polícia Militar, fortemente armados, reocuparam a área cumprindo mandado da Justiça Federal.
Na avaliação de Valmir Noventa, os quilombolas que retomaram Linharinho têm "direito e necessidade do território. Têm direito natural, que está acima de qualquer outro, e direito legal, previsto tanto no artigo 68 da Constituição Federal do Brasil de 1988, quanto no Decreto 4.887/03".
Têm necessidade para prover o próprio sustento e de suas famílias, o que não conseguem porque suas terras foram tomadas pela transnacional Aracruz Celulose, sustenta o dirigente do MPA. Lembra Valmir Noventa que a sociedade precisa reconhecer esse direito e a necessidade de reparar 500 anos de exploração dos negros, bem como de reparar os índios, geraizeiros, faxinais, entre outros, da exploração e violência que sofreram e sofrem.
Valmir Noventa afirma que "a luta dos quilombolas é legítima e tem de ser da classe trabalhadora, como é da Via Campesina. Se há alguma invasão no Espírito Santo e particularmente no Sapê do Norte, a invasão é da transnacional Aracruz Celulose. Não dos quilombolas".
Já em relação à ação da Polícia Militar, Valmir Noventa entende que é nada mais do que um reforço ao projeto do governador Paulo Hartung, de ênfase ao agronegócio, particularmente ao do eucalipto. Segundo o dirigente do MPA, há total "comprometimento e obediência" do governador aos interesses deste setor, particularmente à Aracruz Celulose.
Para ele, o governador "pelo menos deveria ouvir os quilombolas, e não consta que tenha feito isso até hoje. O governador e todo o aparato militar que esteve em Linharinho, o próprio juiz que deu a liminar à Aracruz Celulose obedeceram à empresa".
Foi desconsiderado pela Justiça Federal, para efeito de concessão da liminar, o fato de que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já publicou edital informando que pesquisas cientificas realizadas na região comprovam que o território é dos quilombolas. Por lei, cabe ao Incra identificar e devolver o território aos descendentes dos escravos negros.
Em relação ao fato de o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) se recusar a informar onde estão as terras devolutas do Espírito Santo, Valmir Noventa cobrou a responsabilidade legal do órgão de identificar, resgatar e dar destinação social a estas terras.
"Ao não exigir que o Idaf cumpra suas obrigações legais, o governador dá sua parcela de colaboração ao agronegócio e aos fazendeiros. Mas não será com ações assim, e com a de Sábado, que a luta dos quilombolas sofrerá recuo. E a sociedade aos poucos entende e participa do processo de reparação aos povos afro-descendentes", finaliza Valmir Noventa.
(Por Ubervalter Coimbra,
Século Diário, 14/08/2007)