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2007-08-14
Há um ano o motorista Carlos Alberto da Silva, 48 anos, faz de tudo para descobrir o significado dos nomes estranhos que acompanham o resultado do seu exame de sangue. Morador da Cidade dos Meninos, em Duque de Caxias, área contaminada pelo pó-de-broca, ele foi submetido à coleta pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2003, mas o máximo que conseguiu foi um pedaço de papel com o nome de 19 produtos organoclorados que estão no seu sangue. Ele está com erupção na pele e teme que seja sintoma de doença provocada pela contaminação.

Segundo o médico Sérgio Koifman, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e mentor da pesquisa de 2003, organoclorado é um termo genérico que abrange substâncias que contêm carbono e cloro. Algumas, como o Aldrin e o Dieldrin, tiveram a fabricação proibida no Brasil, e produzem efeitos tóxicos a longo prazo.

“Foram feitas 995 coletas e os resultados apresentaram grau de contaminação elevado em quase todos os moradores. O índice só é semelhante ao dos trabalhadores de fábricas de pesticidas”, explicou Koifman. Especialista em Epidemiologia do Câncer e Epidemiologia Ambiental, ele afirma que os moradores infectados têm grande probabilidade de apresentar problemas de infertilidade, má formação congênita, câncer e aborto espontâneo.

“Pode ser que nenhum deles tenha apresentado problemas desse tipo, mas a chance que isso ocorra é muito grande”, revelou. Segundo Koifman, o ideal é que os moradores tenham acompanhamento permanente por várias gerações, que correm riscos.

Ele desaconselha o consumo de alimentos produzidos no local, como verduras, leite e ovos. “O pesticida se acumula na gordura do animal e demora a desaparecer”, disse.
Desde julho, uma parceria entre o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde de Duque de Caxias ampliaram o serviço do Programa Saúde da Família (PSF) na Cidade dos Meninos. Um clínico geral e uma psicóloga do Inca estão coletando sangue dos moradores e fazendo novas avaliações. “Os problemas de má formação devem ser detectados rápido”, avalia Koifman.
Para o morador José Miguel da Silva, 44 anos, que ficou conhecido como Miguel do Pó, as iniciativas do governo federal ainda são pequenas diante do prejuízo à saúde e dos danos morais sofridos pelas famílias.

“Milhares de pessoas estudaram em escolas do bairro que foram fechadas e elas podem ter sido contaminadas. Será que o governo vai procurá-las e saber como elas estão?”, questionou.
Segundo ele, que possui comunidade no site de relacionamentos Orkut, há muitos recados deixados por colegas de infância que estudaram em escola na Cidade dos Meninos e hoje vivem em outros estados.

Difícil de pronunciar, o hexaclorociclohexano (HCH), mais conhecido como pó-de-broca, é um produto tóxico que foi abandonado após a desativação de uma fábrica de pesticidas do Ministério da Saúde. Ao contrário do que muitos pensam, não existe contaminação de uma pessoa para outra. “A contaminação vem do ambiente”, explica o médico Sérgio Koifman.

Ao contrário de uma contaminação radioativa, como ocorreu com o Césio 137, em Goiânia, os sintomas da exposição ao pó-de-broca não são tão evidentes ou rápidos. O grau de contaminação das pessoas apenas pode ser avaliado mediante exame de sangue.

Miguel do Pó, que criou a ONG Ecocidade após a luta pela descontaminação da Cidade dos Meninos, lembra que muitos moradores até hoje desconhecem o assunto.
“Uns chegam perto, envergonhados, e contam que estão com manchas estranhas ou que estão surgindo nódulos no corpo”, explica. Miguel luta para que o projeto de lei, que estabelece indenização de R$ 150 mil por danos morais a cada família, em tramitação no Congresso, seja votado e aprovado.

Solução usada na Espanha
A solução do Ministério da Saúde para a descontaminação na Cidade dos Meninos é a técnica do encapsulamento, que já foi adotada no País Basco, na Espanha, após acidente semelhante numa fábrica de pesticida na década de 80. Serão construídas células de segurança em torno das áreas infectadas, de modo que a contaminação não atinja o lençol freático.

“A técnica é semelhante à que foi usada na contaminação do Césio 137, material radioativo que vazou na cidade de Goiânia, em 1987”, explicou Guilherme Franco Netto, diretor do Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalho, do Ministério da Saúde.

Segundo ele, o trabalho será feito com o acompanhamento da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema). Serão construídas várias camadas e o material contaminado será aprisionado”, explicou ele. Mas o trabalho só será iniciado após a remoção de todas as famílias para uma área segura.

(Por Marcos Galvão, O Dia Online, 14/08/2007)



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