O Pará desceu do pódio da pecuária nacional e já não ostenta mais um dos três maiores rebanhos bovinos do País. Números atualizados retêm o Estado no patamar de 18,5 milhões de cabeças, o que coloca o Pará como o quinto no ranking nacional. Nos últimos três anos principalmente, a queda da taxa de crescimento do rebanho foi vertiginosa. Passou de 14% em 2004 para 5% em 2005 e desceu a irrisórios 0,37% em 2006. Os números da primeira contagem de 2007, que foi feita durante a vacinação contra a febre aftosa em maio, ainda não foram divulgados, mas a previsão é de que a desaceleração tenha se aprofundado ainda mais e chegado inclusive ao decréscimo.
Para a União das Indústrias Exportadoras de Carne do Pará (Uniec), a situação é preocupante, uma vez que o Pará, uma das últimas fronteiras agropecuárias do Brasil, tem enorme potencial para a pecuária de corte. Entretanto, a Uniec entende que todo o segmento que compõe a cadeia produtiva de carne passa por um processo de evolução, uma vez que a forte vocação exportadora do Estado faz com que, obrigatoriamente, o processo de produção passe por considerável evolução.
O presidente da Uniec, Francisco Victer, explica: 'Em outras palavras, é uma nova pecuária, com sustentabilidade ambiental, qualidade sanitária, alta performance tecnológica, neste particular sobretudo nas questões da genética e da reprodução, nutrição e manejo, redução dos custos e melhoria da infraestrutura e comercialização. Todo esse avanço irá qualificar a cadeia produtiva da carne para competir com vantagens comparativas no exigente mercado internacional.'
Desta forma, a diminuição do ritmo do crescimento da pecuária paraense, de tradição extensiva e cuja consolidação e ampliação atraíram cada vez mais investidores a partir de 2000, se revela uma variável regional da estabilização do crescimento na pecuária no Brasil.
Além da baixa rentabilidade, outros fatores também devem ser levados em conta para a desaceleração: a diminuição da expansão das áreas de pastagem, devido ao endurecimento da legislação e da fiscalização ambientais; a redução no processo de recuperação de áreas degradadas, cujos investimentos são altos; e a conversão de pastagens em áreas de reflorestamento, de cana-de-açúcar ou de culturas de grãos como soja e arroz. Do ano passado para cá, uma nova variável passou a compor esse cenário: o abate de matrizes. Como se sabe, a prática reduz a produção de bezerros, os boi de engorda de amanhã.
Ciclo
Diante desse cenário engana-se, porém, quem avaliar que o momento é de crise para a pecuária paraense. O ciclo da baixa rentabilidade vai ficando aos poucos para trás. Em sua auto-regulação, o mercado transformou a redução da oferta de matéria-prima - o boi para o abate - e conseqüentemente a redução de oferta de produtos da cadeia produtiva da carne em melhoria de preços para o produtor, para a indústria e para os atacadistas. O melhor de tudo é que, para o consumidor, isso não implica necessariamente aumento de preços. Afinal, no concorrido mercado da proteína animal - frango, pescado, suínos e caprinos, dentre outros -, a carne bovina se impõe por ser a mais em conta.
Na avaliação da Uniec, ao invés de efeitos prejudiciais para atividade, a diminuição do rebanho bovino e a melhoria da remuneração do pecuarista devem estimular o produtor a buscar ganhos de produtividade. 'Esperamos que eles ampliem a certificação do seu negócio, melhorem os índices de natalidade, obtenham maiores ganhos de peso, reduzam a idade de abate, diminuam o intervalo entre os partos e aumentem a produtividade dos animais', diz Francisco Victer.
Indústria
O parque industrial de frigoríficos no Pará, responsável por milhares de empregos, movimenta cidades importantes como Redenção, Tucumã, Xinguara, Marabá, Eldorado dos Carajás, Água Azul do Norte, Rio Maria, Santana do Araguaia, Altamira, Paragominas, Castanhal, Santarém e até mesmo Belém. Hoje, são ao todo 14 indústrias de grande porte certificadas pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF), quatro em construção, além de dez matadouros autorizados pelo Serviço de Inspeção Estadual (SIE). Na opinião de empresários do setor, esse parque já trabalha com capacidade ociosa, comprometendo a perspectiva de expansão do setor.
Trata-se de um cálculo relativamente simples: com 18,5 milhões de cabeças e uma taxa de desfrute anual na faixa de 18%, ou seja, de 3 milhões de bovinos, o Estado já dá conta de sobra do abate da matéria-prima que sai das fazendas, principalmente as de sua região sul. O desafio do setor agora é manter alta a oferta do boi gordo para a produção verticalizada e até para a venda do animal em pé.
Defensora incondicional da verticalização, a Uniec prega a elevação da carne made in Pará ao grau mais elevado da industrialização: cortes especiais, embutidos enlatados etc. E ainda o aproveitamento de vísceras, ossos, sangue e - acima de tudo - do couro, um produto valioso e que pode abrir novas cadeias produtivas como a dos calçados.
EVOLUÇÃO DO REBANHO BOVINO PARAENSE EM NÚMERO DE CABEÇAS
Novembro de 2000
9.963.874
Novembro de 2001
12.209.366
Novembro de 2002
14.479.723
Novembro de 2003
15.105.925
Novembro de 2004
17.370.781
Novembro de 2005
18.250.652
Novembro de 2006
18.318.554
Exportação de boi vivo se transforma em fenômeno no comércio exterior
De vocação exportadora, a indústria da carne brasileira já vendeu para o exterior US$ 1,4 bilhão somente nos quatro primeiros meses de 2007, isto levando-se em conta que as prateleiras da União Européia estão fora de alcance devido a questões sanitárias. No Pará, também um tradicional exportador de carne processada, a venda de boi vivo, em particular, explodiu nos últimos meses e já se revela um verdadeiro fenômeno de comércio exterior.
O sucesso da commodity entre os produtores instalados em território paraense começou há cerca de um ano e meio com uma tímida e incipiente exportação para o Líbano, na base de dois navios de pequeno e médio porte por mês. Já no ano passado, houve um crescimento inusitado. Chegou-se a 120 mil cabeças vendidas. Para este ano, os números apontam para 1 milhão de bois vivos e gordos exportados pelo Pará.
'Para nós, a exportação é vital. Essa é a nossa vocação e nós não abrimos mão dela', avisa o empresário Lincoln Bueno, um dos nomes mais fortes da pecuária do centro-sul e também do extremo norte do País. Um dos líderes das exportações de boi vivo, Bueno assumiu a dianteira do negócio ao conquistar, este ano, o rico e carente mercado da Venezuela de Hugo Chávez. Lá, o rebanho despencou de 25 milhões para 9 milhões de bovinos e, por isso, os frigoríficos estão ociosos.
Venezuela
Desta forma, menos de três meses após o primeiro contato para prospecções de mercado em Caracas, uma demanda inesperada e urgente se apresentou. 'A proximidade geográfica foi decisiva para a rapidez do atendimento dessa demanda', observa André da Costa Nunes, executivo de marketing do Mafripar, de propriedade de Bueno. Segundo Nunes, em 31 de maio aportou em Puerto Cabello o primeiro navio boiadeiro da história da Venezuela, com direito À presença de autoridades e Imprensa. E o navio era dos menores, com apenas 2 mil reses.
No dia 2 de julho foram embarcados em Belém 12,3 mil bois no navio boiadeiro Danny F, que tem 14 andares e capacidade para 14 mil cabeças de gado. E assim o mês passado fechou com 60 mil reses exportadas apenas para a Venezuela. 'Esperamos atingir a marca de 100 mil reses por mês ainda antes do final do ano', revela Bueno. Embora novas empresas já tenham entrado nesse filão, Bueno Bueno permanece na dianteira. Além do gigante Danni F, operam com ele os navios Anilan Prima, Zaher V, Zaher III, Polux, Estância, Torrens, Kalef e Karin Alah.
Bueno e Nunes observam que uma conjugação de fatores contribuiu, ao mesmo tempo, para que o boom do boi em pé acontecesse: o tamanho expressivo e a sustentabilidade do rebanho paraense, os preços ainda competitivos, o menor custo de logística de embarque no Pará em comparação com outras regiões produtoras e principalmente o diferencial geográfico do Estado, que fica, por assim dizer, de frente para o Caribe e para o Hemisfério Norte.
Embora não seja unanimidade entre os líderes do agronegócio na região, a venda de boi vivo para o exterior dá sinais de que veio para ficar. 'O que temos de fazer é conciliar a commodity boi vivo com os interesses do desenvolvimento do Estado. Sabemos que a capacidade de desfrute do rebanho é finita e também temos consciência de que a prioridade há de ser a agregação de valor à matéria-prima', observa Nunes.
Porto exclusivo para a exportação de gado é projeto que está em cogitação
Para os exportadores, se há mercado para boi vivo, não há por que renegá-lo. No final das contas, os produtores estão vivendo um momento de euforia, com preços mais compatíveis e justos em função da concorrência que a exportação do boi em pé estimula entre os frigoríficos da região, exatamente no momento de maior asfixia da rentabilidade do setor. 'O fato é que o crescente aumento do preço dos insumos e da mão-de-obra estava quase que inviabilizando a atividade e, o que é pior, inibindo qualquer possibilidade de novos investimentos', observam Lincoln Bueno e André da Costa Nunes, respectivamente proprietário e executivo de marketing do Mafripar.
Segundo fontes do Estado, o governo já pensa em construir em tempo recorde, em parceria com a iniciativa privada, um novo porto exclusivo para a exportação de gado, uma vez que os dois únicos existentes, Belém e Vila do Conde, estão com sua capacidade no limite. Já se vêem, por isso, filas de navios boiadeiros fundeados diante de Belém aguardando os embarques.
Para a a União das Indústrias Exportadoras de Carne do Pará (Uniec), o ideal é exportar produtos industrializados. 'Então, é mais vantajoso para o Estado investir em estruturas como câmaras frigoríficas e terminais de embarque, de contêineres que permitam a exportação de carne pelo Pará, principalmente agora com o advento da certificação sanitária internacional, na qual a Organização Mundial de Saúde Animal conferiu ao sul do Pará a condição de área livre de febre aftosa, com vacinação durante sua reunião anual em Paris, em maio último', acrescenta o presidente da entidade, Francisco Victer.
De olho em novos mercados - Angola, Colômbia, Síria, Argélia, Filipinas, Indonésia, além do mercado gigante da Rússia -, os exportadores de boi vivo lembram que, se o Brasil e o Pará chegaram a esse ponto, é porque atingiram um nível alto de produção e oferta de matéria-prima. Grandes exportadores de carne, inclusive a Austrália, o mais especializado de todos, exportam-se, segundo eles, bois vivos para todos os continentes inclusive para a Europa e América do Norte.
(
Diário do Pará, 13/08/2007)