O reconhecimento de terras de comunidades quilombolas cria sério impasse institucional, afirmou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), ex-ministro do Desenvolvimento Agrário no governo FHC. Para ele, a regulamentação feita pelo governo Lula para reconhecer os territórios quilombolas estabelece uma disputa orçamentária entre os potenciais remanescentes de quilombos e os sem-terra. “É um orçamento só para assentar sem-terra e quilombolas”, questionou.
Para a deputada Maria do Rosário (RS), vice-presidente nacional do PT, “o cobertor orçamentário pode ficar curto, mas a concessão de terra a quem não a tem é uma obrigação do Estado”. De acordo com ela, são tão legítimas as reivindicações feitas pelos sem-terra como as dos quilombolas. Ontem, o Estado mostrou que 3.524 comunidades reivindicam 25 milhões de hectares que seriam de antigos quilombos, uma área do tamanho do Estado de São Paulo.
DOIS ERROSJungmann diz que a regulamentação do artigo 68 das Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê o reconhecimento de antigos quilombos, foi equivocada nos governos FHC e Lula. O governo passado definiu que o laudo antropológico para o reconhecimento de antigos quilombos e o assentamento das comunidades deveria ser feito pelo Incra, que, segundo o deputado, não tem conhecimento em antropologia.
Depois o governo FHC transferiu o laudo para a Fundação Palmares, deixando a desapropriação e o assentamento com o Incra. “Houve um descasamento, porque o mérito passou a ser julgado na fundação, mas o orçamento que custeia a operação era do Incra”, disse. O erro do governo Lula, segundo o deputado, foi ampliar o conceito de direito dos quilombolas. “Antes se exigia a posse continuada da terra pelos quilombolas, mas o governo Lula acabou com isso e tornou qualquer terra passível de questionamento.”
Além disso, questiona Jungmann, a Fundação Palmares não tem contraditório na fixação do mérito: como ela defende direitos da população negra, estará sempre simpática a conceder as solicitações das comunidades negras que se auto-intitulam quilombolas. “Há casos em que a ocupação continuada está provada, como as comunidades do Rio Trombetas, no Pará, e do Rio das Rãs, no oeste da Bahia. Mas um número grande dos casos que estão surgindo agora não comprova ocupação continuada”, diz Jungmann.
Maria do Rosário registra que o tema da reparação das comunidades negras é muito recente: “Mas a dívida que existe é tão grande que o que está sendo assegurado aos negros será sempre menos que o justo.” Ela afirmou que secularmente a responsabilidade do Estado “tem sido muito negligenciada com as populações negras”.
(Por Carlos Marchi,
Estadão, 13/07/2007)