"Minha ciência foi criminalizada." Com esta frase, o primatólogo brasileiro nascido na Holanda Marc Van Roosmalen deixou a Cadeia Pública de Manaus (AM) terça-feira (7) à tarde após a aprovação de um pedido de habeas corpus. O cientista estava preso desde o dia 15 de junho, condenado por crime ambiental e peculato (uso indevido de verba pública).
Roosmalen chegou a ter uma solicitação de liberdade provisória negada em primeira instância, mas o TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região emitiu ontem uma decisão em seu favor, por seis votos a zero. O cientista tinha sido sentenciado a 15 anos e nove meses de prisão, mas o processo será revisto agora, com o pesquisador em liberdade.
Entre os crimes pelos quais Roosmalen foi condenado, esteve o de manter 28 macacos em cativeiro em sua residência sem autorização. No processo, Roosmalen afirmou que usava seu quintal como hospital veterinário. O cientista também foi autuado por transportar ilegalmente macacos e orquídeas coletados em Barcelos (a 450 km de Manaus). Pelos crimes ambientais ele somou um ano e seis meses de condenação.
Pela acusação de peculato, Roosmalen fora condenado a 14 anos e três meses. Em 2003, ele foi alvo de uma sindicância no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), onde trabalhava desde 1986. A entidade o demitiu porque ele teria enviado material genético para o exterior sem autorização. Em 2002, Roosmalen também protagonizou um episódio controverso ao tentar "vender", pela internet, o direito à escolha de nomes científicos de novos macacos a quem estivesse disposto a pagar de US$ 500 mil a U$ 1 milhão. A promessa era doar o dinheiro a projetos de conservação ambiental.
"Eu peguei 14 anos de prisão porque fiz ciência", disse Roosmalen à Folha, ao sair da prisão. "Fui vitima de politica. Há vinte anos faço levantamento de flora e fauna neste país. O problema é que eu vi demais." Roosmalen, que descobriu seis novas espécies de primatas na Amazônia, aparentemente era avesso a burocracias e colecionador de inimigos. Em Manaus, dividia opiniões entre as pessoas com quem trabalhou. Entre pessoas que criticaram a condenação está o Secretário de Estado do Meio Ambiente do Amazonas, Virgílio Viana, para quem Roosmalen é "culpado e vítima".
"Ele é culpado por não seguir estritamente regras exigentes e vítima pelo fato de as regras serem pouco inteligentes e sensatas; vitima da burocracia e do atraso", disse Viana. "É inadmissível que um pesquisador sênior com o currículo do Roosmalen seja punido com 14 anos de cadeia tendo, ao que tudo indica, agido de boa fé e em prol da pesquisa científica."
Para conseguir o habeas corpus, os advogados tiveram de convencer o TRF de que o primatólogo não fugiria do Brasil. "Roosmalen sempre viajou e retornou ao país, ele é naturalizado", afirmou Creuza Barbosa Cohen, advogada de defesa. "Com o habeas corpus, eu voltei a acreditar na Justiça brasileira", disse o pesquisador. Nos dias em que ficou na cadeia Roosmalen, dividiu cela com outros cinco presos. Todos os dias recebeu visita de sua mulher, Vivian Garcia, que lhe levava comida.
(Por Giovana Girardi,
Folha de S.Paulo, 08/08/2007)