Caxias do Sul - Um dos principais responsáveis pelo aquecimento global é a produção industrial, alerta o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) José Antonio Marengo, 49 anos. Há 12 anos morando no Brasil, o peruano com formação em climatologia foi um dos palestrantes do Seminário Ambiental realizado na terça-feira pelo Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs).
Em entrevista ao Pioneiro, enquanto visitava alguns pontos turísticos da cidade, o pesquisador abordou temas como a emissão de poluentes na atmosfera e o que as indústrias podem fazer para ajudar a mudar esse quadro, a dificuldade de se investir em formas limpas de energia e a energia nuclear. Para Marengo, é possível que as indústrias sejam mais eficientes em relação ao meio ambiente sem perder produtividade e lucratividade. Acompanhe a seguir alguns trechos da entrevista.
Pioneiro: Sobre o reflexo da produção industrial no meio ambiente, o que se pode esperar para os próximos anos?
José Antonio Marengo: Em relação aos estudos de mudança climática, as principais causas têm sido o aumento na emissão de gases e o efeito estufa pelas indústrias (com a queima de combustíveis fósseis). A idéia agora é tentar reduzir esses níveis de poluição, as indústrias serão mais eficientes, tem o que se chama de descarbonização das indústrias, ou seja, tentar aumentar ou manter os níveis de produtividade reduzindo as emissões. O que é possível, tem sido feito na indústria química na Europa e pode ser feito com benefícios e lucro também. Então a idéia é um pouco tentar aplicar o se chama de mecanismo de desenvolvimento limpo e também o desenvolvimento sustentável.
Pioneiro: Quanto a produção industrial, mais especificamente a brasileira, influencia no aquecimento global?
Marengo: A atividade humana em geral e a indústria, especialmente aquela que tem a ver com queima de combustíveis fósseis, têm sido apontada como algumas das principais causas da mudança climática. No caso do Brasil, não é tanto a indústria, é o outro lado, o desmatamento e as queimadas. Em nível mundial, nos EUA, na Europa, na Rússia, a indústria tem sido o mais importante poluidor. No caso do Brasil, o desmatamento tem sido o maior poluidor, mas ainda assim, se considerarmos um plano do governo para reduzir o desmatamento, aí vem a indústria e o que tem que ser feito. Então vem a idéia de dar incentivos fiscais, por exemplo dar um selo verde, um carimbo verde para as indústrias para que sejam mais eficientes e ainda assim mantenham altos os níveis de produtividade.
Pioneiro: Já não existe esse selo?
Marengo: Existe, mas só na produção de madeira, para madeira que seja oficial, que não seja ilegal. Mas a indústria também está entrando nessa nova onda.
Pioneiro: As licenças ambientais são concedidas com o rigor e a avaliação necessários no Brasil?
Marengo: O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama têm aplicado muito rigor, talvez até demais. Porque, como falei, temos que chegar a um equilíbrio. Desenvolvimento sustentável implica em usar recursos, mas de forma que possamos deixar recursos para gerações futuras. Ou seja, não é bom dizer que não podemos usar, totalmente, mas também não é bom usar tudo e não deixar nada para o futuro. Acho que precisa, não digo de relaxamento, mas um pouquinho mais de realidade nas licenças ambientais, porque ser 100% restritivo não vai ajudar o crescimento da economia.
Pioneiro: Como está funcionando o mercado de créditos de carbono no mundo e no Brasil?
Marengo: Os países poluem e se não podem reduzir a emissão de carbono - por exemplo, a Rússia não pode reduzir a emissão - , então compram créditos em um projeto de reflorestamento no Haiti. Com isso o país tenta ecologicamente se livrar da culpa financiando um projeto em outro lugar do mundo, porque a atmosfera é assim. A atmosfera não é regional, é global. E o Brasil ocupa o terceiro lugar (depois da China e da Índia) em projetos de desenvolvimento limpo. É claro que a idéia não é tanto enriquecer um pequeno grupo que especula, porque aí entra a bolsa de valores, mas tentar reduzir ou incentivar a reduzir as emissões. Se não conseguir, que invistam em projetos.
Pioneiro: Como está o investimento em projetos ambientais no Brasil?
Marengo: Justamente, a idéia dos créditos de carbono é que esse dinheiro seja usado em projetos ambientais. O primeiro foi aquele de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, onde se aproveitava o metano do aterro sanitário. Este é um, e reflorestamento é outro tipo de projeto ambiental. Então a idéia é que com créditos de carbono possam ser desenvolvidos projetos ambientais. Agora, o governo também deveria criar projetos. Por enquanto, que eu entenda, não tem avançado muito, está atrasado.
Pioneiro: Para os empresários que participam do seminário do Simecs, o que é mais importante dizer?
Marengo: O que eu quero mostrar, como minha formação é climatologista, é o problema que já estamos observando que é o aquecimento global e a mudança climática como fato. Tentar mostrar as evidências para que a indústria em geral tente se adaptar a essa nova realidade e, é claro, parte da adaptação é fazer idéia do que são créditos de carbono, projetos ambientais, reflorestamento, utilização de aterro sanitário, reciclagem da água, ou seja, ser mais ecologicamente correto. Não desperdiçar recursos e colocar no contexto o que a indústria pode fazer.
Pioneiro: Existem projetos de pesquisa para produção de energia limpa, mas a maioria deles ainda é muito cara. O senhor acha que ainda demora para que isso seja realmente viável e comece a substituir os derivados de petróleo?
Marengo: Sim e não. Sim porque já começaram alguns projetos. Por exemplo, na Universidade do Rio de Janeiro estão sendo desenvolvidos projetos que a Petrobras está ajudando a investir onde geram energia das ondas oceânicas. Há também projetos que o Inpe, meu instituto, e outros têm trabalhado para produzir energia solar ou eólica, ou também de biomassa, biogás. Mas todos são projetos em pequena escala. Não é, por exemplo, para fornecer eletricidade para Porto Alegre, só para uma pequena comunidade. E é muito caro implantar esses tipos de sistema com funcionamento de grande escala e pouco rentável. Agora, enquanto exista o lobby da indústria de petróleo, sempre vai ter um uso grande de recursos de combustível fóssil. Há uma outra situação que está aparecendo, que é energia nuclear.
Pioneiro: E o senhor é favorável a essa alternativa?
Marengo: Outros países estão vendo como uma solução porque não polui a atmosfera. Eu pessoalmente não estou de acordo. Porque você não vê a poluição atmosférica, mas também não vê a poluição do subsolo, das águas, e isso já começou, não tem saída. É um problema maior, muito grave. É um perigo que você não vê. Eu preferiria energias não convencionais, ainda que sejam de pequena escala, mas vários projetos em todo o país. Só que isso é caro e muitas vezes os governos não estão dispostos a investir.
GlossárioAquecimento global: refere-se ao aumento da temperatura média dos oceanos e do ar perto superfície da Terra que se tem verificado nas décadas mais recentes e à possibilidade da sua continuação durante este século.
Créditos de carbono: são certificados emitidos quando ocorre a redução de emissão de gases do efeito estufa (GEE). Este crédito pode ser negociado no mercado internacional. Créditos de carbono criam um mercado para a redução de GEE dando um valor monetário a poluição. Acordos internacionais determinam uma cota máxima que países desenvolvidos podem emitir. Assim, os países ou indústrias que não conseguem atingir as metas de reduções de emissões tornam-se compradores de créditos de carbono.
Combustíveis fósseis: petróleo e derivados.
Desenvolvimento sustentável: segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) da Organização das Nações Unidas, é aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades.
Fonte: www.wikipedia.org
- Se as medidas de eficácia provadas na indústria mundial fossem aplicadas, as emissões de dióxido de carbono (CO2) poderiam ser reduzidas entre 19% e 32%, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE). Isso significaria diminuir entre 7,4% e 12,4% o total de emissões no mundo.
- O CO2 (gás carbônico) é o principal gás causador do efeito estufa e a indústria mundial representa 36% das emissões desse gás.
- Entre 1971 e 2004, o consumo de energia aumentou 61%, principalmente em alguns países emergentes importantes, o que aumenta a quantidade de CO2 lançada à atmosfera.
- Só a China representou cerca de 80% do aumento no consumo de energia pelas indústrias nos últimos 25 anos.
- Em termos de eficiência, boa parte das diferenças entre as indústrias ou entre os países se deve à idade das unidades de produção - as mais modernas consomem e poluem menos.
(Por Bibiana Mendes,
Pioneiro, 08/08/2007)