Brasília, DF - A produção de carvão vegetal a partir de madeira retirada ilegalmente da floresta amazônica já foi tema de diversas reportagens e motivo de indenizações do Ibama por danos ambientais e multas que somam mais de R$ 1 bilhão. Nada, porém parece capaz de por um fim ao problema.
Estudos realizados em 2006 pelo historiador Maurílio de Abreu Monteiro, professor do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (UFPA), mostram que o desmatamento não-autorizado fornece 57,5% da madeira que alimenta os fornos das carvoarias.
Monteiro pesquisa a produção carvoeira desde o final da década de 80, quando as primeiras indústrias se instalaram nessa região sob a influência do projeto Grande Carajás. "Antes, a produção se concentrava exclusivamente no Sudeste do Brasil. Um dos elementos do projeto foi incentivar a construção de guseiras e todas estão à margem da estrada de ferro Carajás [que liga o interior do Pará ao porto de São Luís, no Maranhão]", disse em entrevista para a agência de notícias Repórter Brasil.
Segundo o professor, o fácil acesso à biomassa vegetal (madeira) barata e abundante, além do acesso ao minério de ferro de alta qualidade, também influenciaram. Inicialmente, houve incentivos fiscais para as empresas se mudarem e hoje existe o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), que dá financiamento público. "Elas se aproveitam da logística oriunda do projeto Grande Carajás e a produção fica mais barata do que no Sudeste. Hoje, 80% do ferro-gusa da região é exportado para o EUA", explicou
Monteiro afirmou que a produção de 3,5 milhões de toneladas de carvão vegetal, consumida pelo setor siderúrgico brasileiro, requer um volume de 22,2 milhões de metros cúbicos em toras de madeira. Esse valor é muito superior ao volume autorizado (9,4 milhões de metros cúbicos) pelo Ibama para a extração no Maranhão e Pará.
Só no Pará são pelo menos 20 mil fornos que funcionam sem autorização. O resultado, segundo uma reportagem do jornal Estado de São Paulo de abril deste ano, é que a devastação da floresta para retirada da madeira e sua transformação em carvão vegetal já alcança mais de 300 mil hectares. E aumenta todos os dias.
Na última sexta-feira, o Jornal Nacional mostrou que o carvão ilegal é negociado abertamente no pólo siderúrgico. Fornecedores e funcionários das empresas confirmaram para os repórteres que o produto pode ser comprado ou vendido sem nenhuma documentação. A reportagem mostrou que o Ibama acusa as siderúrgicas a retirarem ilegalmente o equivalente a 550 mil carretas repletas de toras.
Além de pesadas multas já aplicadas, o Ibama entrou em julho com quatro ações públicas contra as siderúrgicas cobrando indenizações de R$ 832 milhões. De acordo com o Código Florestal, quem explora carvão é obrigado a manter floresta própria para garantir a exploração racional do produto.
Para garantir o pagamento da indenização recorde, o Ibama está pedindo o bloqueio de bens das siderúrgicas e chamou o Ministério Público Federal e o governo do Pará para integrarem a ação.
Em entrevista para o jornal Correio de Tocantins, o superintendente substituto do Ibama no Pará, Aníbal Picanço, disse que as siderúrgicas do Distrito Industrial de Marabá (DIM), "salvo raríssimas exceções", não estão cumprindo as normas ambientais.
"Se não for feito, o caminho natural vai ser a suspensão das atividades, mas nós queremos deixar bem claro que não é o nosso objetivo. Nós queremos que as empresas funcionem, rendendo divisas, promovendo empregos, mas que executem as suas atividades de forma auto-sustentável", disse Picanço ao jornal Estado de São Paulo.
Quatro siderúrgicas foram denunciadas pelo Ibama: a Cosipar, a Simara, a Usimar e a Ibérica, única que se pronunciou para o Jornal Nacional declarando que não utiliza carvão de origem ilegal. A empresa está obrigada a reflorestar com essências florestais nativas da Amazônia, área de três hectares à margem da BR-222, no município de Dom Eliseu.
Entre 2000 e 2006, segundo o jornal Estado de São Paulo, a rentabilidade líquida do ferro gusa, em dólar, teve crescimento de 133%, aumentando a liquidez das empresas. Apesar disso, elas nunca investiram um centavo em reflorestamento para devolver ao meio ambiente o que dele foi retirado.
De acordo com levantamento do Ibama, nos últimos sete anos, foram consumidas pelas siderúrgicas do Pólo Industrial de Marabá sete milhões de metros cúbicos de carvão vegetal, equivalentes a 100 mil hectares de área desmatada ou 21 milhões de árvores derrubadas ilegalmente.
"Esse déficit comprova a gravidade da situação ambiental do setor siderúrgico do estado do Pará. Demonstra a continuidade do elevado índice de ilegalidades na maioria das empresas siderúrgicas vistoriadas no Estado", declara Norberto Neves, um dos coordenadores da Operação Quaresma, deflagrada na região por fiscais do Ibama com o apoio do Batalhão de Policiamento Ambiental – BPA.
(Por Paula Scheidt, CarbonoBrasil /
EcoAgencia, 07/08/2007)