O Parlamento Europeu avaliará durante os próximos meses uma proposta para limitar a quantidade de gases causadores do efeito estufa emitidos pelos veículos que circulam pelas ruas e estradas do mercado comum. Se a experiência acumulada até agora serve para algo, pode-se prever que os eurodeputados sejam alvo de um intenso lobby da indústria automotiva, determinada a fazer naufragar o plano, que pode ser chave para combater as mudanças climáticas, mas que consideram muito caro sob o ponto de vista da reconversão tecnológica que requer.
Tão logo retornem de suas férias de verão, os membros da Comissão de Meio Ambiente retomarão o debate sobre uma iniciativa que propõe reduzir a proporção de dióxido de carbono emitido pelos veículos a 120 gramas por quilômetro. Este tem sido um objetivo da União Européia desde 1996. Mas, o comitê ambiental do parlamento sugeriu em junho adiar até 2015 a data da colocação em prática dessa política de redução de emissões. O dióxido de carbono é um dos gases causadores do efeito estufa, cujo acúmulo na atmosfera esta provocando o aquecimento global, afirma a maioria dos cientistas.
Outra comissão do Parlamento Europeu, dedicada à indústria, havia proposta 2012 como data limite para implementar o plano. Embora os eurodeputados gostem de se descrever como defensores do meio ambiente, alguns repetem quase textualmente os argumentos apresentados pelos representantes da indústria automotiva. O parlamento conta com um grupo multipartidário chamado Fórum do Automóvel e da Sociedade. Um de seus membros mais ativos, o deputado liberal alemão Jorgo Chatzimarkakis, não escondeu seu desejo de suavizar a proposta que fixa o limite de 120 gramas de emissões por quilometro. “Não devemos desmantelar completamente este plano, mas temos de encontrar uma forma de proteger tanto o meio ambiente quanto a indústria automotiva”, afirmou.
As companhias alemãs já haviam anotado uma importante vitória há alguns meses. A Comissão Européia, órgão executivo do bloco de 27 países, havia indicado sua vontade de impor o cumprimento obrigatório da meta de 120 gramas por quilômetro. Mas, em fevereiro recomendou um objetivo menos ambicioso: 130 gramas. A Comissão sugeriu que a proposta original fosse alcançada através de medidas adicionais, que as montadoras poderiam adotar de maneira voluntária.
A mudança ocorreu depois de uma campanha conjunta das empresas alemãs BMW, Volkswagene DaimlerChrysler. Esta última anunciou que a meta original a impediria de continuar produzindo automóveis de luxo. Em conseqüência, seriam perdidos 65 mil empregos. Os ambientalistas consideraram que não passava de uma tática alarmista. “Parece haver o consenso de que tudo que é bom para o meio ambiente é mau para a indústria”, disse à IPS o diretor da Federação Européia do Transporte e Meio Ambiente, Jos Dings.
“A razão é que a indústria automotora fez muito barulho sobre este assunto. Pode transmitir sua mensagem alto e claro, enquanto os fabricantes de autopeças que se beneficiariam com regras mais rígidas, são forçados a permanecer relativamente em silêncio”, acrescentou. “É um fenômeno que vemos constantemente. Os únicos que são ouvidos são os que vêem as regulamentações como uma ameaça, não aqueles que as consideram benéficas. Isto distorce enormemente o debate”, ressaltou Dings.
O Observatório Empresário Europeu, organização dedicada ao estudo do poder que a indústria exerce sobre os que tomam decisões políticas, estima que as empresas automobilísticas têm, pelo menos, 70 pessoas trabalhando em tempo integral como lobistas nas instituições da União Européia com sede em Bruxelas. Esse número não inclui os diversos grupos vinculados com abastecimento, distribuição e vendas, que também têm sua sede nesta capital. Em contraposição, o número de especialistas em transporte de organizações não-governamentais na chega aos dois dígitos. O Greenpeace, talvez a entidade de defesa do meio ambiente mais conhecida na Europa, não conta com um único especialista neste campo em sua sede de Bruxelas, embora, segundo seu porta-voz, esteja a ponto de contratar um.
A indústria do automóvel, graças à sua ampla disponibilidade de recursos, também recorreu a firmas especializadas em relações públicas. weberShandwick, uma das mais importantes de Bruxelas, foi contratada pela DaimlerChrysler, Renault e Volkswagen. Outras firmas com clientes da indústria automotiva são Cabinet Stewart, Burson Marsteller, Arpi, Athenora e Clan Public Affairs. Mas, a Associação Européia de Fabricantes de Automóveis (ACEA, sigla em francês) nega que possa influenciar políticos e funcionários com maior sucesso do que os ambientalistas. “É um erro pensar que exercemos mais influência que outros”, disse o porta-voz da ACEA, Sigrid de Vries. “Em matéria de mudança climática, os ambientalista têm uma influencia considerável sobre a opinião púbica. Esta não é uma luta de Davi contra Golias”, afirmou.
As montadoras devem percorrer um longo caminho para chegarem às metas de redução de emissões atualmente em discussão. A Federação Européia do Transporte e Meio ambiente calculou que em 2005 apenas a Fiat chegou a reduzi-las a 139 gramas por quilometro, marca que a UE havia fixado para 2008. embora Citröen e Renault estejam fazendo progressos para atingir as metas, Audi, BMW e VW marcham a uma velocidade decididamente mais lenta. O desempenho das montadoras dos países da União Européia com a melhor reputação em matéria ambiental também deixa muito a desejar. Em 2004, as emissões médias de dióxido de carbono nas 15 nações que na época formavam a UE eram de 163 gramas por quilômetros. Mas, na Suécia, chegavam a 196 gramas, em média.
Aproximadamente 40% da fabricação de automóveis da Suécia estão em apenas duas firmas: Saab e Volvo. Esta última se mostra especialmente ativa em Bruxelas, tentando legisladores e funcionários para que assistam os encontros que patrocina. Vários eurodeputados serão oradores no Fórum Europeu de Transporte, que acontecerá nos dias 18 e 19 de setembro financiado pela Volvo. Karim Harris, da Rede Européia de ação sobre o Clima, disse que este tipo de encontro é positivo, já que indicam a disposição da indústria para abrir-se ao debate.
“A atitude das montadoras é contraditória em alguns aspectos”, disse Harris à IPS. “Em geral, reconhecem que se deve tomar medidas para um uso mais eficiente da energia. Mas, quando chega o momento de definir leis a respeito, pisam no frei vigorosamente, deixando claro que não desejam medidas muito ambiciosas”, acrescentou a ativista. “Ainda não vimos a mudança de atitude que gostaríamos de ver. Mas, não acreditamos que isto seja razão para não sentarmos à mesa com nossos ‘inimigos’. Fazemos um esforço para dialogar com a indústria e a experiência mostra que os lobistas das montadoras não são abertamente hostis. Alguns são conscientes de que a maré está mudando, e não necessariamente a seu favor”, afirmou Harris.
(Por David Cronin, IPS, 07/08/2007)