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consumismo
2007-08-07
Tenho falhado em explicar minhas críticas ao conceito e à prática do desenvolvimento conforme ele é entendido usualmente. Acho que fracassei ou me expressei mal porque, até hoje, não entenderam o conteúdo do projeto de civilização que defendo, não sozinho, mas acompanhado de uma tradição vigorosa de pensadores, hoje meio esquecidos. O aquecimento global começa a lhes dar razão.

Façamos mais uma tentativa. Na história da humanidade, incluindo nela as sociedades hominídeas pré-sapiens, os sistemas antropossocioculturais podiam apresentar pontos de insustentabilidade ambiental, mas, no todo, eram sustentáveis. Claro que alguns ultrapassaram os limites e pagaram um preço alto por esta transgressão. Os casos da Civilização Índica, no atual Paquistão, da Civilização Maia, na América Central, e da sociedade que habitou a ilha de Páscoa, no Oceano Pacífico, são os mais trágicos.

Contudo, nenhum modo de produção (uso o conceito para buscar o entendimento por parte dos marxistas) conseguiu a proeza negativa dos sistemas antropossocioculturais construídos com a revolução industrial, a partir de fins do século 18. Se os anteriores eram insustentáveis nas partes, mas sustentáveis no todo, o capitalismo e o socialismo podem ser sustentáveis nas partes, mas são completamente insustentáveis no todo.

Ambos desenvolveram, nas bases, o projeto segundo o qual o desenvolvimento só pode ser promovido por grandes unidades produtivas agropecuárias e industriais altamente consumidoras de energia e de matéria para a produção de bens que, após o consumo, geram resíduos abundantes e recalcitrantes ao processo de reciclagem da natureza. No sistema socialista, tentou-se dirigir este desenvolvimento para atender às necessidades essenciais de todas as pessoas. Para tanto, foi preciso conceber um novo modelo político, que desembocou num totalitarismo. Como Marx e os marxistas, no entanto, acreditam que as necessidades humanas são variáveis, conforme o contexto sociocultural, a referência natural foi esquecida ou nunca considerada. Em resumo, se o socialismo concebeu uma nova organização da economia, da sociedade e da política, não houve o mesmo empenho em formular uma nova tecnologia e um novo modelo de desenvolvimento, pois ele competia com o capitalismo para demonstrar que era mais eficiente.

Já no capitalismo, o desenvolvimento a partir de grandes unidades rurais e urbanas, incluiu ainda grandes unidades bancárias e financeiras. A produção de bens não distinguiu o que é essencial do que é supérfluo e nocivo. Assim, a produção de alimentos, de saúde, e de habitação equivale à produção de automóveis, de artigos de luxo e de armas. E tudo para a obtenção de lucros, para o enriquecimento de uma minoria. Uma economia como esta só pode gerar pobreza e miséria da maioria, além de exigir da natureza mais do que ela pode fornecer e consumir. Agora que o capitalismo se tornou dominante e globalizado, o planeta manifesta claramente sinais de esgotamento e de saturação. A ecosfera não está conseguindo repor cerca de 20% do que o capitalismo retira dela. E este percentual tende a aumentar. Por outro lado, os resíduos gerados pelo sistema ultrapassaram a capacidade de reciclagem da ecosfera. Basta atentar para o acúmulo dos gases responsáveis pelo efeito estufa.

Diante das ameaças do aquecimento global e das críticas do ecologismo, governantes e empresários acenam com mudanças apenas mitigadoras. A proposta é manter o sistema ou mesmo ampliá-lo, com o cuidado de otimizar o uso de energia e de matéria, por um lado, e de reduzir os resíduos gasosos, líquidos e sólidos gerados pela produção, por outro. Nada se fala a respeito de reduzir as dimensões da planta das unidades produtivas; de gerar trabalho na produção de bens e serviços essenciais; de diminuir a produção de resíduos; de formular um modelo em consonância com a capacidade de suporte do ambiente; de retirar do produto interno bruto e do índice de desenvolvimento humano os ganhos obtidos com a destruição de ecossistemas aquáticos marinhos e continentais, de ecossistemas vegetais nativos e atmosféricos; com o aumento de ruídos e com a extinção de espécies.

O máximo que se propõe é diminuir a velocidade de um carro que ruma para o precipício, mas não a mudança de rumo do carro. Fala-se muito em desenvolvimento sustentável sem explicitar o seu significado, no sentido de conciliar desenvolvimento com proteção do ambiente. Desenvolvimento sustentável significa, na melhor das interpretações, compatibilizar crescimento econômico com respeito aos limites da natureza. Trata-se de uma panacéia. Este casamento é frágil e vai acabar em divórcio mais cedo do que pensamos. Com um agravante: ele será litigioso e um dos ex-cônjuges vai revidar violentamente. Não por rancor, mas para poder sobreviver. Adivinhem quem vai ser? Estamos nos encaminhando para duas saídas: a ecocivilização ou a falência do capitalismo. Voltamos ao assunto na próxima semana.

(Por Arthur Soffiati, texto recebido por E-mail, 18/07/2007) 

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