Longe de pôr fim à fonte que envenena a cidade andina de La Oroya - o complexo metalúrgico Doe Run -, o governo do Peru criou um plano de contingência para enfrentar seus graus mais perigosos, como se fosse um terremoto. O Plano de Contingência para Estados de Alerta será apresentado no dia 10 deste mês pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conam), que o aprovou, no dia 18 de julho, para proteger os 35 mil habitantes de La Oroya das emanações de dióxido de enxofre, chumbo e cádmio expelidas pelas chaminés da Doe Run.
O mecanismo consumiu dois anos de debates com organizações sociais e não-governamentais e órgãos estatais encarregados de executá-lo e, ainda, com representantes da companhia, que o financiará em grande parte. La Oroya, que fica 180 quilômetros a leste de Lima, é uma das 13 cidades mais poluídas do país, segundo informou o governo em 2001. O não-governamental Instituto Blacksmith, com sede em Nova York, em 2006 a incluiu em uma lista dos dez piores casos do mundo.
O coordenador da Região Centro do Conam, Carlos Rojas, informou ao Terramérica que haverá três níveis de alerta - cuidado, perigo e emergência -, diante dos quais se agirá para limitar a exposição da população afetada e deter parcialmente duas linhas de produção de chumbo e cobre da Doe Run. Os graus de alerta serão adotados de acordo com os níveis de poluição do ar e as previsões climáticas não favoráveis à dispersão de gases e partículas, como baixa temperatura e ausência de ventos. Em nenhum caso, contudo, está prevista a paralisação das operações do complexo metalúrgico, afirmou.
Decretado o estado de alerta, será sugerido à população mais vulnerável (crianças, mulheres grávidas, idosos e pessoas com doenças respiratórias ou cardiovasculares) que não saiam para a rua entre 9 e 13 horas, período do dia com clima mais adverso, fechem portas e janelas de casas, escolas e hospitais, e protejam os alimentos vendidos nas ruas. O restante da população deverá proteger boca e nariz com lenços e cachecol. As máscaras estão descartadas, pois “as pessoas não querem imagens que dramatizem ainda mais a situação”, disse Rojas.
Perguntada sobre a contribuição da Doe Run para o plano de contingência, uma fonte da empresa disse ao Terramérica que são aplicadas medidas de paralisação voluntária desde 2000. Isso acontece em duas unidades identificadas com as que mais contribuem com dióxido de enxofre: aglomeração e conversores de cobre. Em um caso, reduzindo a entrada de enxofre na carga de alimentação, e no outro paralisando um ou vários fornos da fundição de cobre, disse à imprensa. Entretanto, “ainda não se definiu o custo das ações derivadas da implementação do plano de contingência de cada um dos atores envolvidos”, alertou.
Os gases e partículas sólidas afetam os olhos e as vias respiratórias e podem causar afecções nos brônquios e nos pulmões. Além disso, o acúmulo de metais pesados, como o chumbo, no corpo humano, especialmente nas crianças, é fator de desordens de crescimento e aprendizagem e de doenças crônicas. A chaminé principal do complexo lança na atmosfera, em média, 1,5 tonelada de chumbo e 810 toneladas de dióxido de enxofre a cada 24 horas, mais de quatro vezes o nível máximo permitido pela legislação peruana, que é de 175 toneladas diárias, segundo o Ministério de Minas e Energia.
No mesmo dia em que o Conam aprovou o plano, durante três horas foram registrados 12 mil microgramas de dióxido de enxofre por metro cúbico de ar, quando o Padrão de Qualidade do Ar (PQA) permite apenas 364 microgramas. Também foram detectadas 330 microgramas por metro cúbico de um composto que inclui chumbo, cádmio e arsênico, o dobro do permitido pelo PQA. Estudos médicos da não-governamental Cooperação, de 1999 e 2003, e da universidade norte-americana Missouri-Saint Louis, de 2005, revelaram que a maioria dos menores de seis anos tinham mais de 40 microgramas de chumbo por decalitro de sangue (mcg/dl), quatro vezes mais do que os 10 mcg/dl estabelecidos como limite pela Organização Mundial da Saúde.
O plano de contingência estará centrado, nos primeiros quatro meses, na redução de emissões para em seguida passar às medidas referentes aos moradores, após uma campanha de informação. Um dos principais obstáculos do plano foi a aprovação dos moradores de La Oroya, cidade cuja subsistência depende da Doe Run. O prefeito César Gutiérrez, ao contrário de seu antecessor, apóia o programa desde que assumiu o cargo este ano. “É necessário para nos proteger, até que a empresa reduza a contaminação”, disse ao Terramérica.
Além disso, solicitou do Organismo de Supervisão do Investimento em Energia e Mineração informação sobre os resultados da fiscalização feita da Doe Run no começo deste ano. Seu presidente, Alfredo Dammert, disse ao Terramérica que este mês será divulgado se haverá punição para a empresa, principalmente pelas emissões de dióxido de enxofre que estava obrigada a reduzir em 2007. A companhia assegura que a emissão de material particulado diminuiu desde que o complexo começou a operar em 1997, de 147 microgramas para 73 microgramas por metro cúbico de ar. O limite máximo por lei é de 100 microgramas.
A Doe Run afirma que também reduziu em 20% o dióxido de enxofre emitido. Porém, o Conam informou ao Terramérica que a emissão deste agente tóxico é preocupante. Se o plano de contingência tivesse sido aprovado no ano passado, a emergência ambiental teria sido declarada 183 vezes em 2007, acrescentou.
(Por Milagros Salazar,
Terramérica, 06/08/2007)