Já se sabe que as ostras não têm culpa na morte do percussionista da banda Eva Fabrício Scaldaferry, no último dia 24 de julho. Exames provaram que ele foi vítima de uma infecção grave (meningococcemia) causada pela mesma bactéria da meningite. Mas a suspeita inicial – e infundada – de que a morte do músico pudesse ter sido ocasionada pela ingestão do molusco em seu estado cru ainda reflete na economia das marisqueiras: a procura pelas ostras despencou e famílias inteiras estão passando dificuldade.
Na vila de pescadores de Paripe, no subúrbio ferroviário de Salvador, a desolação é do tamanho do prejuízo. Acostumadas, cada uma, a vender, em média, de 40kg a 45kg de ostras por dia, as marisqueiras não se conformam com o pesadelo de não achar compradores para sua principal fonte de renda. Algumas ainda tentam negociar sem sucesso pequenas quantidades na Ceasa de Paripe, quando antes bastava oferecer o produto na porta de casa.
“A ostra é minha vida. Sem ela eu não sobrevivo, tudo o que eu produzo vem dela”, queixa-se Maria Helena Ribeiro, 48 anos de idade, desde os 5 na lida. Do molusco vem o sustento dos 11 filhos que ela cria sozinha, numa casa humilde à beira da Baía de Todos os Santos. “A gente vendia o quilo a R$10. Hoje, mesmo oferecendo a R$6, não encontra quem queira, tudo por causa dessa história mal contada”, revela, gesticulando com as mãos marcadas por cicatrizes e calos.
A colega de profissão Jussara Maria Silva dos Santos, 40 anos, diz que a “confusão” ajudou a desvalorizar ainda mais o trabalho das marisqueiras. “Tirar ostra é muito complicado. A gente se fura, se corta e depois que põe para ferventar (parte das ostras é submetida ao processo) ainda toma essa fumaça na cara o dia todo. Isso nos prejudica e ninguém valoriza o esforço”, reclama. “No dia que eu não tomo de 20 a 30 cortes nos pés e nas mãos, é porque eu não fui. Posso dizer que sustento os meus filhos com sangue”, completa Maria Helena.
Rejeição
Em atividade há quatro meses, a Associação de Pescadores, Marisqueiras e Assemelhados do Subúrbio – com 814 associados, 520 dos quais, marisqueiras – recorreu à Companhia Nacional de Abastecimento, empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Conab) em busca de gêneros e conseguiu oito toneladas de feijão. O presidente da associação, Reinaldo Jorge Cirne, comenta que a rejeição atual às ostras vem se somar aos efeitos de outros problemas enfrentados por quem tira o sustento do mar.
“É uma crise com vários impactos. Primeiro foi um vazamento de óleo que até hoje não saiu o laudo; depois veio a maré vermelha da Semana Santa. Agora, isso, sem falar na pesca com bomba, que continua acontecendo”, coloca. Cirne dá a dimensão do que representa, para cada família de marisqueira, a perda da renda gerada com a atividade. “Com os R$10 da venda de um quilo de ostras, dá para comprar três quilos de chupa-molho, ou então um quilo de chupa-molho mais feijão, arroz, batata. Sem dinheiro, elas estão sendo obrigadas a comer as ostras com o feijão doado pela Conab”, revela, esperando que cestas básicas sejam oferecidas às famílias, “assim como acontece com os quilombolas, as baianas e os sem-terra”.
O pescador defende que o consumo da ostra é seguro como o de qualquer outro animal do mar, desde que se observem alguns critérios básicos. Reinaldo Jorge Cirne explica que a ostra fechada, com a casca oferecendo certa resistência para ser aberta, não representa risco para o consumidor. Já se a tampa estiver aberta ou abrir sem dificuldade, o molusco não deve ser consumido. “Depois de colhida, a ostra vive três dias fora do mar. Água doce e gelo só no dia que for consumir”, explica, assegurando que “se for ferventada, a segurança é ainda maior.
(Por Ciro Brigham, Correio da Bahia, 06/08/2007)