Na agricultura alemã, aumenta concorrência entre a produção de alimentos e bioenergia. UE critica disparada do preço do leite no país e ameaça ampliar cotas de produção, um símbolo da política de subsídios do bloco. O anúncio de que os preços do leite e da manteiga poderão chegar a duplicar na Alemanha produziu cenas, nos últimos dias, que lembraram o drama da hiperinflação enfrentado pelo país antes da Segunda Guerra Mundial. Em algumas cidades, os consumidores chegaram a fazer filas às portas dos supermercados para comprar o máximo possível desses produtos pelo preço antigo.
As reações dos políticos também continham uma boa dose de pânico. Alguns deles sugeriram regras que lembravam a economia comunista da ex-Alemanha Oriental: a renda dos agricultores deveria aumentar, mas a do comércio, não. Analistas vêem nisso uma miopia política diante dos efeitos da globalização do mercado de alimentos. Há meses os preços mundiais de cereais, oleaginosas e laticínios vêm batendo recordes, argumentam.
Na África, por exemplo, o preço da tonelada de trigo teria saltado de 260 para 320 dólares no primeiro semestre deste ano. O aumento da demanda, combinada com intempéries em várias regiões do mundo, estaria agravando a situação. Agricultores alemães protestam por preço justo pelo leiteOs efeitos disso são sentidos também na Alemanha: os consumidores pagam 1,19 euro por 250 g de manteiga (quase 50% a mais do que a um ano); e os pecuaristas ganham de 8 a 10 cents a mais pelo litro de leite.
"Nova libertação dos agricultores"O presidente da Associação dos Agricultores Alemães (DBV), Gerd Sonnleitner, vê ainda uma outra razão para essa evolução dos preços: o aumento da concorrência no campo entre a produção de alimentos e de matérias-primas para biocombustíveis. "Isso é uma espécie de nova libertação dos agricultores. Os tempos da intervenção da União Européia passaram. Os agricultores podem agir ativamente nos mercados", declarou ao jornal econômico Wirtschaftswoche.
Segundo a DBV, não haveria conflito entre a produção de alimentos e de bioenergia, desde que os preços da produção dos alimentos fossem justos. No final das contas, o mercado decide o que vale a pena para o agricultor plantar, alega a entidade. Em 2006, a área cultivada com matérias-primas renováveis na Alemanha atingiu um recorde de 1,6 milhão de hectares (13% da área cultivável do país). E ela tende a aumentar. Pelos planos de Berlim, até 2020, as energias renováveis devem ter uma participação de 27% na geração de eletricidade, 17% nos combustíveis e 14% na calefação.
Peritos prevêem que, para atender essa demanda, a área cultivada com biomassas aumentará para 3 a 4 milhões de hectares até 2030. As lavouras de colza e milho, para produção de biocombustíveis, já estariam aumentando às custas de culturas menos prejudiciais ao meio ambiente e voltadas ao mercado de alimentos.
Escassez de alimentosMesmo assim, na opinião do secretário adjunto do Ministério alemão da Agricultura, Peter Paziorek, os agricultores alemães continuarão produzindo alimentos pelo simples fato de que os preços desses produtos no mercado mundial continuarão aumentando. No ano passado, o país exportou produtos agrícolas no valor de 37 bilhões de euros contra 47 bilhões de euros das importações nesse setor. Sonnleitner vê chances para aumentar as exportações agrícolas alemãs principalmente para países emergentes, como a Índia e a China, onde aumenta o poder aquisitivo da população.
"No final da atual safra, as reservas mundiais de grãos terão atingido seu nível mais baixo dos últimos 30 anos", prevê o Conselho Internacional de Grãos (IGC, na sigla em inglês), em Londres. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) prevê um aumento contínuo do preço do leite até 2016. O principal motivo apontado também é a "virada energética". Neste ano, cerca de 70 milhões de hectares são cultivados em todo o mundo para produzir bioetanol, mas esse valor deverá explodir nos próximos anos, explica a FAO.
Críticas da UEUE não vê justificativa para aumento dos preços do leite e derivadosA comissária de Agricultura do bloco, Mariann Fischer Boel, disse na edição deste final se semana do jornal Bild am Sonntag que, "diante da situação do abastecimento na UE, não há qualquer justificativa para o expressivo aumento do preço do leite na Alemanha".
Ela não descartou a possibilidade de aumentar antecipadamente as cotas de produção do produto, fixadas até 2015. As cotas de produção de leite para cada país da UE foram introduzidas em 1984, como forma de regular os preços e são consideradas um símbolo da política de subsídios agrícolas do bloco. Apesar da reclamação dos consumidores e das críticas da UE, fato é que, em comparação com outros países europeus, os alimentos ainda são relativamente baratos na Alemanha. Segundo dados do Departamento Europeu de Estatísticas (Destatis), em 2006, eles atingiram 87% da média dos preços nos "antigos" 15 países-membros da UE.
Embora muitas lideranças políticas alemãs vejam a questão dos preços dos alimentos apenas como um problema nacional ou, no máximo, europeu, peritos insistem que se trata de um problema global, grave sobretudo na África. A questão-chave para os europeus é formulada assim pelo jornal Rheinischer Merkur: "Podemos resolver o problema do desperdício de energia às custas dos famintos, ao queimarmos alimentos?"
(
Deustche Welle, 04/08/2007)