A Organização das Nações Unidas se converteu na semana que passou em alvo das críticas de ativistas pelos direitos das mulheres, que questionaram sua forma de abordar a mudança climática. A ONU organizou um debate de dois dias sobre o assunto, no qual se passaram em revista problemas como desertificação, fontes de energia renováveis, biocombustíveis e desenvolvimento sustentável. Porém, essa ampla agenda não incluiu a perspectiva de gênero, disse à IPS June Zeitlin, diretora-executiva da Organização da Mulher para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, com sede em Nova York. “As mulheres e as crianças têm 14 vezes mais possibilidades de morrer durante um desastre do que os homens”, acrescentou.
No tsunami que açoitou o oceano Índico em dezembro de 2004, entre 70% e 80% das vítimas fatais foram mulheres. Em 1991, morreram 1450 mil pessoas em Bangaldesh devido a um ciclone: 90% foram mulheres. “O mesmo ocorre nos países industrializados. Mais mulheres do que homens perderam a vida durante a onda de calor na Europa em 2003”, disse Zeitlin durante o debate esta semana, preparatório para a primeira sessão temática na história da Assembléia Geral da ONU, dedicada exclusivamente a discutir a mudança climática. Zeitlin disse que depois do furacão Katrina nos Estados Unidos, em agosto de 2005, as mulheres afro-americanas tiveram de enfrentar os maiores obstáculos para sobreviver. Além disso, elas constituíam o segmento de população mais pobre dos Estados do sul afetados: Alabama, Louisiana e Mississippi.
De acordo com Zeitlin, as pessoas pobres do mundo são, em sua maioria, mulheres, especialmente nas áreas rurais e majoritariamente responsáveis por assegurar a provisão de comida, água e energia para cozinhar e obter calefação. “Estas estatísticas nos obrigam a perguntarmos por que ocorre isto e o que podemos aprender para implementar soluções mais efetivas em resposta à mudança climática”, acrescentou. Zeitlin disse à IPS que ela foi a única no painel de discussão que apresentou uma perspectiva de gênero. Mais de 120 países-membros participaram na quarta-feira da sessão da Assembléia Geral dedicada à mudança climática, um tema que segundo o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, deve ser abordado “frontalmente”.
“Estou convencido de que este desafio, e o que fizermos a respeito, definirá, a nós e a nossa era e, em última instância, o nosso legado”, afirmou Ban. O secretário-geral disse, ainda que “não podemos continuar com as práticas habituais. Chegou o momento para uma ação decisiva em escala global”. Ao falar em representação das 130 nações que integram o Grupo dos 77 países em desenvolvimento, o ministro de Meio Ambiente do Paquistão, Mikhdoom Faisal Saleh Hayat, disse que a mudança climática apresenta sérios riscos e desafios, especialmente para as regiões mais pobres.
“A elevação do nível do mar, o aumento da freqüência e intensidade de furacões, ciclones e inundações, bem como o derretimento dos gelos, as secas e a desertificação, ameaçam o desenvolvimento sustentável, a forma de se ganhar a vida e até a própria existência dos países em desenvolvimento”, afirmou Hayat. O risco é muito maior para algumas nações africanas, os 50 países menos desenvolvidos, os Estados mediterrâneos e os mais pobres localizados em áreas propensas a sofrer desastres, acrescentou. Os países industrializados devem fornecer fundos adicionais para ajudar as nações em desenvolvimento em seus esforços para se adaptarem à mudança climática e aplicar medidas em resposta a este problema, disse Hayat, que também reclamou transferências de tecnologia.
Porém, o mais importante, ressaltou Hayat, é que o mundo industrializado respeite os compromissos assumidos em diversas conferências organizadas pela ONU, começando pela Cúpula da Terra de 1992, no Rio de Janeiro, sobre as metas de desenvolvimento sócio-econômico e um ambiente sustentável. No entanto, um informe da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), intitulado “Energia e gênero”, alerta que as mulheres estão largamente marginalizadas do processo de tomada de decisões e que seu papel no manejo de assuntos ambientais é freqüentemente deixado de lado. “Houve pouquíssimas referências ao gênero nas discussões internacionais sobre mudança climática”, diz o documento.
Zeitlin afirmou à IPS que as mulheres sempre foram líderes nos processos de revitalização das comunidades e no manejo dos recursos naturais. “Contudo, são freqüentemente marginalizadas da esfera pública e estão, portanto, ausentes da tomada de decisões em níveis local, nacional e internacional em relação aos desastres naturais”, acrescentou. Há muitos exemplos sobre o papel-chave das mulheres na sobrevivência das comunidades, assegurou Zeitlin. Em Honduras – recordou – La Masica foi o único lugar do mundo onde não houve mortos em razão da passagem do furacão Mitch em 1998, graças a um sistema de alerta operado por mulheres dessa comunidade. (IPS/Envolverde)
(Por Thalif Deen, da IPS/Envolverde, 03/08/2007)