Ativistas temem que o plano do governo da Malásia para “revolucionar” a agricultura deixe os camponeses mais dependentes ainda de um pequeno grupo de grandes consórcios, que poderiam assumir o controle de toda a cadeia de produção, desde as sementes até as vendas no varejo. O primeiro-ministro, Abdullah Badawi, apresentou um plano para criar a Região Econômica do Corredor Setentrional, durante uma viagem de dois dias pelos Estados peninsualres de Kedah, Perlis, Penang e Perak. Nesse contexto, informou-se que o programa permitirá elevar a renda dos agricultores. Abdullah também informou sobre uma série de projetos que poderiam chegar a US$ 15 bilhões até 2015.
O Corredor Setentrional é o segundo de cinco planos de desenvolvimento regional a ser lançado. O projeto, criado pelo conglomerado empresarial Sime Darby, centra-se na agricultura, na eletrônica e nos setores manufatureiro e turístico. Uma das linhas contida no plano é “modernizar” a agricultura, incorporando-lhe novos métodos de comercialização, para transformar a rica bacia produtora de arroz da região setentrional no principal centro de produção de alimentos do país. Abdullah também lançou um novo centro de pesquisa e desenvolvimento de sementes em Perlis, que será construído por Sime Darby, uma empresa vinculada ao governo. Espera-se que a companhia colabore com especialistas chineses e consiga melhorar a produção com aplicação de alta tecnologia.
Sime Darby formou com outras duas firmas do setor agrícola local um novo megagrupo chamado Synergy Drive, que seria a maior firma mundial de produção de óleo de palma. A Sime Darby também tem 30% das ações da firma britânica Tesco, dona de uma rede de hipermercados na Malásia. Ao ser lançado o plano, a Sime Darby se colocou de lado, supostamente para evitar conflito de interesses, permitindo que a Autoridade de Investimentos do Corredor Setentrional, presidida pelo primeiro-ministro, implemente o projeto.
Em seu estudo sobre a região produtora de arroz, os executivos da companhia se encontraram com famílias em situação de indigência e agricultores com renda insuficiente para sua sobrevivência, terrenos agrícolas com menos de um hectare cada, com apenas um ciclo de cultivo ao ano, e cifras alarmantes sobre deserção escolar. A solução proposta às autoridades foi abordar estas deserções antecipadamente, proporcionando capacitação, e identificar e treinar um grupo de 30 agricultores, que seriam os precursores dos agricultores por contrato. O presidente da Sime Darby, Ahmad Zubir Murshid, disse ao semanário empresarial Edge que sua firma introduziria métodos agro-empresariais mecanizados em um estabelecimento modelo para seu grupo central de plantadores pioneiros, que receberão salários mensais maiores do que a média de seus pares.
Uma vez treinados, os agricultores contratados trabalharam em terras que o governo lhes destinar ou em terrenos manejados por cooperativas. A Sime Darby venderá sementes e fornecerá fertilizantes recomendados aos agricultores por contrato, e depois comprará a produção para processá-la em unidades que terá em sociedade com o Estado e outros empresários. O gigante das plantações comercializará em seguida os alimentos processados, que terão uma marca, através de seus canais de distribuição, especialmente via Tesco. A “semente mãe” patenteada será obtida através de uma “renomada” instituição estrangeira, que trabalhará em um empreendimento de interesse conjunto com a Sime Darby.
“A semente tem potencial em termos de ganhos para nós. Agora estamos olhando os 10 cultivos de sementes mais populares no mercado. Eu o faço do ponto de vista empresarial: onde produzimos e onde vendemos a semente” aos agricultores, disse Ahmad Zubir. Estes cultivos incluem tomate, alho, melancia, batata e milho. Ahmad Zubir também antecipou que os agricultores poderão aumentar sua renda de modo significativo plantando milho entre as temporadas de arroz. Ativistas da sociedade civil expressaram descontentamento. “Será um desastre”, disse o político de oposição Jeyakumar Devaraj. Se o governo de fato quer desenvolver a agricultura, deve adotar um enfoque de baixo para cima, baseado nos camponeses, usando cooperativas e insumos com base no conhecimento dos habitantes, acrescentou.
Por outro lato, estão trabalhando para chegar a uma situação em que a produção de alimentos, das sementes até a venda no varejo, seja controlada por poucas corporações, cuja aspiração principal é maximizar os lucros, disse Devaraj à IPS. Por sua vez, Charles Santiago, coordenador da organização de especialistas Monitoring globalization (Monitorando a globalização), com sede em Kuala Lumpur, destacou o elevado custo de pesticidas e fertilizantes, que poderia endividar ainda mais os agricultores. Inclusive. Se as companhias se estabelecerem, não está claro se os agricultores receberão uma parte eqüitativa dos ganhos, afirmou.
“O que eles estão fazendo realmente é usar uma empresa vinculada ao governo e corporações multinacionais estrangeiras com experiência em sementes, fertilizantes e pesticidas, e todo o projeto tem o aval do governo. Este é um caso clássico de subsidio do governo a capitais privados”, disse Devaraj à IPS. Para Sarojeni Rengam, diretora-executiva da filial Ásia-Pacífico da Presticede Action Network (Rede de ação contra os pesticidas) em Penang, a principal preocupação é contratar agricultores. “Isto faz com que passem de pessoas que tomam decisões a receptores passivos de insumos e tecnologia”, disse à IPS, acrescentando que todos os riscos serão suportados pelos agricultores contratados, que terão de absorver as perdas se as plantações fracassarem.
Sarojeni Rengam também se mostrou preocupada com o uso do milho. “Há uma forte probabilidade de serem usadas sementes geneticamente modificadas, como o milho Bt ou um tolerante a herbicidas, porque estão falando de alta tecnologia”, explicou. Devaraj destacou uma tendência mais ampla. “Todo o enfoque de administração dos recursos da nação está baseado na concepção errônea de que o livre mercado e o setor privado podem fornecer os bens e serviços de modo mais eficiente em todos os setores da economia”, afirmou. Esta crença foi desaprovada pelo gasto excessivo em saúde privada nos Estados Unidos e pela falida privatização da água em Manila, enfatizou. “Mas nossos planejadores estão depositando toda sua confiança no setor privado e no enfoque de livre mercado”, concluiu.
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Envolverde, 02/08/2007)