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pesca industrial
2007-08-02
A maior planície inundável do mundo é também conhecida como uma das áreas mais piscosas que existem. Mas, como se espaço faltasse, no Pantanal de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul as atividades de pesca escolheram justamente um mosaico de unidades de conservação para pressionar. A alegação é a de que, nos outros lugares, falta peixe nos rios.

O que pode parecer incrível está na ponta da língua dos ribeirinhos. Seu Carlitos e dona Lourença, caseiros da fazenda Mangueiral, às margens do rio Piquiri, atestam que hoje não é tão fácil fisgar no Pantanal. “Antigamente a gente pegava pacu, dourado...agora nem piranha”, conta a mulher. Apesar do que diz, à porta de onde vive passa um rio bastante procurado por pescadores amadores e profissionais em Mato Grosso. De águas razoavelmente claras, no Piquiri os barcos são abundantes. Mas lá, por uma determinação estadual, eles só estão autorizados a pescar na margem direita do rio, a que já pertence a Mato Grosso do Sul, porque a outra beirada do rio está dentro do Parque Estadual Encontro das Águas. O parque, por sua vez, protege trechos de outros rios procurados para pesca na região, como o Cuiabá e o Três Irmãos. Em todos os casos, os ocupantes dos barcos de pesca amadora abordados por funcionários da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso se disseram desinformados sobre a existência da unidade de conservação, criada em 2004. O Parque Estadual Encontro das Águas, com 108 mil hectares, é apenas uma das unidades de conservação localizadas na porção do Pantanal que fica do lado mato-grossense, mas muito próximo da divisa com Mato Grosso do Sul. Além dele, há no município vizinho de Barão de Melgaço a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sesc Pantanal, e em Cáceres a Estação Ecológica Taiamã. Seguindo o curso de descida do rio Cuiabá, que separa os dois estados (também é chamado nesse trecho de rio São Lourenço), existem ainda o Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense, o Parque Estadual do Guirá, a Terra Indígena Guató, e as quatro RPPNs da Ecotrópica, que protegem a Serra do Amolar – uma morraria que se ergue no coração do Pantanal formando uma das paisagens mais belas da região – além de uma gigantesca Área Natural de Manejo Integrado San Matías, no Pantanal boliviano. Tudo isso representa um mosaico de mais de três milhões de hectares protegidos do bioma.
Apesar da dimensão, pelo menos no lado brasileiro isso é quase nada perto do tamanho total do Pantanal e dos diversos outros rios que pertencem à planície inundável. Mesmo assim, a maioria dos barcos de turismo de pesca fazem questão de freqüentar a área do mosaico e percorrem mais de 250 quilômetros subindo o rio Paraguai, numa viagem feita em pelo menos seis horas, dependendo da potência do motor da embarcação. Hoje, esse movimento proveniente de Corumbá movimenta no mínimo 22 grandes barcos e cinco mil profissionais diretamente, segundo os cálculos do consultor Thomaz Lipparelli, que representa a Associação Corumbaense de Empresas Regionais de Turismo (Acert).

Cadê o peixe?
Tanto empenho em atingir as áreas protegidas, mesmo que seja só para passagem rumo a pontos mais ao norte, onde a pesca também é permitida (link matéria pesca conflito), tem várias explicações. Seu Benjamin Dias da Silva, técnico ambiental que trabalha no Ibama e vive desde 1964 onde atualmente é a sede do parque nacional, não pestaneja ao dizer que para os lados de Mato Grosso do Sul não tem mais peixe. “Eles procuram os corixos e as baías aqui perto do parque porque tem mais. E não sobem o rio Cuiabá até o Porto Jofre (uma área de cerca de 150 quilômetros praticamente sem restrições de pesca) porque o rio é barrento”, afirma.
Segundo José Augusto Ferraz, chefe do Parque Nacional do Pantanal, a pesca amadora é responsável por 99% das ocorrências de fiscalização na unidade de conservação. “Também tem pesca profissional e os ribeirinhos, mas essa é uma questão mais local. Nossa maior preocupação são os pescadores que vêm de longe”, diz. Lipparelli, da Acert, reconhece que os empresários levam os turistas para o Pantanal norte por causa da beleza cênica da Serra do Amolar, mas, segundo ele, o trânsito pela área das unidades de conservação é também motivado pela presença dos pescadores profissionais rio Paraguai abaixo. “Os pescadores esportivos não aceitam pesca de rede e tarrafa, o que é proibido. Eles não querem conflito com os profissionais, que não navegam para tão longe”, diz.

“Parece que eles só gostam de pescar onde tem unidade de conservação”, opina Fátima Sonoda, técnica da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema). Para Ferraz, o fato de a região estar legalmente protegida inspira a crença de que lá tem mais peixe. Mas, por enquanto isso é apenas uma suposição. Não há informações atualizadas sobre monitoramento dos estoques pesqueiros no Pantanal. Entretanto, estudiosos sugerem algumas explicações.

De acordo com Emiko Resende, pesquisadora da Embrapa Pantanal, o que comanda os estoques é o pulso de inundação, ou seja, as cheias e as secas anuais. “Quanto mais inunda, mais áreas de alimentação surgem e consequentemente mais peixes”, diz. Mas de 1998 a 2005 as cheias no Pantanal foram muito pequenas e no mesmo período verificou-se um grande aumento no número de pescadores amadores. Somados, esses dois fatores provocaram a sensação de que faltava peixe. “A pesca esportiva cresceu tanto que em 1999 cerca de 59 mil pescadores amadores passaram pelo controle a polícia ambiental em Mato Grosso do Sul. Na época podiam levar 35 quilos de peixes mais um exemplar. Imagina o impacto que isso causou aos estoques”, indaga a pesquisadora. Atualmente, para quem não é profissional o estado permite a pesca de um exemplar mais cinco piranhas. “Mas Mato Grosso e o restante do país costuma autorizar 10 quilos mais um exemplar. Seria importante que pelo menos no Pantanal as cotas fossem iguais porque o sistema é o mesmo”, sugere.

Apesar de não haver pesquisa que comprove a diminuição dos peixes do Pantanal, Emiko reconhece que pelo menos o pacu foi sobrexplotado. “Os impactos foram tantos que superaram a capacidade de reposição dessa espécie”, diz. Segundo ela, de 1979 a 1984 o estado era parceiro da Embrapa na elaboração de estatísticas sobre os estoques pesqueiros. A atividade foi suspensa até 1994 e retomada até 2002. Por esse motivo hoje os verdadeiros estoques estão às escuras.

Outros impactos
Embora o período de cheias menores e o excesso de procura sejam significativos, Emiko considera que o pior dano aos estoques foi o arrombamento do leito do rio Taquari, um dos principais do Pantanal sul-mato-grossense. “Os solos arenosos das cabeceiras erodiram com desmatamento e agricultura. Os sedimentos foram carreados para o Pantanal e o rio ficou tão raso que o leito se tornou mais alto do que a própria planície. Quando vem a cheia ele não consegue mais transportar a água e arromba as margens”, explica. Normalmente, os rios do Pantanal extravasam as margens nas cheias, mas retornam para o leito na seca. Como o Taquari não consegue mais fazer isso, formou uma área de cinco a seis mil quilômetros quadrados permanentemente inundada. O leito do rio, que não é mais influenciado pelo regime de secas e cheias, virou uma área pobre em alimento, o que, segundo a pesquisadora, reduziu em até sete vezes os estoques de peixes em relação ao que havia no final dos anos 70.
Pelo mesmo motivo de interrupção do ciclo natural de inundações e vazantes, Ferraz, ictiólogo especialista em aqüicultura e pesca, lembra que o rio Cuiabá foi fortemente alterado depois da construção da represa de Manso, um lago de 40 mil hectares erguido a poucos quilômetros da capital mato-grossense que, além de ter inviabilizado a produção pesqueira no alto Cuiabá, dita hoje a vazão do rio e o comportamento dos peixes na medida em que suas comportas são abertas e fechadas.
A construção da rodovia transpantaneira, na década de 70, também mudou radicalmente o fluxo das águas em algumas regiões do Pantanal, porque onde era cheio ficou seco e vice-versa. “Fizeram um grande dique para construir a estrada, mas a força da água foi tão grande que foi rompendo em muitos pontos, por isso ela tem tantas pontes. Mas se daqui a um tempo ela rompe de novo, o Pantanal vai mudar mais uma vez”, diz Ferraz.

Isso sem falar nos impactos do despejo de esgotos industriais e domésticos e do assoreamento nas cidades mais próximas às cabeceiras dos rios pantaneiros. “Os peixes migradores precisam de estímulos provocados pelas subidas e descidas dos rios para a formação de cardumes, migração e reprodução. Sem isso todo o sistema, que é muito frágil, entra em colapso”, afirma o ictiólogo. Além disso, a predação de iscas vivas para a pesca esportiva tem gerado problemas à biodiversidade pantaneira. De acordo com Ferraz, estima-se que cada pescador amador use em média 50 iscas vivas por dia, de várias espécies, o que movimenta um mercado paralelo e ilegal de fornecimento desses recursos, que chegam a ser extintos temporariamente em algumas épocas.

Tão espetacular quanto frágil, o Pantanal ainda vive a ameaça da construção de uma hidrovia, que se retificar o curso dos rios para permitir a passagem de grandes barcaças, afetará de modo ainda mais crucial o regime de águas. As unidades de conservação estão atentas, e na medida do possível pedem ajuda para intensificar a fiscalização ambiental. Mas para freqüentar, se divertir ou tirar sustento do Pantanal, Ferraz dá a dica: “O que falta não é informação sobre a presença das unidades e sobre as regras. Falta formação, educação e profissionalismo para lidar com esse ambiente”.

(Por Andreia Fanzeres, OEco, 02/08/2007)



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