O aquecimento global começa a desencadear uma disputa territorial até então impensável, uma vez que um rico tesouro estava sob uma área congelada e inacessível. Com as temperaturas mais amenas, a exploração do solo do mar ártico torna-se uma realidade e os primeiros que irão se arriscar serão os russos, mas canadenses, noruegueses, dinamarqueses e americanos já se preparam para disputar seu espaço na nova corrida pelo ouro submerso.
A maior expedição russa de todos os tempos na região mergulhará nos próximos dias e será a primeira a explorar o solo aquático mais coroado do mundo. A instituição americana Geological Survey estima que 25% das reservas não descobertas de petróleo e gás do mundo estejam sob o Oceano Ártico. Especialistas do Instituto de Oceanografia da Rússia calculam que o território que a Rússia planeja declarar seu pode conter mais de 10 bilhões de toneladas de petróleo, mais outros recursos minerais e vasto estoque de peixes para pesca.
Dois mini-submarinos guiados por humanos serão lançados dentro do mar sob o gelo polar para escovar o chão do oceano três milhas abaixo. Eles irão coletar amostras de pedras e colocar uma bandeira de titânio russa para simbolizar os 460 mil metros quadrados de território internacional – uma área maior que a França e a Alemanha juntas.
A questão sobre quem é dono do Pólo Norte, agora administrado pela Autoridade Internacional do Fundo Marinho, tem sido tratada como acadêmica desde que toda a região está presa em uma camada de gelo impenetrável. Porém com o aquecimento global deixando a camada mais fina, a polêmica voltou a tona. “A razão número 1 para a urgência é o aquecimento global, que torna bem provável que grandes partes do Ártico fiquem abertas para exploração econômica nesta década”, disse o especialista do Carnegie Center de Moscou, Alexei Maleshenko. “A corrida pelo Pólo Norte está ficando muito emocionante.”
Lei de Convenção dos MaresA Lei de Convenção dos Mares de 1982 estabelece um limite de 12 milhas da costa marítima como sendo de cada país, mais 200 milhas de “zona econômica”, onde têm direitos exclusivos. No entanto, a lei deixa em aberto a possibilidade da zona econômica poder ser estendida se puder provar que o solo marítimo seja realmente uma extensão do território geológico do país. Em 2001, a Rússia submeteu documentos às Nações Unidas dizendo que Lomonosov Ridge, que fica abaixo do Oceano Ártico, é na verdade uma extensão da placa continental siberiana e, por isso, deveria ser tratada como território russo. O caso foi rejeitado.
Porém, o grupo de cientistas russo retornou de uma missão de seis semanas no Ártico em junho insistindo que descobriram sólidas evidências para apoiar o pedido da Rússia. Isto fortalece o caminho para a atual expedição, que inclui o gigante quebrador de gelo movido a energia nuclear Rossiya, o enorme barco de pesquisa Akademik Fyodorov, dois submarinos profundos Mir – anteriormente utilizados para explorar os destroços do Titanic – e cerca de 130 cientistas.
A expedição envolverá a coleta de evidências sobre eras, espessura de sedimentos, tipos de rochas, assim como outros dados – todos serão apresentados para a Comissão das Nações Unidas com o objetivo de apoiar o pedido da Rússia. Segundo um dos pilotos dos submarinos, Anatoly Sagelevich, o objetivo a longo prazo é estar preparado para o trabalho permanente neste ambiente. “A região ártica é rica em recursos naturais, mas devemos encontrar um método confiável de desenvolvimento. Esta expedição é muito importante para solucionar esta complicada tarefa. Ninguém nunca tentou mergulhar e trabalhar sob o gelo ártico”, disse.
Outros países nórdicos também estão entrando nesta corrida. O Canadá, que possui a segunda mais longa costa ártica, conduz atualmente um projeto de $70 milhões para mapear o solo marinho no seu lado do Lomonosov Ridge, no que especialistas sugerem ser um prelúdio para fazer sua própria submissão a ONU. No início deste mês, o primeiro-ministro canadense, Stephen Harper, anunciou que construiria oito navios de patrulhas com capacidade para áreas congeladas para defender sua participação. “O Canadá tem uma chance para defender sua soberania no Ártico: Ou nós usamos ou perdemos. E não cometendo erros, este governo pretende usá-lo”, disse Harper.
Países na disputaA Noruega e a Dinamarca são outras possíveis candidatas. Os Estados Unidos também poderia pedir território ártico adjacente ao Alasca, porém obstruído pelas falhas do Congresso em até então não ter ratificado a Lei de Convenção dos Mares. Três anos atrás, os legisladores norte-americanos já estavam em alerta sobre os impactos de não ter assinado a Convenção. Em maio de 2004, o senador republicado Richard Lugar – então presidente do Comitê de Relações Exteriores – disse em audiência que a ONU “iria em breve tomar decisões apontando as áreas continentais que poderiam impactar o próprio pedido dos Estados Unidos pela área e recursos nas nossas margens continentais”.
Alguns especialistas se preocupam com os potenciais conflitos futuros sobre o território e recursos do Ártico, e a mídia russa já destaca em reportagens o “plano de espionagem dos EUA”. Mas outros afirmam que leis internacionais existentes são adequadas para delimitar fronteiras de influência para serem negociadas entre os principais atores. O que não há de se negar é que, como em outros momentos da história da humanidade, mais uma vez recursos naturais serão objetos de fortes disputas para ver quem irá, no fim, destruí-las antes.
(Por Paula Scheidt, CS Monitor /
CarbonoBrasil, 31/07/2007)