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desmatamento da amazônia biocombustíveis emissões de co2
2007-08-01
(Artigo baseado em entrevista a Hans Moser, do Zürich Teiges-Anzaiger, Suíça, maio de 2007. O artigo de Moser, publicado na Suíça, cita a entrevista, mas o presente artigo é inédito. As perguntas servem para balizar as reflexões aqui apresentadas).

No Brasil, existem exemplos de que as mudanças climáticas relativas ao aquecimento global tenham piorado ou até provocado conflitos (sociais / econômicos / políticos)?
Existe uma reciprocidade de efeitos entre o aquecimento global e seus fatores determinantes. Isto explica o ritmo exponencial deste processo. O aquecimento facilita o empobrecimento de solos, a perda de florestas, a desertificação, a maior evaporação das águas, o degelo mais acelerado, o aumento do nível dos oceanos. E estes aceleram, direta ou indiretamente, o aquecimento global. O segundo fator do efeito estufa em escala global é o desmatamento, e a Amazônia é talvez a região que mais sofre esta destruição. Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, a Amazônia perdeu 154,7 mil km2 de floresta, ou a superfície de quase duas Áustrias.

Durante o primeiro mandato de Lula, perdeu outros 84,4 mil km2 ou a área de mais de duas Suíças. Só em 2004, foram-se 27.429 km2. Em 2005, 18.793 km2. O ritmo do desmatamento tem, pois, diminuído devido aos esforços do Ministério de Minas e Energia e à fiscalização, ainda que precária, do Ibama. Mas a destruição continua. Os impactos sobre as populações da floresta - indígenas, famílias e comunidades de trabalhadores agroextrativistas, quilombolas - têm sido dramáticos. Os conflitos têm ocorrido persistentemente, e de formas muito violentas, sendo os trabalhadores e indígenas as principais vítimas. As ligações entre os interesses privados e os poderes locais agravam ainda mais a violência.

Você poderia mencionar um ou dois exemplos concretos?
Uma das razões da destruição da floresta é o conceito e a prática corporativa de buscar o máximo lucro a curto prazo, transformando todo custo não imediato em externalidade, e transferindo-o para a sociedade ou o setor público. A visão que precisava prevalecer é da Amazônia como um sistema organicamente integrado, em que floresta, bacia hidrográfica e biodiversidade se sustentam e se harmonizam reciprocamente. Já existem áreas em que a floresta não vai mais retornar. Como reduzir o impacto humano sobre a floresta? Os grandes projetos (Transamazônica, Tucuruí, Balbina, as usinas do Rio Madeira, entre outras, as atividades de mineração, as termoelétricas da Companhia Vale do Rio Doce, a agropecuária (soja e gado), as madeireiras e as estradas para as cidades são as principais responsáveis por esta dupla dívida - social e ecológica.

O efeito da soja sobre a Floresta Amazônica tem sido desastroso. A Cargill, transnacional de base estadunidense, é um dos principais agentes de destruição, com graves efeitos sobre a sociedade local. Ela promove a monocultura, deslocando famílias tradicionais de agricultores, elevando o preço da terra, provocando perdas de rebanhos devido aos agrotóxicos. Esta atividade vem dos anos 80, começou com a derrubada da floresta para a pecuária, depois para o cultivo da soja. A Cargill é acusada de atrair pequenos agricultores com promessas, depois comprar suas terras e exportar a soja. São dois bilhões de toneladas, o que torna o estado norte-americano de Minesotta o agente mais rico do Mato Grosso. Não há indústrias na região. O modelo é agroexportador: produzir e exportar matéria-prima para alimentar o gado do hemisfério Norte às custas da destruição da Floresta Amazônica, cujas terras arrasadas são transformadas em monoculturas vulneráveis a pragas, que demandam sempre mais agroquímicos para manter os padrões de produtividade.

Neste caso, como o conflito surgiu e como é que ele se desenvolveu?
"Que benefícios traz a Cargill aqui no Pará? O lucro vai embora, resta para nós a destruição. O capitalismo não tem alma. Alimenta-se de lucros. Mas nós, humanos, temos direitos! Infelizmente o Estado ou é fraco ou está aliado com os interesses dos ricos. Mais de mil dirigentes camponeses e indígenas foram mortos por defender a Amazônia, só no Pará. Precisamos fugir da doutrina de que deus é o mercado!" São palavras de Frei Edilberto Sena, missionário no interior de um dos maiores e mais violentos estados do Brasil, em grande parte coberto pela Floresta Amazônica.

De repente, a partir dos vários relatórios que têm sido publicados sobre o aquecimento global, (cito o britânico, por Nicholas Stern, e os do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas) a opinião pública mundial mobilizou-se e os governos começaram, com atraso, a adotar medidas que visam mitigar seus efeitos, acelerar a redução da ameaça e, em alguns países, adotar políticas que facilitam a adaptação das populações às mudanças sempre mais iminentes. O lançamento da proposta da agroenergia ganhou vigor. Experimentos datam já de mais de 30 anos, e o Brasil é um pioneiro na produção de agrocombustível a partir da cana de açúcar. A consigna agora é o ‘biodiesel’, o etanol para ser misturado com a gasolina e diesel, e o óleo combustível de origem vegetal, reduzindo assim as deletérias emissões de CO2 e de outros gases estufa.

O Brasil aparece como o país mais promissor. Ele produz hoje 18 bilhões de litros de etanol por ano a partir da cana-de-açúcar e, por pressão dos ávidos mercados dos países ricos, o governo pretende aumentar a produção para 130 bilhões de litros por ano até 2013, o que significará mais um milhão de postos de trabalho. Mas em que condições?
A via proposta pelos presidentes Bush e Lula traz embutida a ilusão de que as ameaças de crise global, sejam elas no campo social, financeiro, ecológico ou político-militar se resolvem com a ciência e a técnica. Os movimentos sociais afirmam que as invenções tecnológicas são importantes, mas são as comunidades humanas o principal fator de correção dos rumos da relação ser humanomeio natural. Advogam também que a prevenção, a mitigação e a adaptação têm todas uma dimensão política dominante: que interesses devem predominar, em que prazos, envolvendo que sujeitos?

A produção de álcool ou de qualquer outro combustível a partir da biomassa não é um problema em si. O problema é o contexto político-econômico, social e tecnológico que condiciona seus objetivos e seus métodos. Se a produção fosse feita a partir dos pequenos agricultores e da agricultura familiar, visando primeiramente a autonomia deles próprios em alimentos e em combustível, e, só então, a venda ao mercado nacional e internacional, teríamos nessa produção um fator real de desenvolvimento econômico e também social, ao mesmo tempo que a melhora dos índices de emissão de gases estufa! Mas o que se propõe é promover o agronegócio como sujeito principal da produção, transformação e comércio da agroenergia.

O problema da produção de etanol em grande escala, visando prioritariamente a exportação, é múltiplo: movidas pela sede do lucro rápido e a qualquer custo, de ganhos de oportunidade, e do controle dos mercados, as grandes corporações tendem a criar monopsônios em relação aos produtores menores, e monopólios em relação ao controle do produto e dos preços; tendem a introduzir cultivos de sementes transgênicas, que tornam cativos os agricultores aos agroquímicos delas próprias; tendem a implantar monoculturas, não querendo controles ou limites, e utilizando doses maciças de agrotóxicos; e pesquisam a utilização de outras formas de biomassa para produzir o etanol celulósico, a partir de rejeitos, de troncos e galhos de árvores, de todo tipo de planta. Com a cobertura das regras neoliberais da OMC (Organização Mundial do Comércio), pretendem ganhar o controle absoluto sobre essas técnicas e estabelecer o totalitarismo energético a partir de suas estruturas monopólicas. Poderão invadir áreas de cultivo de alimentos e áreas de florestas para produzir agroenergia, mais rentável e, portanto, "justificada pela racionalidade econômica". Empregarão uma massa de trabalhadores precarizados, em condições infra-humanas de vida e de trabalho.

Pela sua condição atual é possível imaginar o que será a exploração social, o roubo de soberania e segurança, e o estrago ambiental quando a demanda efetiva se multiplicar e o agronegócio obtiver as facilidades e incentivos do Estado para a agroexportação em grande escala.

Hoje a produtividade do trabalho já aumentou das seis toneladas por dia tradicionais para 12t por dia. Os cortadores de cana trabalham um mínimo de 12h por dia, sendo a metade sob o sol (ou a chuva). Dão 66 mil foiçadas com o podão por dia. Pelo esforço sobre-humano, perdem 10 litros de água por dia. Muitos vão tomar soro na veia em postos de saúde no fim do dia, para recuperar os sais que perdem. 19 já morreram de esgotamento nos primeiros meses de 2007. Sofrem câimbras que podem provocar parada cardíaca. A vida média destes trabalhadores é inferior à dos escravos coloniais.

A opção do governo Lula pela produção em grande escala a partir principalmente do agronegócio, a venda de terras e usinas a empresas transnacionais sedentas de lucros fáceis gerados por trabalhadores semi-escravos, a decisão de não deixar que preocupações sociais ou ecológicas limitem a capacidade do Brasil de suprir a gigantesca demanda externa de agrocombustível, tudo isto tende a agravar ainda mais as condições de vida e trabalho dos cortadores de cana. "Temos uma oportunidade extraordinária de criar uma nova commodity energética em nível global, da qual seríamos um grande fornecedor em escala global, senão o maior", declara Sérgio Thompson-Flores, presidente da Infinity Bio-Energy, empresa de origem inglesa, criada no Brasil há pouco menos de um ano com o objetivo de adquirir, construir e operar usinas de álcool e açúcar com foco no Brasil, onde já investiu US$ 200 milhões em aquisições (Dinheiro Folha de São Paulo, 16.4.2007:46).

Você acha que nos próximos anos conflitos dessa natureza vão aumentar? Em que áreas prioritariamente?
Tudo vai depender das decisões do Governo Federal e dos políticos. Se eles tiverem coragem de tomar como referência primeira os interesses do povo e da Nação brasileira, optarão pelas referências de médio e longo prazo: produzir a partir dos pequenos agricultores e da agricultura familiar, voltada, primeiro, para as necessidades internas e só depois para a exportação; reestruturar o orçamento público, para priorizar o pagamento das dívidas social e ecológica, isto é, garantir os direitos básicos cidadãos à vida, ao trabalho, ao alimento, ao acesso e à propriedade dos bens e recursos produtivos, à saúde, à educação, etc. A condição para isto é o governo colocar a política energética a serviço de um projeto próprio de desenvolvimento do Brasil, que seja endógeno e tome o capital estrangeiro como suplemento, jamais como fator determinante; um desenvolvimento que seja voltado para a autodeterminação e a auto-suficiência energética do Brasil, antes que para o suprimento de mercados do exterior, que consomem energia em excesso e são os principais causadores do aquecimento global e das outras ameaças à vida e à biodiversidade do Planeta. Mas a tendência é oposta e, portanto, os conflitos tendem a aumentar. A curto prazo, as regiões agrícolas e as florestas são as mais vulneráveis, assim como os aqüíferos superficiais e subterrâneos. A médio prazo, a crise afetará com força de destruição sempre maior as cidades da imensa costa marítima do Brasil. A lógica competitiva será obrigada, por força das circunstâncias, a ceder o lugar ao modo cooperativo de relações sociais. A partir dos desastres sociais, econômicos e ecológicos, acredito que, se sobrevivermos, veremos a aurora de uma era de progresso efetivamente humano.

Na sua opinião, é possível, por exemplo, haver um conflito armado entre latifundiários / empresas transnacionais e pequenos produtores com relação à água?
Conflito armado no campo sempre é possível, nas cidades é pouco provável. Mas um conflito de origem externa é possível, e até provável. Os países do Norte e suas transnacionais, movidas pela cobiça por recursos naturais alheios, não hesitam em usar qualquer meio ilícito ou ilegal, desde a compra de governantes locais até a invasão militar, para garantir seus interesses. É o que temos visto no Oriente Médio, e é o que a América Latina e o Caribe já têm sofrido ao longo dos séculos de colonização eurocêntrica. O motivo atual dos conflitos armados internacionais tem sido o controle dos combustíveis fósseis, cuja extinção está prevista para as décadas em torno da metade do século 21. O desafio atual, do ponto de vista da racionalidade humana e da vida, é preservar ao máximo esta fonte de combustíveis, para que ela dure até que a humanidade tenha viabilizado outras fontes energéticas em escala que garanta a produção suficiente para a garantia da vida e da civilização. Com o aquecimento global e a destruição dos mananciais e das bacias hidrográficas, um novo motivo de guerra desponta, a da água, tornada cada vez mais escassa devido a diversos fatores: o desperdício (a irrigação desperdiça 70% da água que consome, enquanto a área irrigada no mundo mais que dobrou no século 20; a produção agrícola voltada para a produção de carne - um kg de trigo exige 900 litros de água, um kg de arroz, 1.910 litros, um kg de carne, 15.000 litros); águas subterrâneas sistematicamente poluídas pelos agroquímicos, solventes, plásticos, metais pesados e outros materiais contaminantes usados no campo e nas cidades; o mau uso da água (as proporções do mau uso da água no Brasil, segundo o IBGE, são: por assoreamento, 53%; por poluição, 38%; por alterações da paisagem, 35%; por contaminação do solo, 33%, por poluição do ar, 22%; por degradação de áreas protegidas, 20%). Em termos de grandes obras hidroelétricas, o WWF afirma que as barragens estão matando os afluentes dos grandes rios, colocando em risco as próprias bacias hidrográficas, com efeitos inimagináveis para a agricultura, as águas, a vida humana e a biodiversidade.

Portanto, não basta olhar os benefícios da hidroenergia como fonte limpa, há que olhar todo o sistema em que ela vai ser produzida, para que os custos (econômico-financeiros, sociais, ecológicos, de curto, médio e longo prazos) não terminem sendo superiores aos benefícios. Enquanto esta visão sistêmica não passar a prevalecer, a humanidade moderna continuará cortando o galho da vida planetária sobre o qual está sentada.

Existe uma vontade política de prevenir tais conflitos?
Não parece. O governo Lula tem surpreendido a sociedade com declarações consagradoras do agronegócio, tem feito acordos espúrios com transnacionais e com produtores ilegais de alimentos transgênicos, tem assinado documentos de intenções com os Estados Unidos e, eventualmente, com a Europa, dispondo-se não somente a suprir suas demandas por álcool, mas mobilizando outros países gravemente atingidos pela fome a fazerem o mesmo, usando a tecnologia e o saberfazer brasileiros, a começar por países subsaharianos da África! O desmembramento (e provável eliminação) do Ibama é sinal de que algo muito mais grave se avizinha: a omissão do Governo Federal em relação à fiscalização e à regulação das atividades de produção da agroenergia, em benefício do agronegócios e das grandes corporações transnacionais, e em prejuízo dos trabalhadores e trabalhadoras e suas famílias, do território e do meio ambiente do Brasil e da nossa soberania.

Conflitos crescentes são o cenário mais provável, pois as lutas sociais contra estas políticas tendem a recrudescer. Em setembro de 2007, a Assembléia Popular, movimento de base que envolve entidades de diversos setores da sociedade civil, vai realizar um plebiscito nacional focalizando uma das grandes empresas causadoras de depredação ambiental e social no Brasil, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), patrimônio construído pelo povo brasileiro e a seu serviço até 1997, quando foi privatizada de forma espúria pelo governo FHC. O objetivo do plebiscito é que a sociedade se pronuncie sobre o retorno do patrimônio da CVRD para o controle do Estado brasileiro. Eis um exemplo de conflito que tende a colocar sociedade, de um lado e mundo corporativo, do outro. Se o governo optar pela decência e pelo compromisso com a Nação, ele se colocará ao lado da sociedade e empenhará sua vontade política em declarar a nulidade do leilão de privatização, e realizar um profundo saneamento das práticas e dos compromissos da empresa com a sociedade e o meio ambiente.

(Por Marcos Arruda*, Adital, 31/07/2007)
* PACS y Redes Jubileo Brasil y Américas

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