Que a Avenida Paralela é o novo vetor de crescimento de Salvador, os espigões de concreto e a diminuição das áreas verdes fazem mais do que confirmar: denunciam. Uma das devastações mais gritantes é a abertura do acesso para o condomínio Alphaville 2, em frente ao Bairro da Paz, com o aterro do charco e obras que empurram terra em direção ao combalido Rio Jaguaribe, numa área de preservação permanente. Além de terra, empurram-se responsabilidades. As máquinas estão em ação, enquanto a obra segue sem ser fiscalizada por nenhum órgão ambiental.
A NM Empreendimentos tem a licença ambiental concedida pelo Centro de Recursos Ambientais (portaria n0 5698), órgão estadual que afirma caber ao município a fiscalização da construção da via. Já a Superintendência de Meio Ambiente (SMA) se exime da responsabilidade e diz que “não tem poder de polícia”, sobrando para a Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom) o papel de fiscalizar a construção.
“Vamos mandar técnico para averiguação, mas a licença foi concedida pelo CRA, órgão liberador que também deve acompanhar”, explicou o assessor chefe da SMA, Adalberto Bulhões. O gerente de fiscalização de obras da Sucom, César Aleluia, que justificou ter pouco tempo no cargo, afirmou que iria apurar sobre o assunto ontem à tarde. Mas a reportagem não conseguiu retornar a ligação feita pelo novo gestor, porque nenhum dos funcionários do setor tinha seu celular.
“A pergunta que deve ser feita é: as autoridades que são pagas com dinheiro público para cuidar do meio ambiente estão de que lado, da sociedade ou do setor empresarial, que tem interesse em realizar seus objetivos e ignoram qualquer obstáculo?”, perguntou o advogado ambientalista, Rubens Sampaio. Para ele, cabe ao CRA fiscalizar e também adotar providências, pelo menos as relacionadas aos cumprimentos da licença.
Indignação - Enquanto a questão é levantada em gabinetes, a população do entorno acompanha assustada a destruição. O pedreiro Antônio dos Santos, 35 anos, voltava da pescaria no rio Jaguaribe, próximo à obra. “Ninguém sabe o que vai acontecer quando terminarem. O que já sei é que o peixe está sumindo”, afirmou Antônio, morador do Bairro da Paz, que voltava com seis pequenos peixes na cesta. A expectativa de sua vizinha, Mônica Mamede, 30 anos, é de que a construção valorize o bairro e aumente a oferta de trabalho.
Faculdades, home center, condomínios de luxo brotam à medida que a população de bairros antes periféricos como Mussurunga, da Paz e Estrada Velha do Aeroporto (EVA) assistem à sistemática destruição do que resta de mananciais, charcos e vegetação. Em relação ao Alphaville 2, cujas obras estão à todo vapor na Avenida Aliomar Baleeiro, km 8,5 da EVA, os moradores nem esperam usufruir da possibilidade de acesso direto à Avenida Paralela.
Segundo o presidente da Associação do Terreiro Manso Dadalungua Cocuazenza, Ailton Mendes, não houve contato algum com a comunidade. “Chegaram, tão fazendo a obra. Houve uma degradação grande da flora. Quando estavam desmatando sumiram muitos animais. É uma construção particular, toda murada”, consente Ailton, que denuncia que, em oito meses de terraplanagem, moradores reclamaram de rachaduras nas velhas casas do bairro.
Promotora quer novos estudosComo as linhas de tráfego que darão acesso ao condomínio passam por áreas de preservação permanente, a promotora Cristina Seixas solicitou à prefeitura cópia do processo que licencia o empreendimento – aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam). A promotora denuncia que não são apresentadas alternativas de traçado, mas apenas a possibilidade viável economicamente ao empreendimento. “Estou reiterando o pedido. A prefeitura acolheu mais duas áreas para loteamento na Avenida Paralela: o Greenvile e o Colinas do Jaguaribe”, afirmou Cristina, pontuando que as vias de acesso estão localizadas em área pública do município e que a comunidade, da EVA e bairros vizinhos, deve ter sim acesso às vias.
“Foi concedida licença sem outras avaliações. Não existe estudo de impacto ambiental pelo menos na vizinhança. O trabalho tem que ser feito sobre questões técnicas e não políticas e econômicas”, criticou Cristina. Se as questões ambientais não forem observadas, além da vizinhança, todo entorno que depende da saúde do ecossistema sofrerá. “Pode complicar a situação do manguezal do Passa-Vaca e toda uma rede de conseqüências que pode impactar no sistema litorâneo”, observou o professor do Instituto de Biologia da Ufba, Everaldo Lima de Queiroz.
(Por Mariana Rios,
Correio da Bahia, 31/07/2007)