A Lei n° 7.347/85, citada pelo Ministério Público Estadual (MPE) do Espírito Santo para justificar o acordo com a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), não se aplica ao caso. Ela não autoriza o poder público a firmar um Termo de Compromisso Ambiental. Exige, sim, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em que a empresa é obrigada a reconhecer os danos ambientais que causa.
E a assumir responsabilidades, como penalidades. A explicação é do advogado Nelson Aguiar, que prepara uma Ação Civil Pública contra a Vale. Ele está sendo processado pela empresa após divulgar, em panfleto, informações sobre a extensão dos danos à saúde e ao ambiente promovidos pela empresa na Grande Vitória. O advogado já contestou a ação da Vale na Justiça.
Para preparar sua Ação Civil Pública contra a Vale, Nelson Aguiar busca documentos sobre a empresa e sua relação com o poder público. E se assustou com a fragilidade do Termo de Compromisso Ambiental assinado pelo MPE com a CVRD.
Pelo MPE, o Termo de Compromisso Ambiental é assinado por quatro promotores públicos: Carla Mendonça de Miranda Barreto, José Cláudio Rodrigues Pimenta, Luiz Renato Azevedo da Silveira e Ana Carolina Lage Serra, responsáveis pelas curadorias do Meio Ambiente dos municípios de Vitória, Vila Velha, Cariacica e Serra. O Termo foi, depois, ratificado pelo conselho do Ministério Público Estadual.
Tem a "interveniência técnica" do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), representado pela sua diretora presidente, Maria da Glória Brito Abaurre, a participação das associações dos moradores das ilhas do Boi e do Frade, Mata da Praia, Praia do Canto, Enseada do Suá, Praia do Suá e Barro Vermelho e Santa Luzia. Assina pelas associações Paulo Roberto Monteiro Esteves.
O Termo de Compromisso Ambiental é baseado no parágrafo "6°, do artigo 5°, da Lei Federal n° 7.347, de 24 de julho de 1985, e no inciso VIII do artigo 585, do Código do Processo Civil, em razão dos fatos e para os fins de direito".
Nelson Aguiar diz que a figura existente neste artigo de lei é o do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). E exige penalidades, expressas, que poderiam incluir, por exemplo, a determinação de fechar a fonte poluidora no caso de seu não cumprimento. O que não houve no termo assinado pela Vale com o MPE que, ao contrário, só trouxe facilidades para a empresa.
Os promotores deram à Vale a oportunidade, prevista no item 2.2: "Apresentar estudo técnico contendo proposta de melhoria, objetivando promover o controle das emissões de material particulado gerados na ponta da lança dos carregadores de navio dos píeres I e II, durante a operação de carregamento dos navios com minério de ferro e pelotas. Este estudo avaliará, inclusive , o uso de "tromba" e "saias" na ponta da lança dos carregadores. Caso o estudo técnico desenvolvido demonstre viabilidade técnica e econômica para alguma das novas tecnologias identificadas, a compromissária (a Vale) irá apresentar o respectivo cronograma de implantação. Não sendo encontrada alternativa viável sob os aspectos técnico e econômico, a conclusão do estudo será submetida à apreciação da Comissão de Acompanhamento. Neste caso, a CVRD se compromete a continuar a desenvolver novos estudos, adotando medidas mitigatórias provisórias cabíveis".
Nelson Aguiar diz que a medida seria risível, não fossem os danos à saúde e ao ambiente que a poluição da Vale provoca. "Quer dizer que se a Vale julgar que não há viabilidade econômica, simplesmente não tem nada? Esse é um dos absurdos do acordo".
Mas esse não é o único absurdo. Por exemplo: no item 4.1, o Termo de Compromisso Ambiental é expresso: "A celebração do presente compromisso torna desnecessária a adoção de quaisquer outras medidas jurídicas ou judiciais contra a CVRD, salvo se a empresa resistir ao seu integral cumprimento ou se evidenciado fato novo a ensejar a apuração ou investigação pelos órgãos públicos".
O advogado Nelson Aguiar afirma que o Ministério Público "não pode fazer acordo. O órgão é obrigado a fiscalizar o cumprimento da Lei sobre os direitos difusos e coletivos".
Na prática, a CVRD não cumpre a lei. Nem mesmo quando assina Termo de Ajustamento de Conduta, e não um simples Termo de Compromisso Ambiental, figura jurídica não contemplada no artigo da lei citado pelo MPE e Vale. À época da assinatura do acordo foi informado que a Vale é que exigiu não assinar um TAC e sim o tal "compromisso".
O advogado Nelson Aguiar avalia que o Iema, ao licenciar o aumento da produção para atender ao governo do Estado, "está vendido". E busca explicação no financiamento que a empresa faz das campanhas eleitorais. Só ao governador Paulo Hartung a MBR e Caemi, empresas da Vale, dooaram R$ 1 milhão, e só nas últimas eleições. Para ele isso explica boa parte do negócio feito entre o Iema e a Vale.
Na avaliação de Nelson Aguiar, as medidas anunciadas para depois da expansão da produção da Vale teriam que ser, todas, implantadas primeiro, para depois se discutir o licenciamento do projeto de expansão. A Vale está licenciada para aumentar em 45% sua produção de pelotas de ferro, passando a produzir em Tubarão 39,3 milhões de toneladas anuais na região.
(Por Ubervalter Coimbra,
Século Diário, 31/07/2007)