Militantes do Greenpeace protestam em frente a uma lanchonete do McDonald's na Inglaterra: rede de fast- food usa soja brasileira para alimentar frangos
Homens e mulheres com fantasias de galinha de 2 metros, protestando e carregando faixas com slogans. Foi essa a cena com que se depararam os gerentes de unidades do McDonald's de sete cidades da Inglaterra quando chegaram pela manhã para abrir suas lojas, em 6 de abril do ano passado. As lojas estavam cobertas de folhetos que mostravam Ronald McDonald segurando uma serra elétrica. Algumas "aves" entraram nas lanchonetes e se acorrentaram às cadeiras, sendo retiradas pela polícia. Por trás do fuzuê estava a organização ambientalista Greenpeace, que buscava chamar a atenção para seu mais recente relatório, no qual acusa as redes de fast-food de contribuir para a devastação ambiental. Resultado de um ano de investigações em dois continentes, o texto chama-se "Comendo a Amazônia" e mostra como a soja plantada em zonas desmatadas era importada pelas cadeias de lanchonetes para alimentar os frangos criados em cativeiro na Europa para rechear McChickens. "Como detectamos que a maior parte da soja brasileira vai para a Europa, queríamos alertar o cidadão comum para o fato de que ele, de alguma forma, está participando da destruição da Amazônia", diz Tatiana Carvalho, responsável pela campanha do Greenpeace contra a soja predatória na Amazônia.
Seis horas depois do início do ataque das galinhas, a direção do McDonald's ligou para a coordenação do Greenpeace e pediu trégua. O resultado foi uma parceria inesperada e poderosa. A pressão exercida pelos dois fez com que os maiores responsáveis pelo comércio de soja no Brasil - os grupos internacionais Cargill, ADM, Bunge, Dreyfus e o nacional Amaggi - se reunissem para debater o tema. Em julho do mesmo ano, as duas principais associações de plantadores de grãos do Brasil anunciaram uma moratória de dois anos para o financiamento da soja plantada em terra desmatada depois daquela data. Ou seja, não haveria dinheiro para bancar a derrubada de mais floresta. A moratória ainda está em vigor, mas os resultados só devem começar a aparecer no ano que vem. "Mas já podemos ver que em regiões onde a soja estava avançando muito rápido, como nos arredores de Santarém, no Pará, a expansão diminuiu de um ano para cá", diz Tatiana.
A campanha do Greenpeace é na verdade a expressão mais bem-sucedida de um debate que aos poucos ganha espaço entre os ambientalistas. Será necessário mudar a nossa dieta a fim de preservar o planeta? É o que sugere João Meirelles, da ONG Instituto Peabiru. Com mais de duas décadas de atuação no ambientalismo, Meirelles diz que o foco do Greenpeace está equivocado e que é a pecuária, e não a soja, o principal vilão do desmatamento. E sustenta seu discurso com números: dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) mostram que 77% das áreas desmatadas na Amazônia Legal se destinam à criação de gado. Entre 1990 e 2003 o rebanho total da região subiu de pouco mais de 26,6 milhões para mais de 64 milhões de cabeças, ou 140%. "Trata-se do maior avanço da pecuária sobre uma região no planeta", diz Meirelles.
"Cerca de 85% da carne produzida na Amazônia se destina ao mercado interno, principalmente do Sudeste e Sul. São Paulo, Minas, Rio e Paraná são os grandes responsáveis por comer a Amazônia", afirma Meirelles, que, aliás, vem de uma família de dez gerações de pecuaristas e já administrou fazendas de gado antes de aderir ao ativismo ecológico. Agora que mudou de lado, ele quer conscientizar as pessoas. "Vale a pena destruir a Amazônia em troca de uma dieta carnívora?"
(Por Pablo Nogueira,
Galileu, 31/07/2007)