A Argentina pode expandir seu limite geográfico para leste e incorporar um vasto território de recursos energéticos e naturais de valor estratégico sob o Oceano Atlântico. Para isso deve demonstrar que sua plataforma continental supera as 200 milhas náuticas. O solo de uma área de, pelo menos, 700 mil quilômetros quadrados (um terço da superfície do território continental) possui petróleo, gás, minerais e recursos energéticos de alto valor para a indústria, revelou em uma entrevista um acadêmico que acompanha de perto os estudos técnicos e que pediu reserva sobre seu nome.
Para elaborar uma proposta definitiva de suas fronteiras, a Argentina criou, em 1997, a Comissão Nacional do Limite Exterior da Plataforma Continental (Copla), uma equipe técnica intergovernamental que já conta com 90% da informação necessária para demonstrar onde termina exatamente o território coberto pelo oceano. Os países litorâneos têm direito soberano sobre o solo e subsolo do território submerso até as 200 milhas náuticas, o que se conhece como zona econômica exclusiva, ou até onde terminar sua plataforma continental, incluindo o talude, até um máximo de 350 milhas. Isso inclui os recursos naturais da plataforma, não da água que a cobre.
Os dados obtidos em laboratório e campanhas marítimas deverão ser apresentados antes de maio de 2009 à Comissão de Limites da Plataforma Continental, órgão técnico da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Convemar), que dará legitimidade à nova demarcação. A Argentina é um dos 119 países que assinaram a Convemar, em 1982, considerada uma carta constitucional para os oceanos, e à qual aderiram até agora 155 países. Os signatários decidiram dar um prazo de dez anos aos países que quiserem apresentar suas propostas de fixação de limites da plataforma continental, contando a partir de 1999.
Os estudos preliminares na Argentina indicam que a margem continental do país se estende até as 350 milhas náuticas em algumas áreas e em outras superaria esse limite. “A pretensão será aprovada sem prejuízo de uma discussão sobre a fixação do limite de cinco milhas para lá ou para cá”, disse a fonte. Entrevistado pelo Terramérica, o geólogo marinho Salvador Aliotta, pesquisador do Instituto Argentino de Oceanografia, explicou que as 200 milhas estipuladas para a soberania dos países litorâneos sobre o mar “são um limite geográfico, não geológico”.
“O fato de haver uma camada de água sobre o terreno marca apenas um instante na história geológica, mas o continente se prolonga sob o mar e tudo o que há no solo e subsolo do território continental pode também ser encontrado sob o solo marítimo”, acrescentou Aliotta. O especialista lembrou que várias companhias petrolíferas já exploram bacias em águas argentinas, extraindo petróleo e gás, e antecipou que também se estuda a possibilidade de extração de gás metano congelado, um combustível localizado a mais de mil metros de profundidade.
Nas profundezas marítimas também há outros minerais, como ferro, zinco e outros de uso industrial estratégico, como nódulos polimetálicos de manganês, crosta de cobalto ou sulfuretos, cuja exploração se torna cada vez mais possível na medida em que a tecnologia se desenvolve, disse Aliotta. A nova jurisdição não incorporará a coluna de água e, portanto, tampouco os recursos pesqueiros da região. Porém, há recursos vivos que fazem parte do leito marinho.
Em algumas zonas não muito profundas existem espécies que vivem em contato com o leito, como os mexilhões (Mytilidae) ou as vieiras (Pectinidae). Porém, também há áreas de recursos genéticos com um grande potencial de aproveitamento na indústria farmacêutica, explicou a fonte próxima ao informe. É necessário ser muito cauteloso com estas espécies “extremamente pouco conhecidas”, disse ao Terramérica o médico Cláudio Campagna, do Centro Nacional da Patagônia e diretor-executivo do projeto Modelo do Mar, de conservação sustentável do Mar da Patagônia.
“Os ambientes bentônicos – sobre o leito – para além das 200 milhas são desconhecidos do ponto de vista da biodiversidade, mas se espera que justamente por isso tenham um profundo valor para a biologia”, alertou Campagna, biólogo doutorado na Universidade da Califórnia. “No talude existem cânones transversais que unem a plataforma com a bacia oceânica, que requerem ser avaliados do ponto de vista da diversidade e da conservação”, disse a título de exemplo. Para o especialista, colocar estes recursos sob jurisdição argentina pode inseri-los em um contexto administrativo mais rígido em relação ao que têm hoje como parte das águas internacionais. “O estado atual das coisas não facilita o controle. Por outro lado, quanto aos interesses soberanos se consegue avanços que são mais difíceis no difuso cenário das águas internacionais”, explicou.
“Isto só pode ser benéfico apenas se for privilegiada a relevância biológica”, mas “como este não tem sido o caso até agora no mundo, o resultado continua sendo incerto”, afirmou. Como a Argentina, outros países litorâneos preparam suas apresentações ao Convemar. Um deles é a Grã-Bretanha, que não só apresentará sua pretensão de extensão de limites sobre a plataforma que rodeia suas ilhas, como também em torno do arquipélago das Malvinas, em disputa de soberania com a Argentina.
As ilhas que a Argentina reivindica como suas estão ocupadas pela Grã-Bretanha desde o século XIX. Segundo estudos técnicos, as Malvinas ficam dentro de uma plataforma continental Argentina. O informe da Copla não se pronunciará sobre este assunto. A Comissão, integrada por funcionários da chancelaria, do Ministério da Economia e do Serviço de Hidrografia Naval, limita-se a um trabalho técnico, mas seus informes e a resposta internacional não poderão esquecer o conflito de soberania.
(Por Marcela Valente,
Terramérica, 30/07/2007)