A Aracruz Celulose quer a retirada dos quilombolas do território negro retomado da empresa na segunda-feira (23/07). Cerca de 500 quilombolas estão limpando o terreno que a empresa usurpou há 40 anos, e estão plantando alimentos e vegetação nativa, além de construir seu primeiro assentamento no território de Sapê do Norte. A área está em processo de devolução aos negros, como manda a Constituição Federal.
A empresa recorreu à Justiça "buscando a garantia de seus direitos", segundo informa no texto com o título "manifestantes quilombolas invadem floresta da Aracruz Celulose em Conceição da Barra (ES)", publicado no seu site. A empresa diz que "é a maior produtora de celulose branqueada de eucalipto do mundo e uma das maiores exportadoras do Brasil".
A Aracruz Celulose diz ainda que "também está contestando administrativamente todo o processo que reconhece o território quilombola, inclusive a portaria que determinou um total de 9.542 hectares para esse fim na região de Linharinho". E que "o processo que determina as terras quilombolas tem como base o Decreto nº 4.887/2003, que está sendo argüido por diversas entidades em ação no Supremo Tribunal Federal".
Não há inconstitucionalidade nenhuma, dizem os quilombolas. Lembram que o trabalho de "identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos" é obrigatório e deve ser realizado por determinação do artigo 68 da Constituição Federal; do Decreto n. 4887 de 20/11/2003; e da Instrução Normativa n. 16/2004. A tarefa cabe ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Os quilombolas que retomaram parte do território de Linharinho têm sede de "justiça edDireito pela vida". Os negros descendentes de escravos tiveram suas terras tomadas pela Aracruz Celulose. Agora, estão reconstruindo o "Quilombo de Linharinho".
Denunciam que a área retomada pelos quilombolas foi "invadida e tomada pelo monocultivo de eucalipto da Aracruz Celulose, multinacional que se diz a principal protagonista do desenvolvimento do Estado. Por mais de 40 anos a maior produtora mundial de celulose branqueada vem causando graves, e talvez irreversíveis, danos ao meio ambiente e ao saber tradicional existente no território ancestral dos quilombolas".
Os descendentes dos escravos negros já estão plantando mudas nativas da mata atlântica, plantas e ervas medicinais. Criaram uma cozinha comunitária, além de uma área de lazer para as crianças. As atividades culturais estão sendo realizadas sob uma tenda de circo, onde ocorrem atividades tradicionais da comunidade como cantigas, danças, jongo, rodas de histórias e exibição de vídeos que têm como tema a resistência a este modelo de desenvolvimento predatório e destruidor, informam.
O Quilombo Linharinho é apontado como "a essência do fortalecimento da identidade quilombola, sendo o primeiro território de quilombo a ser homologado pelo Incra no Espírito Santo, dentre mais de 2.000 áreas já identificadas em todo o território nacional. Por isso a importância e os esforços dedicados nesta ação política".
Os quilombolas dizem que "é com uma enorme e incontrolável vontade de mudança da paisagem coberta pelo deserto verde provocado pelas plantações de eucalipto, da qualidade da água poluída pelos venenos aplicados nas plantações, dos espaços ocupados e do modo de viver tradicional, há muito impedido de ser vivido, que as Comunidades Quilombolas do Sapê do Norte se empenham e resistem, mais uma vez, no nosso seu território".
Os quilombolas estão recebendo apoio da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, Comissão Quilombola do Sapê do Norte, Conaq, MST, MPA, ACA, Via Campesina, Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), DCE-Ufes, Nação Hip Hop, Anarkopunks, Igrejas, Comissão Pastoral da Terra, Fase-ES e Brigada Indígena, entre outros movimentos.
Para tomar as terras dos quilombolas (cerca de 50 mil hectares), dos índios (40 mil hectares) e ocupar terras devolutas - que têm de ter destinação social - a Aracruz Celulose empregou a força, ou seduziu as pessoas com falsas promessas de emprego e bem estar social nas cidades. Os que venderam suas terras a preços vis passaram a ocupar as favelas nas periferias das cidades.
Pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) por solicitação do Incra apontam que os negros foram forçados a abandonar suas terras: em Sapê do Norte existiam centenas de comunidades na década de 70, e hoje restam 37. Ainda na década de 70, pelo menos 12 mil famílias de quilombolas habitavam o norte do Estado: atualmente resistem entre os eucaliptais, canaviais e pastos, cerca de 1,2 mil famílias.
O projeto Territórios Quilombolas no Espírito Santo também pesquisou e confirmou ser território quilombola 500 hectares de São Pedro, em Ibiraçu, onde vivem 24 famílias. E, 1.500 hectares em Monte Alegre, em Cachoeiro de Itapemirim, onde vivem 102 famílias negras. Nestes dois municípios há grandes fazendeiros ocupando as áreas dos negros. Em todo o Espírito Santo existem cerca de 100 comunidades quilombolas.
Para plantar seus eucaliptais, a Aracruz Celulose destruiu somente no Espírito Santo 50 mil hectares da mata atlântica, acabando com sua biodiversidade. A empresa explora e degrada há 40 anos as terras que arrecadou no Espírito Santo, primeiro com favores da ditadura militar e governos estaduais biônicos (não eleitos pelo povo). Agora, compra novas áreas de terras.
(Por Ubervalter Coimbra,
Século Diário, 27/07/2007)